O que faz um homem quando perde? Este gritou e aclamaram-no. "Não tenham medo. Coragem", e ele deixou de parecer um homem derrotado - transformou-se no vencedor moral e só precisou de quatro palavras para ser triunfal. Porque no Brasil e no mundo inteiro a moral e o moral são substantivos valiosos quando se teme pela liberdade. E Haddad explicou que vive nesse temor.
Antes de se dirigir ao país, Haddad viu os seus fazerem um minuto de silêncio. Porque neles faz-se o luto da democracia - Bolsonaro foi o eleito do povo e os de Haddad receiam que o povo tenha feito mal a si próprio. "Coragem."
Após o simbolismo silencioso do ato inicial, o candidato derrotado começou a elaborar sobre o sucedido agradecendo aos antepassados. E o que parecia um momento de Óscares, obrigado-ao-meu-pai-e-à-minha mãe, era na verdade a construção de um discurso circular, que teria coragem no seu início e no respetivo desfecho. "Quero agradecer aos meus antepassados, que me ensinaram a defender a justiça a qualquer preço. Aprendi que a coragem é um valor muito grande quando se vive em sociedade. Todos os demais valores dependem dela."
E porque às vezes ter coragem é simplesmente falar, Haddad lembrou que houve 45 milhões de brasileiros que o escolheram e que por isso têm de ser respeitados como os milhões que elegeram o vencedor. Após uma campanha marcada por episódios de violência entre apoiantes de cada uma das partes a votos, as referências à coragem e aos 45 milhões servem um propósito: perder não é o fim de nada nem o princípio de tudo, é um verbo. Como verbo é falar e ainda protestar e também lutar. Que foi o que ele pediu. "Vivemos um período longo em que as instituições foram colocadas em causa a todo o momento. Começou com Dilma, seguiu-se com Lula, mas seguimos de cabeça erguida, com determinação, com coragem. A democracia está acima de todos nós. Temos uma nação, vamos defendê-la de todos aqueles que pretendem usurpar-nos do nosso património. Há muitos direitos em jogo, temos uma tarefa enorme: em nome da democracia, defenderemos o pensamento e as liberdades dos 45 milhões que nos acompanharam até aqui."
Bolsonaro é presidente e o "Estadão" escreveu que Haddad não o felicitou: o Brasil está tenso e o derrotado diz que por isso mesmo ninguém se deve resignar da sua missão fundamental - ser cidadão. "Daqui a quatro anos temos nova eleição. Não vamos sair das nossas profissões, dos nossos ofícios, mas não vamos deixar de exercer a nossa cidadania. Talvez o Brasil nunca tenha tido tanta necessidade de o fazermos. Coloco o país acima da minha própria vida."
Haddad oferece-se para mártir e predispõe-se a enfrentar um enviado de Deus (Bolsonaro no seu discurso de vitória: "Queria agradecer a Deus. Que me deixou vivo. Com toda a certeza essa [a governação] é uma missão de Deus e vamos cumpri-la"). E para combater os protegidos do divino é necessária a espada que os antepassados deixaram a Haddad: a coragem. "Senti nas últimas semanas angústia e medo na expressão de muitas pessoas, que soluçavam de muito chorar. Não tenham medo. Estaremos aqui, estaremos juntos, estaremos de mãos dados por vocês. Coragem."
O discurso de um derrotado que se oferece para mártir: "Não tenham medo. Coragem"
Haddad perdeu mas está disposto a dar a vida por uma causa. Porque o Brasil passou a ser uma questão de moral