Estrela branca num triângulo azul sobre fundo às riscas amarelas e encarnadas. Assim (e não só) se faz o colorido do independentismo catalão. A estelada ("estrelada", em catalão) é a bandeira que mais se vê nas varandas das povocações catalãs, das mais pequenas aldeias à grande urbe que é Barcelona. Mas ela é apenas uma de várias. E não é, sequer, a bandeira da Catalunha. Essa chama-se senyera (insígnia) e consiste apenas em quatro barras encarnadas sobre fundo amarelo.
As cores catalãs estiveram em evidência ontem, no encerramento da campanha do "sim" à independência na consulta de amanhã - que não é referendo -, realizado no cenário imponente das Fontes de Montjuïc, uma escadaria monumental que dá acesso ao Palácio Nacional de Barcelona e à montanha de Montjuïc, onde fica o Parque Olímpico de 1992. As colunas projetadas pelo arquiteto Josep Puig i Cadafalch para a Exposição Internacional de 1929 estavam iluminadas de encarnado e o palácio, ao fundo, de amarelo. Uma enorme senyera, portanto, como cenário ideal para 60 mil pessoas apoiarem a secessão.
"Não queremos um Governo que nos proíbe as liberdades, nos nega direitos e ameaça os nossos cidadãos. Queremos uma república catalã", proclamou Carme Forcadell, líder da Assembleia Nacional Catalã, uma organização cívica independentista, que fez campanha pelo duplo sim (as perguntas são "Quer que a Catalunha seja um Estado?"e, em caso afirmativo, "Quer que esse Estado seja independente?"), sob o lemna Ara es l'hora (Agora é a hora). Para os separatistas, ainda que sem validade jurídica, a consulta de amanhã é um ponto de não retorno.
O sangue do conde Vifredo
Que bandeira teria esse novo Estado, a existir? Não, como dissemos, a estelada que nos habituámos a ver nas manifestações, mas a senyera. Já hoje é a bandeira oficial da comunidade autónoma da Catalunha, surgindo ainda noutros estandartes, e é uma das bandeiras mais antigas da Europa, havendo registos dela desde o século XI.
A senyera nasceu do brasão dos condes de Barcelona e da coroa de Aragão. Conta a lenda que após uma batalha no século IX (não se sabe se contra mouros, se contra normandos) o rei francês Carlos II, o Calvo, quis recompensar a bravura do conde de Barcelona, Vifredo I, o Peludo. Fê-lo entregando-lhe o seu escudo de cobre. Vifredo fora ferido. Ao agarrar no escudo, o sangue que lhe escorria das mãos formou, sobre o cobre, as quatro listas encarnadas que vemos na atual bandeira.
A senyera é, além disso, base de uma série de bandeiras de territórios historicamente ligados à Coroa de Aragão e à região catalã. Com o escudo aragonês em cima, é bandeira da comunidade autónoma de Aragão; com um quadrante azul que tem um castelo branco dentro, identifica as Ilhas Baleares;com uma faixa azul à esquerda coroada de flores-de-lis (senyera coronada), a Comunidade de Valência e a cidade sua capital.
As quatro barras vermelhas sobre amarelo aparecem ainda, com variações (clique aqui para ver mais), nas bandeiras e brasões das quatro províncias catalãs (Tarragona, Barcelona, Girona e Lérida), nas das quatro principais ilhas das Baleares (Maiorca, Menorca, Ibiza e Formentera) e nas da maioria das cidades destas regiões. E a senyera é usada, tal e qual, como bandeira da cidade de Alghero, na Sicília (Itália), onde se fala catalão.
A estrela do combate
Desapareceria, então, da bandeira de uma hipotética Catalunha soberana a estrela branca sobre fundo azul. Sim, e isso faria todo o sentido. É que a estrela significa o combate pela liberdade, o qual estaria concluído (para os separatistas) caso a independência fosse conquistada. A estelada blava (estrelada azul) nasceu em 1908, fundindo a senyera com o triângulo estrelado que surge em bandeiras como as de Cuba ou Porto Rico.
Terá sido criada pelo nacionalista catalão Vicenç Albert Ballester e também tem variações regionais, mas pode, por si só, representar a independência conjunta de todos os territórios que a Coroa de Aragão detinha, e que os independentistas mais radicais designam hoje por Països Catalans (Catalunha, quase toda a Comunidade Valenciana, uma franja de Aragão, Baleares, Andorra, Alghero e parte do Languedoc-Roussillon francês).
Em 1969 surgiu a estelada vermella, com a estrela a encarnado sobre triângulo amarelo. Lançou-a o Partido Socialista de Libertação Nacional dos Países Catalães (PSAN), com a estrela vermelha a deixar clara a sua orientação marxista. O Partido Comunista de Espanha Internacional, formação maoísta de existência efémera a meio do século XX, não tardou em desenhar a sua variante, com a estrela a amarelo sobre triângulo vermelho. Já nas manifestações estudantis da mesma época, a estrela era azul e o triângulo branco.
Hoje veem-se, sobretudo, a blava e a vermella, mas também há uma estelada verda, para ambientalistas pacifistas (apresentada em 2008, no centenário da primeira estelada). Mais recentes são declinações desta bandeira histórica com as cores de clubes de futebol catalães como o F. C. Barcelona - instituição desde sempre ligada ao catalanismo e, nos últimos anos, ao independentismo - e o Espanyol.
Talvez devamos olhar para a diversidade dos símbolos usados na Catalunha (cuja bandeira continua a ser também, e legalmente, a de Espanha, com duas faixas horizontais encarnadas e uma amarela, mais larga, no meio) e refletir sobre a enorme variedade de pontos de vista que existem nesta região. Os referendos (ou sucedâneos como o de amanhã) tendem a reduzir as questões a alternativas binárias que impelem a ver os assuntos a preto e branco, esquecendo toda a gama de cinzentos. No caso catalão há mais soluções para lá do mero status quo ou da quebra unilateral - e penosa - de laços. Talvez seja possível, a partir de segunda-feira, contar com a riqueza das muitas cores que perfazem a Catalunha e Espanha.