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MÓNICA FIGUEIREDO, 65 ANOS
JORNALISTA E ARTISTA PLÁSTICA
Vim para Portugal há quatro anos porque o Bolsonaro ganhou. Não ia aguentar ficar por lá. Iria morrer. Não tinha diálogo com as pessoas que o apoiavam. Já tinha vontade de viver em Portugal e essa eleição apressou essa minha vinda. O segundo semestre de 2018 foi um pesadelo porque junto com Bolsonaro saíram do armário um monte de Bolsonaristas que não sabia que existiam. Pessoas que estavam ao meu lado e que, afinal, o apoiavam e pensavam daquele jeito. Bolsonaro revelou o lado pior de muita gente. Bolsonaro permitiu que as pessoas fossem horrorosas. Começaram a falar que odiavam pobres, pretos, artistas, gay. Bolsonaro faz isso até hoje.
Recordo uma menina gay que foi morar no nosso prédio com a sua namorada. Ela era o máximo, de cabelo rosa e suas tatuagens. Na manhã do dia que o Bolsonaro ganhou, tinha riscado no carro dela “FORA SAPATÃO!”
Sou filha de artistas, não sou gay, mas não sou casada e criei a minha filha sozinha. Não faço parte daquela família hipócrita que Bolsonaro inventou. Porque na verdade ele já está no décimo milionésimo casamento. É um cristão dito evangélico que mente na cara dura. Em nome do quê? Do ‘status quo’? E as pessoas começaram a achar o Bolsonaro ‘legal’ [porreiro]. É muito assustador.
No lugar onde eu trabalhava, uma revista sobre parentalidade em que fui diretora editorial, todos viraram Bolsonaro. Não esperava. Fiquei em estado de choque ao saber que estava rodeada dessas pessoas. Senti-me discriminada. Vi mais Bolsonaristas a sair do armário do que gays a minha vida inteira.
O maior mal que Bolsonaro fez é que a ignorância virou atributo. Se um cretino disser que acha que a terra é plana, está ok. Porque ele acha. A educação deixou de interessar. A cultura e a arte deixou de interessar.
No dia em que Bolsonaro venceu, fui para a janela a achar que ia acontecer uma revolta, que as pessoas iam estar a bater panela. Mas na zona em que eu morava em São Paulo, Higienópolis, um bairro rico, havia uma festa de comemoração. Como se fosse a final da copa do mundo.
Não sou Petista, sou de esquerda, e na anterior eleição votei no Ciro [Gomes]. Mas foi evidente a manobra feita para o Lula ser preso. O Brasil e o mundo viram o monstro do Bolsonaro a ser criado na sessão do ‘impeachment’ da Dilma, e recordo que ele dedicou o seu voto a um torturador. Algo inconstitucional e Bolsonaro não saiu preso dali. Foi o ovo da serpente. E nunca mais teve limites. Destruiu tudo que a gente tinha de mais legal [de melhor].
Aqui em Lisboa dediquei-me a fazer arte com bordados e panos. Chamo-lhes panos inúteis. Sou uma artista plástica que em vez de usar tela e tinta, usa linhas e panos. Faz-me bem à cabeça estar a criar. Os meus bordados estão sempre relacionados com o texto, a palavra. Bordei em tempos a letra da canção “Brasil”, de Cazuza, que era meu amigo: “Grande pátria desimportante, em nenhum instante eu vou te trair”.
Para o momento que o Brasil vive tenho outras frases bordadas. Como o “Não precisa nem dizer”. Não precisa nem dizer que o Bolsonaro tem de ir embora. Não precisa nem dizer que a gente precisa voltar ao Brasil que a gente é. Não precisa nem dizer que o Brasil não é um lugar de ódio. Bolsonaro só fomentou o ódio, a raiva.
Durante a pandemia e as tantas mortes no Brasil por Covid, o cara dizia que não era coveiro. Como é que se pode admitir um Presidente falar que não é coveiro? Imitar e debochar de gente a morrer.