Guerra na Ucrânia

Quebra de unidade na decisão de enviar tropas da NATO para a Ucrânia: as notícias que marcaram o 734º. dia de guerra

França está cada vez mais isolada na defesa do envio de tropas da NATO para o território ucraniano. Para Macron, nenhuma opção deve ser excluída, mas vários Estados que compõem a Aliança discordam. A Coreia do Sul revelou, contudo, que a Rússia tem conseguido apoio militar de peso da sua rival Coreia do Norte. Eis as notícias que marcaram o dia

Emmanuel Macron
Chesnot

O Kremlin emitiu um aviso à NATO: um conflito entre a Rússia e a aliança militar tornar-se-á inevitável se os países ocidentais enviarem tropas para combater na Ucrânia. “O próprio facto de se discutir a possibilidade de enviar certos contingentes de países da NATO para a Ucrânia é uma nova informação muito importante”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, aos jornalistas. Questionado sobre qual seria a probabilidade de eclodir um conflito direto entre a Rússia e a NATO se os Estados-membros enviassem as suas tropas para lutar na Ucrânia, Peskov admitiu: “Nesse caso, não teríamos de falar sobre a probabilidade, mas sobre a inevitabilidade.”

As declarações de Dmitry Peskov surgem apenas horas depois de Macron se ter recusado a descartar a possibilidade de colocar tropas no território ucraniano. O Presidente francês admitiu, porém, não haver entendimento sobre tais movimentos, após a conferência de 20 líderes - principalmente europeus -, em Paris. “Não há consenso para apoiar oficialmente o avanço de quaisquer tropas terrestres. Dito isto, nada deve ser excluído. Faremos tudo o que pudermos para garantir que a Rússia não prevaleça.”

O primeiro-ministro francês afirmou, na mesma linha: “Faremos tudo o que for preciso para ajudar a Ucrânia a vencer a guerra, e não descartamos nada.” Gabriel Attal disse nesta terça-feira que nada estava fora de questão nos esforços ocidentais para impedir uma vitória russa na Ucrânia. “Não se pode descartar nada numa guerra”, defendeu.

Esta é a primeira vez que se regista uma discussão tão aberta entre Estados-membros da NATO quanto ao que é aceitável para para apoiar o efetivo militar ucraniano. A Suécia, a Polónia e a República Checa apressaram-se a garantir que não estão a considerar enviar tropas para a Ucrânia, depois de terem sido questionadas acerca dos comentários feitos por Emmanuel Macron. O primeiro-ministro da Suécia, Ulf Kristersson, considerou mesmo que essa não é uma questão relevante para a NATO neste momento. Já o primeiro-ministro checo, Petr Fiala, disse que não está a considerar enviar quaisquer tropas para a Ucrânia, e Donald Tusk, primeiro-ministro polaco, apresentou a mesma posição, referindo-se à Polónia.

O Governo espanhol discorda da ideia de um eventual envio de tropas europeias, segundo a porta-voz do Executivo, Pilar Alegría. Também a Hungria e a Alemanha escolheram distanciar-se da perspetiva francesa. A Hungria não está disposta a enviar armas ou tropas para a Ucrânia, e esta posição é “sólida como uma rocha”, declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros do país, Peter Szijjarto, em comunicado emitido nesta terça-feira. “Ouvimos e vimos as notícias sobre a reunião de ontem à noite em Paris. A posição da Hungria é clara e sólida: não estamos dispostos a enviar armas ou tropas para a Ucrânia.”

O chanceler alemão, Olaf Scholz, quis colocar uma pedra sobre o assunto: “Não haverá tropas terrestres enviados para solo ucraniano por países europeus ou estados da NATO.” Scholz adiantou, no entanto, que os líderes europeus parecem agora dispostos a adquirir armas de países terceiros, fora da Europa, de forma a acelerar a ajuda militar à Ucrânia.

Os países de maior peso na NATO também não pretendem avançar. O gabinete do primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, afirmou que o Reino Unido não tem planos para enviar mais tropas para a Ucrânia, para além de um pequeno número colocado para apoiar Kiev. Através de um porta-voz, o gabinete indicou que "um pequeno número" de militares britânicos encontra-se no terreno "para apoiar as Forças Armadas ucranianas, particularmente em termos de formação médica". Os Estados Unidos não enviarão também soldados para lutar na Ucrânia, indicou a Casa Branca, representada pela porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, Adrienne Watson.

Jens Stoltenberg, autoridade máxima da NATO, disse à Associated Press que a aliança militar não tem planos de enviar tropas de combate para a Ucrânia. “Os aliados da NATO estão a fornecer um apoio sem precedentes à Ucrânia. Temo-lo feito desde 2014, e intensificámo-lo após a invasão em larga escala. Mas não há planos para introduzir tropas da NATO no território da Ucrânia.”

