EUA

Trump torna-se o primeiro Presidente dos Estados Unidos alvo de dois processos de 'impeachment'. Dez republicanos votaram contra ele

Depois de oito horas de discursos musculados, a Câmara dos Representantes aprovou o 'impeachment' de Trump. Julgamento deve prosseguir no Senado, mas só dia 19 de janeiro. É a primeira vez na história dos Estados Unidos que um Presidente enfrenta dois processos de destituição durante o exercício do seu mandato

Apoiantes de Donald Trump perto do Capitólio, em Washington, a 6 de janeiro de 2021
Shay Horse/NurPhoto/Getty Images

Uma união, se não total, pelo menos que já não se via há quatro anos. Com votos democratas mas também republicanos, a Câmara dos Representantes aprovou esta quarta-feira o segundo impeachment de Donald Trump. A resolução onde só há um artigo de acusação - “incitamento à insurreição” - passou por 232 votos contra 197.

Este processo foi desencadeado pela violência que se seguiu ao último comício de Trump, a 6 de janeiro, perto do Capitólio, no qual, segundo os representantes democratas que apresentaram a acusação, o ainda Presidente encorajou quem o ouvia a invadir o local onde vários congressistas se reuniam para certificar a vitória de Joe Biden.

É a primeira vez que um Presidente dos Estados Unidos enfrenta duas vezes este que é o mais óbvio e mais consequente repúdio que os deputados norte-americanos podem mostrar a um Presidente.

Histórico também é que para esta maioria na Câmara dos Representantes contribuíram não só os votos de todos os democratas (o partido detém a maioria de assentos na Câmara dos Representantes) mas também os de dez representantes republicanos. Na primeira vez que Trump enfrentou este processo nem um votou lado dos democratas.

Vários republicanos que optaram por não votar pelo impeachment quiseram, mesmo assim, deixar claro que não estão ao lado de Trump independentemente do que ele faça, não concordam com a sua linguagem inflamada e nem com a constante alegação de que as eleições foram roubadas aos republicados - e não uma vitória sem ilegalidades por parte de Joe Biden e Kamala Harris, Presidente e vice-Presidente eleitos, respectivamente.

Dan Newhouse, republicano de Washington (District of Columbia), admitiu até que era sua obrigação ter falado mais cedo contra as ações de Trump e explicou as razões para o voto a favor do impeachment: “Não há desculpa possível para explicar as atitudes do Presidente. Trump jurou defender a Constituição contra todos os inimigos, internos e externos. A semana passada, quando uma ameaça externa se assomou às portas do Capitólio, ele não fez nada para parar a multidão e por isso é com coração pesado mas com uma mente limpa que voto pela aprovação deste artigo”, disse nas mais de três horas de discursos que antecederam a votação.

Já com o seu voto entregue, o republicano Adam Kinzinger disse à CNN que finalmente se sente em paz. “Acho que este é um daqueles votos que transcende qualquer tipo de inclinação política. É daquelas votações das quais nos vamos lembrar aos 80 anos, das quais vamos falar. Não sei o que está no futuro, não sei o que significa para mim como político, mas sei que estou pacificado neste momento”.

Peter Meijer, republicano do Michigan, foi mais um dos republicanos a quebrar a lealdade que o partido tem demonstrado a Donald Trump: “O Presidente traiu o seu juramento ao tentar minar o nosso processo constitucional e tem responsabilidade no incitamento à insurreição que sofremos na semana passada. Com um peso no coração, voto para destituir Donald Trump”.

Jim Jordan foi de longe o republicano que mais elogios ofereceu ao Presidente e também o que mais decisivamente se opôs ao impeachment. Depois de enumerar várias vitórias legislativas de Trump (da descida dos impostos à construção do muro), Jordan chamou a atenção para a chamada “cultura de cancelamento”, ou seja, a teoria os gestores de redes sociais e os editores dos jornais ou televisões mais institucionalistas vedam os seus meios às ideias conservadoras.

“Tudo isto é político, tudo foi feito para 'cancelar' o Presidente a qualquer custo. É uma obsessão, uma obsessão que agora se expandiu. Parem para pensar nisto. Será que temos uma 1ª adenda a funcionar quando apenas um lado pode dizer o que quer? Será que podemos ter um debate neste país?”, disse Jordan referindo-se ao artigo que confere liberdade de expressão a todos os cidadãos, uma das encarnações mais liberais deste direito em todo o mundo. “É preciso que isto pare porque se continuar então não serão apenas os republicanos os cancelados, esta cultura vai apanhar-nos a todos”, disse ainda, lembrando que em sete dias vai haver uma transferência pacífica de poder.

E agora?

Agora, esta primeira “condenação”, que na verdade é apenas a condenação da Câmara dos Representantes e não de todo o Congresso, segue para o Senado. O líder da maioria no Senado, Mitch McConnell negou-se esta quarta-feira a abrir uma exceção para reunir o Senado de urgência, pelo que é expectável que os senadores recebam apenas a 19 de janeiro o artigo de impeachment. Isto quer dizer que o julgamento só deve começar quando Joe Biden já estiver na Casa Branca e há muitas prioridades legislativas que precisam de um Senado funcional - coisa que este organismo deixa de ser quando está ocupado com o julgamento de impeachment.

Ao contrário do que aconteceu quando, no início de 2020, o julgamento de Trump por abuso de poder e tentativa de obstrução à justiça começou no Senado, desta vez as razões para a remoção são fáceis de entender e de explicar - o que não é dizer que se possa abdicar de ouvir testemunhas, analistas, especialistas em várias áreas, advogados e/ou analisar todos os documentos disponíveis sobre o que se passou no Capitólio para provar se Donald Trump teve ou não uma influência direta na propagação da violência. Quem preside a esta sessão é John Roberts, presidente do Supremo Tribunal que não vai abdicar de conduzir minuciosamente o processo.

Mesmo quando os dois senadores democratas que venceram a segunda-volta na Geórgia tomarem os seus lugares no Senado, os democratas precisam ainda de 17 republicanos para que a condenação de Trump seja uma realidade. E isso não garante que Trump não possa candidatar-se mais a cargos públicos, essa adenda só é feita à condenação se os senadores, por maioria simples, assim o decidirem. Os democratas vão ter maioria no Senado a partir de dia 20 de janeiro.