Rishi Sunak escapou, quarta-feira, a uma rebelião no Partido Conservador que pôs em causa o seu plano de deportar candidatos a asilo para o Ruanda enquanto os respetivos processos são avaliados, a troco de dinheiro para o país africano. Depois de mais de 60 deputados da ala radical do partido do primeiro-ministro terem defendido o endurecimento da proposta governamental, esta acabou por passar por 320 votos contra 276, com os rebeldes reduzidos a onze votos contra e dezoito abstenções. Toda a oposição votou contra.
A nova lei decreta que o Ruanda é um país seguro e visa contornar o chumbo do plano original de Sunak, em novembro, pelo Supremo Tribunal do Reino Unido. Segundo o painel de cinco juízes que analisou o caso, o Ruanda não é seguro, pois há perigo de refugiados deportados em resultado de erros de avaliação serem dali repatriados para países onde seriam perseguidos.
A oposição repudia o plano de Sunak com argumentos éticos (considera-o desumano) e pragmáticos (está convicta de que não alcançará o objetivo de dissuadir migrantes ilegais de rumarem às costas britânicas). Até agora nenhum migrante foi enviado para o Ruanda, porque a justiça gorou a intenção do Executivo de o fazer.
Entre os conservadores rebeldes que creem, pelo contrário, que a lei deve ser mais severa, estavam nomes como Liz Truss, antecessora de Sunak, e dois vice-presidentes do partido e uma subsecretária de Estado, que se demitiram para votarem a favor de alterações ao projeto, por fim rejeitadas. Também apoiaram a revolta o antigo primeiro-ministro Boris Johnson, que já não é deputado, e o Partido Reformador (ex-Partido do Brexit).
Esta força política acusa o Governo de brandura face à imigração ilegal. “Nunca ninguém vai ser deportado, e isto não serve de dissuasor”, afirmou o líder dos eurocéticos, Richard Tice, para quem o drama parlamentar da semana não passou de “perda de tempo” gerada pelas divisões entre tories.
Sondagem desastrosa
A politóloga Alia Middleton explica ao Expresso que o recuo dos rebeldes se deveu a “medo de desestabilizar o Governo”, ou mesmo de provocar a sua queda. Embora Sunak tenha afirmado que tenciona convocar eleições para o final de 2024, uma derrota num projeto tão fulcral do seu programa poderia forçar uma antecipação, pondo em causa a maioria absoluta que sustenta o Executivo.
A académica da Universidade de Surrey acrescenta que havia outro risco: “Se as alterações para endurecer a lei passassem, os conservadores mais moderados poderiam votar contra a proposta”. Ou seja, esta cairia pelo lado contrário
A agravar receios entre tories, uma sondagem do instituto YouGov divulgada esta semana projeta uma vitória do Partido Trabalhista de dimensão semelhante à de Tony Blair em 1997. O partido agora chefiado por Keir Starmer obteria até 385 dos 650 lugares na Câmara dos Comuns, contra 160 para os conservadores. Entre os deputados exonerados estariam 11 atuais membros do Governo.
“Sunak parece fraco e, com a inflação a subir, é visível que pouco cumpriu das suas grandes promessas”, prossegue Middleton, que prevê que os britânicos sejam chamados às urnas em junho. “O mais notório é a divisão entre os conservadores, alguns dos quais já se posicionam para a próxima corrida à liderança. E muitos deputados tremem de pensar na próxima eleição e no que vão dizer aos seus eleitores.”
E Donetsk e Luhansk?
Face a uma oposição que sublinhou que o Ruanda não se torna um país seguro por decreto, o ministro do Interior defendeu que a nova lei ajudará a travar os barcos que atravessam o canal da Mancha. James Cleverly explica que a lei foi “meticulosamente redigida para pôr fim a um carrossel de contestação judicial”, ou seja, para impedir os afetados de recorrerem de ordens de deportação, seja junto da justiça britânica ou do Tribunal Europeu de Direitos Humanos.
“Quantos condenámos a Rússia, e bem, quando estipulou por lei que Donetsk ou Luhansk são russas, quando são ucranianas?”, perguntou o trabalhista Chris Bryant.
A politóloga Middleton esclarece que a nova lei “ainda tem um longo caminho pela frente, com muitas fases, incluindo na Câmara dos Lordes [que tem poderes de revisão das leis] e de novo nos Comuns [que reavaliam, em seguida, as sugestões vindas dos Lordes]”. A ideia de que tudo possa fracassar é tal que o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, se disponibilizou para devolver a Londres os 240 milhões de libras (280 milhões de euros) já pagos a Kigali, e que até agora serviram para deportar zero candidatos a asilo.
Chegadas caíram em 2023
No ano passado entraram de barco no Reino Unido cerca de 30 mil pessoas, contra 45 mil em 2022. A quebra deve-se, em parte, a um acordo com a Albânia que travou muitos dos que dali partiam. Segundo dados da ONG Refugee Council, mais de metade dos que chegaram às costas britânicas receberam o estatuto de refugiados e apenas 3,5% seriam deportados ao abrigo da lei de Sunak.