Ao longo de dez meses de guerra, Benjamin Netanyahu foi acusado, em vários momentos, pela oposição, pelo Hamas e por manifestantes israelitas, de tentar sabotar as negociações para um cessar-fogo em Gaza. Esta terça-feira, o chefe do Governo israelita voltou a deitar lenha para a fogueira ao assumir uma postura mais intransigente face às condições necessárias para chegar a um acordo com o Hamas, afastando-se da concordância demonstrada de véspera na reunião com o secretário de Estado norte-americano.
Num encontro com familiares de reféns, Netanyahu mostrou-se hesitante quanto à possibilidade de existir um entendimento concreto. “Não tenho a certeza de que haverá um acordo, mas se houver (...) será um acordo que preserve os ativos estratégicos de Israel”, declarou o líder do Executivo israelita, citado pelo site noticioso israelita Walla.
Um dos participantes, cujo filho está nas mãos do Hamas, reconheceu ao jornal ‘The Times of Israel’ que, depois de reunir com Netanyahu, ficou com a impressão de que “não haverá acordo”.
Além disso, o primeiro-ministro israelita voltou a afirmar que, a ser acordado um cessar-fogo, este seria temporário e não permanente, como tem sido requerido pelo Hamas. Nesse cenário, os combates seriam suspensos por um máximo de 42 dias, sendo depois retomados com o objetivo de erradicar o movimento islamita palestiniano, apresentado sucessivamente pelo Governo de Telavive para justificar a continuação da guerra.
A par de omitir qualquer referência a uma retirada parcial ou total das tropas israelitas de Gaza, Benjamin Netanyahu sublinhou que “em circunstância alguma” ordenará a saída das suas forças dos territórios que Israel considera estratégicos, designadamente a passagem de Rafah, o Corredor de Filadélfia e a junção de Netzarim, mesmo que sofra pressões internas ou externas para o fazer.
Ora, ambos os pontos são inegociáveis para o Hamas, que recusou a proposta apresentada pelos EUA, descrevendo-a como “um golpe contra o que as partes alcançaram a 2 de julho” – a anterior versão do texto, apresentada por Joe Biden, tinha sido aprovada pelo grupo paramilitar palestiniano – e acusando Netanyahu de “estabelecer novas condições e exigências” para o acordo. O Hamas criticou a “aquiescência” de Washington perante os termos do “terrorista Netanyahu”.
No terreno, a situação permanece delicada, com novos bombardeamentos israelitas a deixarem dezenas de feridos e mortos numa escola na cidade de Gaza, num mercado em Deir-el-Balah e num ponto de carregamento de telemóveis em Khan Younis. O gabinete de comunicação do Governo de Gaza condenou os ataques e considerou “a ocupação israelita e administração americana totalmente responsáveis pelas consequências catastróficas e perigosas destes massacres”, segundo um comunicado citado pela Al Jazeera.
Nesta altura, o cessar-fogo em Gaza não parece mais próximo de se concretizar, mas o chefe da diplomacia norte-americana continua a desenvolver esforços para conseguir avanços concretos nas negociações. Esta terça-feira, Antony Blinken esteve no Egito para um encontro com o presidente Abdel Fattah al Sisi, que reiterou a urgência de implementar um cessar-fogo no enclave palestiniano.
O chefe de Estado egípcio frisou que o fim dos combates em Gaza deve levar a um “reconhecimento internacional mais amplo do Estado palestiniano”. “A solução de dois Estados é a principal garantia de estabilidade na região”, sustentou, citado pela Lusa.
Blinken viajou, depois, para Doha, onde deverá encontrar-se com o emir do Catar, xeque Tamim bin Hamad al-Thani, para continuar a pressão diplomática no sentido de conseguir uma trégua entre Israel e o Hamas.
Está agendada para quarta-feira uma reunião entre representantes das delegações dos três países mediadores e representantes israelitas para “construir pontes” e trabalhar nos pontos que estão a gerar mais atrito entre as partes.
Outras notícias que marcaram o dia:
⇒ O Exército de Israel deverá redirecionar o eixo das suas operações militares de Gaza para a fronteira com o Líbano, disse o ministro da Defesa de Israel. De acordo com a Lusa, Yoav Gallant afirmou que esta alteração se deve ao aumento dos ataques do Hezbollah na fronteira entre ambos os países e no norte de Israel nas últimas semanas. Face à tensão crescente na região, o governante salientou que as forças israelitas devem estar preparadas “para tudo o que possa acontecer”.
⇒ Vinte ONG exigiram uma trégua imediata na Faixa de Gaza para implementar medidas sanitárias contra a poliomielite. Sem um cessar-fogo imediato que permita vacinar milhares de crianças, “uma geração inteira está em risco de infeção”, salientaram organizações como a Action Against Hunger, a Oxfam e a Save the Children, referidas pela Lusa. Na semana passada, foi detetado o primeiro caso da doença em Gaza em 25 anos.