Guerra na Ucrânia

A cultura “está no centro desta guerra”: Ucrânia acusa as forças russas de mais de 300 crimes de guerra contra o património

Profissionais da área da cultura como alvos prioritários, artefactos culturais roubados e património destruído: é este o cenário descrito pelas autoridades ucranianas. Os danos podem ser maiores do que a vista alcança

ALEXANDER ERMOCHENKO

Numa guerra em que a preservação da cultura é um argumento central – tanto por quem invade como por quem se defende –, os museus e locais de património cultural não são imunes à destruição que os rodeia. Há acusações de que as forças russas estão fazer dos profissionais da área da cultura um alvo e a roubar artefactos.

O ‘The New York Times’ noticiou que soldados russos levaram artefactos de ouro de Cítia, que tinham mais de 2.300 anos, de um museu em Melitopol. “Esta é uma das maiores e mais caras coleções na Ucrânia e hoje não sabemos para onde a levaram”, disse Ivan Fyodorov, o presidente da câmara da cidade.

Segundo o jornal, a diretora do Museu de História Local de Melitopol, Leila Ibrahimova, foi raptada por tropas russas em meados de março e libertada depois de horas de interrogatório. Uma outra trabalhadora que recusou ajudar as forças russas a encontrar os artefactos foi raptada sem que se conheça a sua localização. Apesar das recusas, as forças russas encontraram o que procuravam: numa entrevista televisiva, o novo diretor do museu, nomeado pelo exército russo, disse que as peças de ouro “são de grande valor cultural para toda a União Soviética”.

“Os criminosos de guerra russos não acalmam e continuam a destruir tudo o que é ucraniano. Atualmente sabe-se da destruição total de nove locais de património cultural nas regiões de Donetsk, Kiev, Sumy e Chernihiv”, disse Oleksandr Tkachenko, ministro da Cultura, em comunicado

O Museums Journal escreve que há alertas de que instituições e trabalhadores na área da cultura são um alvo das forças russas. De acordo com Olesia Ostrovska-Liuta, diretora do museu Mystetskyi Arsenal, as forças russas têm uma “política claramente cultural, muito lúcida” na sua invasão e os profissionais da área do património estão em “grande perigo” porque o seu trabalho contribui para preservar a identidade cultural ucraniana, como uma entidade separada da Rússia. Além disso, relatou que em cidades ocupadas há roubos de coleções de museus pelo exército russo. Para Ostrovska-Liuta, a cultura “está no centro desta guerra”.

O Ministério da Cultura e da Política de Informação da Ucrânia acusa a Rússia de 367 casos de crimes de guerra contra o património cultural do país. “Os criminosos de guerra russos não acalmam e continuam a destruir tudo o que é ucraniano. Atualmente sabe-se da destruição total de nove locais de património cultural nas regiões de Donetsk, Kiev, Sumy e Chernihiv. Outros objetos sofreram danos de graus variados. Continua sem se saber o estado de 23 locais. É difícil obter informação dos territórios temporariamente ocupados e dos locais onde há hostilidades ativas”, disse Oleksandr Tkachenko, ministro da Cultura, em comunicado.

O governo ucraniano descreve que foram danificados edifícios religiosos – de igrejas católicas a sinagogas – bem como memoriais, museus e reservas naturais, casas da cultura, teatros e bibliotecas.

Danos ocultos ao olhar

O Laboratório de Monitorização de Património Cultural (CHML, na sigla inglesa) e a iniciativa de recuperação cultural do Smithsonian (SCRI) estão a monitorizar mais de 26 mil locais de património cultural na Ucrânia. Segundo os dados que apresentam, o potencial impacto em locais de herança cultural é mais elevado em memoriais, seguindo-se espaços de culto e museus.

Desde o início da invasão russa até ao início de abril, identificaram 191 situações de ‘potencial impacto’ em zonas de património cultural. Isto significa que são locais que podem ter sofrido danos com base em análise remota, estando as duas entidades a trabalhar com parceiros locais para confirmação.

“Os danos ao património cultural relacionados com conflitos variam desde a destruição completa ao enfraquecimento da estrutura subjacente. Muitos impactos potenciais não são visíveis através de tecnologia geoespacial e podem não ser visíveis ou detectados por meses ou anos”, alertam em comunicado.

Sinais de resistência

Em meados de maio, o Mystetskyi Arsenal publicou um relatório sobre o Fundo de Emergência de Arte da Ucrânia – uma iniciativa criada para assegurar a continuidade do desenvolvimento cultural do país em tempos de guerra, dando apoio a artistas, curadores e outros profissionais do mundo artístico. Um dos objetivos é “promover a cultura ucraniana contemporânea como um instrumento poderoso para reforçar a posição da Ucrânia entre as nações democráticas do mundo”, indica a instituição.

Em dois meses foram submetidas 1060 candidaturas ao fundo, tendo 371 beneficiado de apoio. No mesmo período, angariaram-se quase três milhões de hryvnias (cerca de 95 mil euros), a maioria de apoio institucional.

Por outro lado, há iniciativas para ajudar a guardar peças de arte que tenham sido retiradas das zonas afetadas pela guerra. A rede europeia de organizações de museus (NEMO) agrega informação sobre iniciativas de apoio à Ucrânia. Delas consta a Associação Portuguesa de Museologia, que dá apoio à integração de profissionais ligados a museus e às suas famílias, mas também há abrigos para a cultura ucraniana. O Museu dos Aliados, em Berlim, por exemplo, oferece espaço para armazenar artefactos, a par do Museu Nacional de Arte, Arquitetura e Design, em Oslo.