Questionado sobre o impasse que se gerou após os comentários do primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, e também das autoridades francesas, Raphael S. Cohen, investigador de Ciência Política do think tank RAND, diz ter dificuldades em imaginar a NATO a enviar forças terrestres em grande escala para a Ucrânia, para participarem diretamente nos combates. Por várias razões: “Primeiro, a NATO trabalha tendo por base o consenso, e há vários membros da Aliança que são consideravelmente mais pacifistas, como, por exemplo, a Hungria. Em segundo lugar, há preocupações quanto à escalada, que existem desde o início da guerra. Terceiro, optar por envolverem-se diretamente na Ucrânia seria uma escolha muito dispendiosa, em termos de derramamento de sangue e em termos de gastos de dinheiro, e isso algo que nenhum país aceitaria levianamente.” É, contudo, possível - admite o analista - que alguns países optem por intervir de uma forma mais reduzida - “por exemplo, enviando tropas para áreas relativamente seguras”.

No terreno, as forças ucranianas já se viram obrigadas a retirarem-se de uma segunda aldeia perto de Avdiivka. Severne e Stepove, perto da cidade do leste da Ucrânia recentemente capturada pelas forças russas, terão sofrido os progressos russos, de acordo com o porta-voz militar ucraniano Dmytro Lykhoviy. Severne tornou-se, assim, em poucos dias, a segunda vila capturada pelos militares russos após a capitulação de Avdiivka. Moscovo reivindicou que as suas forças “ocuparam linhas e posições mais vantajosas”, tendo atacado “concentrações de mão-de-obra e equipamento ucranianos”.

O ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, realçou os os avanços do Exército russo na Ucrânia, depois de tomar o bastião de Avdiivka, e a ocupação de mais de 300 quilómetros quadrados de território ucraniano este ano. “Não é predeterminado que a Rússia vá prevalecer”, comenta Raphael S. Cohen. “Se os Estados Unidos e o Ocidente decidirem apoiar Kiev – na medida em que possam, e, na minha opinião, deveriam -, a Ucrânia poderá defender-se de novos ataques russos, e poderá, com o tempo, até ser capaz de virar a maré a tempo. Caso contrário, a dinâmica do campo de batalha tornar-se-á mais arriscada, mas essa é uma escolha que as capitais ocidentais terão de fazer.”

Por outro lado, Moscovo continua a somar apoios. A Coreia do Norte enviou cerca de 6700 contentores com milhões de munições para a Rússia desde julho, avançou a agência de notícias sul-coreana Yonhap, nesta terça-feira. O ministro da Defesa da Coreia do Sul, Shin Won-sik, especificou que os contentores podem transportar mais de três milhões de projéteis de artilharia de 152 mm, ou 500 mil cartuchos de 122 mm. “Poderia ser uma mistura dos dois, e podemos dizer que pelo menos vários milhões de projéteis foram enviados”, denunciou Shin. Centenas de fábricas de munições norte-coreanas estarão a funcionar com cerca de 30% da sua capacidade, devido à falta de matérias-primas e electricidade, mas as que produzem munições de artilharia para a Rússia estão a operar “a todo o vapor”, de acordo com o governante.

Outras notícias a destacar:

⇒ Um dos ativistas pelos direitos humanos mais reconhecidos na Rússia, Oleg Orlov, foi condenado a dois anos e meio de prisão por opor-se à guerra na Ucrânia. Orlov, de 70 anos, liderou, durante mais de duas décadas, a organização de direitos humanos Memorial, uma das vencedoras do Prémio Nobel da Paz em 2022. Os procuradores acusaram Oleg Orlov de “desacreditar” o Exército russo num artigo de opinião. Orlov escreveu que as tropas russas estavam a cometer “homicídios em massa” na Ucrânia e que o país tinha “regressado ao totalitarismo”. A Human Rights Watch apelidou de “farsa kafkiana” o processo contra o opositor russo.

⇒ O primeiro-ministro neerlandês cessante, Mark Rutte, anunciou que os Países Baixos vão fornecer 100 milhões de euros para munições à Ucrânia, numa altura em que o país entra no terceiro ano de guerra. "Dois anos após a invasão, as tropas ucranianas continuam a defender a sua posição com coragem. Mas também vemos que a Rússia continua a exercer pressão na linha da frente", disse Rutte, na segunda-feira, à margem da conferência de apoio à Ucrânia, em Paris.

⇒ O Parlamento Europeu aprovou o apoio financeiro de 50 mil milhões de euros à Ucrânia, dentro da revisão do orçamento da União Europeia, vincando que a ajuda demonstra que o bloco está "ao lado" de Kiev. Na sessão plenária realizada na cidade francesa de Estrasburgo, a assembleia europeia deu aval ao novo Mecanismo para a Ucrânia por 536 votos a favor, 40 contra e 39 abstenções, prevendo "uma capacidade global de 50 mil milhões de euros em subvenções, empréstimos e garantias, que demonstram que a UE está ao lado da Ucrânia e continuará a apoiá-la enquanto for necessário", indica a instituição em comunicado.

⇒ O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, chegou nesta terça-feira à Arábia Saudita para discutir com o país árabe a mediação na troca de prisioneiros de guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Na Arábia Saudita, um dos temas abordados com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman será "o regresso dos prisioneiros de guerra e dos deportados", declarou Zelensky na rede social X.