Internacional

Catalunha prepara-se para o sucedâneo de referendo

A votação de domingo não tem valor legal, e também não será ela a pôr fim ao diferendo interno e com Madrid

O desafio para os nacionalistas é conseguir um bom nível de participação
GUSTAU NACARINO/ REUTERS

Pedro Cordeiro, enviado a Barcelona

Esta noite, entre as 22h e as 22h15, o ritual vai-se repetir. Das varandas das suas casas, muitos catalães vão fazer barulho contra a decisão do Tribunal Constitucional espanhol de suspender cautelarmente o referendo à independência marcado para domingo enquanto avalia o recurso interposto pelo Governo central. A "cassolada" já é um momento infalível do quotidiano na Catalunha, como permanentes e cada vez mais são as bandeiras catalãs expostas nas mesmas varandas.

O referendo foi convocado por Artur Mas, presidente da Generalitat (Executivo catalão), da aliança nacionalista Convergência e União. Fê-lo amparado numa lei aprovada pelo parlamento da Catalunha, onde a maioria dos deputados defende a consulta. O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, responde que a Constituição não permite que regiões convoquem referendos e enviou a lei e a convocatória para o Constitucional. Para contornar obstáculos legais, a Generalitat optou por uma consulta com boletins e urnas, a que chama "processo participativo", com a mesma pergunta e data que o malogrado referendo.

"Vou votar não, mas vou votar", diz Albert Pons, homem de meia-idade que discute o tema com amigos no bairro de Sant Andreu, zona de classe média fora da Barcelona turística. E, para atalhar a palavra a uma amiga que contesta o referendo, sentencia: "Tu és de fora, mas eu sou daqui e sinto-me catalão e não espanhol. Quero poder exprimir-me!", ainda que para rejeitar a secessão. Muitos dos "unionistas" preferirão, porém, não votar para não legitimar o controverso processo participativo.





Voto aos 16 anos

Serão milhares de voluntários quem executará, no domingo, um ato que o governo de Artur Mas não pode, segundo Madrid, realizar. Não se espera, desta forma, que as autoridades espanholas impeçam à força à votação. Se levada a cabo por entidades civis e não governativas, ela torna-se uma mera "manifestação de opinião pública", segundo o ministro da Justiça. Uma atitude mais dura de Madrid seria contraproducente para os seus interesses.

É que, mais do que desejosos de independência (e muitos estão-no, mas não é certo que sejam maioria nem o ato de domingo permitirá saber, pois não tem as garantias de rigor umas eleições), os catalães estão zangados com Madrid. Desiludidos com a governação de Mariano Rajoy (Partido Polular, direita), desalentados com a oposição do Partido Socialista Operário Espanhol, indignados com a corrupção cada vez mais pública, desconfiam dos políticos e se, a nível nacional, muitos se deslocam para a esfera do fulgurante partido Podemos, na Catalunha o separatismo é outra válvula de escape, fonte de um entusiasmo para o qual parecem faltar motivos.

O desafio para os nacionalistas é conseguir um bom nível de participação, para mostrar força social e política (ainda que não legal) e obrigar Madrid a sair do imobilismo. A votação de domingo é aberta a todos os maiores de 16 anos que provem residir na Catalunha (locais ou estrangeiros) ou ser catalães emigrados. Há mesas de voto atribuídas, que se podem consultar numa página de Internet ou por telefone.

 

Divisões entre nacionalistas

Bancas de voluntários por todo o lado esclarecem quem tem dúvidas e exortam à participação. A capital da Catalunha está cheia de cartazes a reivindicar o direito a decidir e as iniciativas da Generalitat (que organiza mas não é parte neutra) são todas a favor do "sim" à secessão. Os partidários do "não" não se veem.

Mesmo entre os do "sim" não há unanimidade. Os boletins de domingo têm duas perguntas: "Quer que a Catalunha seja um Estado?" E, em caso afirmativo, "Quer que esse Estado seja independente?". O partido União Democrática da Catalunha, aliado da Convergência Democrática da Catalunha (de Artur Mas) na coligação Convergência e União (CiU), que governa a região, tem muitos militantes que, desejando mais competências para Barcelona, não querem a separação.

As divisões existem, também, quanto aos próximos passos. A Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), que as sondagens dizem que poderá ganhar as próximas eleições regionais, defende a declaração unilateral de independência. Artur Mas resiste, dizendo que quer fazer tudo de acordo com a lei. Há quem preveja uma antecipação das eleições catalãs de 2016 para o próximo ano, com uma candidatura conjunta dos soberanistas alicerçada num programa de proclamar a independência. Ou seja, seriam eleições plebiscitárias. Mas essa candidatura conjunta é de parto difícil, pois a CiU quereria continuar a encabeçá-la mas a ERC, dados os estudos de opinião, pode preferir listas separadas, para tentar vencer o escrutínio.

Em Madrid, Rajoy já admite negociar, "dentro da legalidade espanhola" que muitos municípios catalães dizem já não reconhecer. O PP e o PSOE estão contra qualquer secessão, mas os socialistas dizem que é preciso rever a Constituição e transformar Espanha numa federação.