Internacional

Afeganistão: Amnistia Internacional alerta para "repressão sufocante" das mulheres

Casos dramáticos da "repressão sufocante" exercida sobre as mulheres no Afeganistão, são algumas das denúncias feitas pelo dirigente da Amnistia Internacional em Portugal. Os talibãs não cumprem o que prometeram fazer junto da comunidade internacional

ALI KHARA/REUTERS

“Tudo aquilo que os talibãs prometeram à comunidade internacional que não iam fazer, estão a fazer”. O alerta foi dado pelo diretor executivo da Amnistia Internacional em Portugal, Pedro Neto, que, em entrevista à Lusa, criticou a indiferença da comunidade internacional face à deterioração das condições de vida e dos direitos humanos no Afeganistão. As mulheres e as raparigas são as vítimas principais. Há "uma repressão sufocante" que as atinge, diz o responsável da AI.

Para Pedro Neto, é “urgente que a comunidade internacional volte a olhar para o Afeganistão” e chame os talibãs à responsabilidade por aquilo que estão a fazer e por aquilo que não estão a fazer. As respostas diplomáticas são insuficientes, numa altura em que “o país saiu daquilo que são os holofotes do mediatismo e, portanto, já não há a pressão mediática que houve há um ano”, sublinhou, avisando que o mesmo fenómeno começa a acontecer relativamente à guerra da Ucrânia.

“Direitos civis e políticos, direitos de participação, vida em sociedade, especialmente de mulheres e raparigas, têm sido alvo de uma repressão sufocante” neste último ano, o que “está a destruir a vida de mulheres e meninas, que estão a ser limitadas no seu acesso à educação, que são vítimas de casamentos forçados” e que enfrentam, como toda a população do país, muita pobreza.

Embora a Amnistia Internacional continue a tentar chamar a atenção do mundo, e nomeadamente da ONU, para a situação do Afeganistão, a resposta é “sempre evasiva”, disse o diretor executivo da organização, sublinhando que isso não é aceitável, até porque “há casos muito dramáticos” no Afeganistão.

Casamentos forçados para sobreviver

Um desses casos, de que a organização teve conhecimento, é o de uma mãe que contou à Amnistia Internacional ter prometido casar uma das suas filhas, ainda com 14 anos, com um vizinho para receber o dote, porque a família está a passar muitas necessidades.

Esta mãe “tem outra filha, mais pequena, de 10 anos, e diz que vai tentar colocá-la a estudar para que ela, um dia, venha a sustentar a família”, mas admitiu que, “se não conseguir, vai também prometê-la em casamento” para receber o dote.

“Isto tornou-se uma forma de sobrevivência económica das famílias face à pobreza em que vivem e a que estão votadas desde que os talibãs tomaram o poder”, explicou o responsável.

Reconhecendo não ficar admirado por o número de suicídios de mulheres no Afeganistão ter aumentado – todos os dias são registados pelo menos um ou dois -, Pedro Neto lembra que os talibãs “estão a destruir” a vida das mulheres.

As mulheres, as raparigas e as meninas foram afastadas, quer do exercício das suas profissões, quer das escolas e até mesmo das ruas, onde não podem estar sem o seu acompanhante, que tem que ser um homem da família de determinada idade, o marido ou o irmão.

As “estudantes universitárias não podem estar à vontade na universidade e, muitas vezes, mesmo estando em locais protegidos, como a sala de aula ou o interior dos campus” têm medo porque os talibãs esperam-nas à porta.

Os homens, embora enfrentem menos repressões, não conseguem ajudar. “Não há liberdade para os homens se exprimirem contra o regime” e os homens são, muitas vezes, “perseguidos e presos temporariamente”.

Além disso, a pobreza extrema e o desespero coloca as pessoas numa situação terrível, lembrou.

“A ocupação ocidental não teve resultados concretos em termos de sustentabilidade, isto é, não foi preparado o caminho para capacitar a própria sociedade civil do Afeganistão para se proteger contra uma tomada de poder à força” e esta fragilidade “permite que os talibãs controlem tudo, desde o governo aos tribunais”.

Apesar de sublinhar que os talibãs “mentiram quando disseram que estavam diferentes e que não iam voltar aos seus costumes de 1990”, o diretor executivo da Amnistia Internacional garante que ainda tem esperança no país.

“Temos de ter sempre esperança e a esperança é materializada na nossa contínua insistência” em chamar a atenção para a situação, para que “a indiferença não tome conta de tudo”, concluiu.