Guerra na Ucrânia

Como Mário Soares e Pulido Valente previram o que está a acontecer. “Putin não recuará”

A NATO, “cercando” a Rússia, na Polónia e na República Checa, “é um perigo”, escreveu Soares em 2008. “Os movimentos preliminares da III Guerra Mundial estão em curso”, avisou Pulido Valente em 2015

Militares norte-americanos destacados nas bases da NATO na Roménia , perto do Mar Negro FOTO: EPA/RAZVAN PASARICA/Getty Images

A guerra na Europa não terá apanhado todos de surpresa, a crer nas previsões que um ex-Presidente da República (Mário Soares) e um historiador e comentador (Vasco Pulido Valente) escreveram, há 14 e há sete anos, sobre tendências expansionistas, a Rússia, a NATO, a relação de uma com a outra e os riscos no horizonte.

Pulido Valente antecipou em 2015 que “os movimentos preliminares da III Guerra Mundial estão (estavam) em curso. Para o Ocidente ver – ou não ver”. Sete anos antes, em 2008, tinha sido Mário Soares a lançar num artigo na Visão um grito de alerta: “A NATO, cercando a Rússia e instalando na Polónia e na República Checa bases de mísseis, começa a ser uma ameaça para a Rússia que a pode tornar agressiva. Um perigo!”.

O ex-Presidente criticava a Aliança Atlântica, que acusava de se ter tornado “um verdadeiro braço armado dos EUA” e de estar a “fazer estragos noutras regiões do mundo, Cáucaso, zonas do Cáspio e do Mar Negro e países limítrofes da Rússia Ocidental”. E apontava o dedo ao vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, que “em fim de mandato, fez uma recente visita, altamente desestabilizadora, para dar, em nome da NATO, apoio à Geórgia”. Conclusão, pela pena de Soares: “A NATO, criada como organização defensiva, no início da guerra fria, está a tornar-se, por pressão dos neo-conservadores americanos, uma ameaça à paz. Cuidado União Europeia!”.

Também num artigo publicado na Visão, mas em 2015, foi a vez de Vasco Pulido Valente mandar a pedrada ao charco: “Não há sombra de dúvida de que Putin não recuará. Tarde ou cedo, vai acabar por querer que as repúblicas bálticas voltem ao seu domínio e que a Ásia Central aceite obedientemente a sua ordem. Os movimentos preliminares da III Guerra Mundial estão em curso. Para o Ocidente ver – ou não ver” (era este o título do texto).

“Com as nossas preocupações domésticas” – alertou Vasco – “não nos sobra o tempo para pensar em coisas muito mais sérias como o expansionismo da Rússia. Vem na Wikipédia, mas convém repetir, que a Rússia é uma federação de 22 repúblicas, 46 regiões autónomas (como a Madeira) e nove territórios. Pior ainda, tem 160 etnias diferentes, 100 línguas diferentes, quatro grandes religiões diferentes e uma enorme quantidade de seitas. Tudo isto para uma população relativamente pequena de 140 milhões de habitantes”. Um caldo, que o historiador concluía levar “qualquer pessoa de bom senso” a compreender que “segundo um velho hábito do século XVIII, chamamos Rússia a um Império que só pode ser governado autocraticamente e onde a democracia está para sempre condenada”.

Crítico da forma como a Europa se foi desarmando, Pulido Valente alertava para os riscos de “a Inglaterra gastar em defesa menos de 2% do PIB, num momento em que Putim embarcou numa política claramente agressiva e revanchista”.

“A Crimeia foi o primeiro objetivo; e o segundo foi parte da bacia de Donetsk, porque a Crimeia não serve de nada sem uma ligação fácil e segura ao coração do Império”, escreveu. Convicto de “não haver ponta de dúvida que Putim não recuará”. Não se enganou.