Guerra no Médio Oriente

Hamas “numa posição politicamente mais forte”; Netanyahu, nem pressionado, abre inquérito sobre falhas de segurança (287º. dia de guerra)

Benjamin Netanyahu continua a ser pressionado para abrir um inquérito independente às falhas de segurança que terão ocorrido a 7 de outubro, quando o Hamas conseguiu infiltrar-se no território israelita e matar cerca de 1200 pessoas. Um antigo alto responsável da NATO explica ao Expresso porque é que o Hamas está em vantagem em relação ao Governo israelita. Eis os destaques do 287º. dia de guerra no Médio Oriente

Benjamin Netanyahu
Pool

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, rejeitou os apelos para um inquérito independente imediato sobre as falhas de segurança que permitiram o ataque de 7 de outubro, que fez história no seu país. No Parlamento de Israel, Netanyahu afirmou, perante os deputados: “Primeiro, quero derrotar o Hamas”.

Um porta-voz de Netanyahu defendeu, de acordo com o jornal “The Guardian”, que o primeiro-ministro israelita não está a tentar evitar um inquérito, mas que “o Governo está completamente focado em vencer esta guerra”.

“O que as pessoas não querem é que entremos numa investigação interna dramática enquanto os nossos reféns ainda estão detidos, e tantos soldados largaram as suas vidas para lutar pelo país”, disse o porta-voz. “É claro que haverá uma investigação, mas, neste momento, estamos concentrados em vencer esta guerra.”

O ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, apelou na semana passada à formação de uma comissão de inquérito estatal para os ataques de 7 de outubro. “Deve examinar-nos a todos: os decisores e os profissionais, o Governo, o Exército e os serviços de segurança, este Governo – e os governos da última década que levaram aos acontecimentos de 7 de outubro”, fundamentou Gallant durante uma cerimónia militar, tendo sido aplaudido.

Foram divulgadas nos canais televisivos de Israel imagens de uma série de confrontos entre as famílias dos reféns e o primeiro-ministro, que rejeitou as suas exigências de um pedido de perdão pelo seu papel nas falhas de segurança. Netanyahu reagiu com surpresa quando as famílias descreveram como as suas filhas tinham alertado repetidamente sobre um ataque iminente.

Benjamin Netanyahu tem resistido repetidamente aos apelos para um inquérito sobre as falhas militares e de segurança que antecederam os ataques liderados pelo Hamas, apesar de ter ocorrido uma série de demissões e pedidos de desculpas de membros de alto nível do sistema de segurança israelita.

Na semana passada, um importante membro da agência de segurança Shin Bet de Israel, conhecido apenas pela inicial “Aleph”, demitiu-se, declarando, no seu discurso de despedida, que estava de saída, dada a profunda desilusão por o seu departamento não ter conseguido evitar o ataque.

O chefe dos serviços de informação das Forças de Defesa de Israel, o major-general Aharon Haliva, demitiu-se em abril. “A divisão sob o meu comando não cumpriu a tarefa que lhe foi atribuída”, escreveu, na sua carta de demissão.

As forças israelitas atingiram, nesta quarta-feira, áreas no centro da Faixa de Gaza, matando pelo menos nove palestinianos, segundo as autoridades de saúde lideradas pelo Hamas. As mortes aconteceram quando os tanques israelitas tentavam avançar em Rafah, no sul. Nas últimas 24 horas, os ataques israelitas mataram pelo menos 81 palestinianos e feriram 198, informou o Ministério da Saúde de Gaza.

Os ataques prosseguem, apesar de as negociações entre o Hamas e as autoridades israelitas continuarem também, em paralelo. “Essencialmente, o fosso entre Israel e o Hamas permanece intransponível”, diz ao Expresso Jamie Shea, antigo secretário-geral adjunto para os Desafios Emergentes de Segurança no quartel-general da NATO em Bruxelas. “O Hamas quer tornar o cessar-fogo permanente e garantir a retirada israelita de Gaza. Israel aceitará apenas um cessar-fogo temporário, porque ainda precisa de continuar as suas operações militares em Gaza para destruir o Hamas. Um cessar-fogo para os israelitas é principalmente uma pausa para levar os reféns sobreviventes para casa. Não pode dar espaço ao Hamas para emergir como vencedor e para se reagrupar.”

O Hamas está “numa posição politicamente mais forte”, garante o analista. “Meses de ofensiva israelita não conseguiram eliminá-lom e a contínua matança israelita de civis palestinianos apenas aliena Israel no tribunal da opinião pública internacional”. Por esse motivo, pode dar-se ao luxo de ser intransigente.

Apesar de há várias semanas os negociadores do Catar e do Egito terem voltado a empreender esforços para se chegar a um acordo, as questões internas dos EUA retiram Biden da cena no Médio Oriente. “Também não é uma questão vencedora para ele, porque não consegue manter felizes os apoiantes democratas de Israel e dos palestinianos”, lembra Jamie Shea. “A campanha está a forçar Biden a concentrar-se em questões internas como a fronteira mexicana, o aborto e a ameaça de Trump à democracia norte-americana. Trump e os republicanos apoiam Israel incondicionalmente, e dificilmente exercerão pressão sobre Israel para que faça concessões.”

Mas Israel continua longe de atingir os seus objetivos pela via militar, sublinha o antigo representante da NATO: “O Hamas ainda sobrevive em Gaza, e o radicalismo palestiniano aumentou na Cisjordânia, necessitando de uma repressão israelita mais violenta. A guerra de Gaza também levou ao aumento das tensões com o Hezbollah no Líbano, e forçou milhares de cidadãos israelitas a retirarem-se cidades do norte de Israel, perto da fronteira. Alguns países europeus reconheceram a Palestina como um Estado que isola ainda mais Israel diplomaticamente. A eliminação do Hamas parece exigir a destruição total de Gaza, o que conduzirá a novas ondas de radicalização jihadista, o que não é uma receita para a estabilidade futura.”

Outras notícias em destaque:

⇒ O líder da diplomacia russa responsabilizou os Estados Unidos pela "explosão de violência sem precedentes" no Médio Oriente e pelo "derramamento de sangue" em Gaza, argumentando que tal acabaria se Washington travasse o apoio a Israel. "Colegas, a atual explosão de violência sem precedentes no Médio Oriente é em grande parte uma consequência do fracasso da política dos Estados Unidos da América na região", avaliou Serguei Lavrov, que presidiu ao debate trimestral do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a situação no Médio Oriente, com foco na questão palestiniana.

⇒ O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou para o risco de "danos irreparáveis" do avanço israelita na Cisjordânia ocupada, onde a própria geografia "está a ser constantemente alterada" por Israel. "Os desenvolvimentos recentes estão a colocar em jogo qualquer perspetiva de uma solução de dois Estados [Israel e Palestina]. A geografia da Cisjordânia ocupada está a ser constantemente alterada através de medidas administrativas e legais israelitas", disse Guterres, num discurso que foi lido numa reunião do Conselho de Segurança da ONU pelo seu chefe de gabinete, Earle Courtenay Rattray.

⇒ O líder xiita libanês do Hezbollah, Hassan Nasrallah, ameaçou atacar localidades israelitas que ainda não foram visadas se Israel continuar a matar civis nos bombardeamentos contra o sul do Líbano. "Se o inimigo continuar a atacar civis como tem feito nos últimos dias, isso levar-nos-á a atacar locais que até agora não tínhamos atacado", disse Nasrallah por ocasião da celebração da Ashura, a mais importante festa muçulmana xiita.