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Finlândia, de estado-tampão a parceiro próximo da NATO: eis “a longa história com a Rússia”

Com uma “neutralidade armada” e uma “doutrina de Defesa total”, a Finlândia cedo aprendeu a defender-se das provocações da vizinha Rússia, com quem partilha uns largos 1340 quilómetros de fronteira. Mas a anexação da Crimeia pôs o país a repensar a sua política de segurança e a guerra na Ucrânia foi o ponto de viragem para a candidatura à NATO

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“Temos uma longa história com a Rússia — não tão pacífica o tempo todo”, dizia o Presidente da Finlândia, Sauli Niinisto, já em 2014, ano em que a Rússia anexou o território ucraniano da Crimeia e ameaçou a frágil estabilidade finlandesa. “Passaram apenas 100 anos desde que obtivemos a nossa independência da Rússia. A Crimeia também fazia parte da Rússia. Irão eles tentar recuperar o que lhes pertencia há 100 anos?”, questionou nesse mesmo ano a ex-ministra da Defesa finlandesa, Elisabeth Rehn, favorável à adesão à NATO.

Desde então, a nação do norte da Europa — que partilha 1340 quilómetros com a Rússia (mais do que a fronteira Portugal-Espanha) — começou a repensar seriamente a sua política de segurança. “As pessoas costumavam pensar que a adesão à União Europeia seria suficiente para nos proteger. Mas agora isso está a ser questionado”, afirmou, em 2014, Tarja Cronberg, ex-membro dos parlamentos finlandês e europeu.

Fora da bolha protetora da NATO, a Finlândia sempre tentou preservar a sua independência e, ao mesmo tempo, manter relações próximas com a Rússia para evitar conflitos, adotando uma estratégia conhecida como “finlandização”. Mas as relações entre os dois países nem sempre foram pacíficas.

“A Finlândia só conseguiu tornar-se independente em 1917 na sequência da revolução e da guerra civil na Rússia”, começa por contextualizar o historiador Bruno Cardoso Reis. Anos mais tarde, no início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, estala a Guerra de Inverno: a Finlândia é invadida pelo Exército Vermelho de Stalin e “consegue travá-lo com uma resistência verdadeiramente nacional, mas perde algum território”. Entre 1941 e 1944 há uma nova guerra na qual a Finlândia se alia à Alemanha para tentar recuperar o território perdido (equivalente a 10% do país).

A paz entre a Finlândia e a União Soviética é finalmente alcançada em 1944, mas com um preço alto: ceder ainda mais território e comprometer-se com um estatuto de neutralidade. Isto “transformou a Finlândia num estado-tampão entre o Bloco Ocidental e o Bloco Soviético durante a Guerra Fria, ou seja, até 1991”, continua o especialista em segurança internacional.

A neutralidade foi cimentada em 1978: a Finlândia teve também de assinar o Acordo de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua com a Rússia, consolidando uma certa dependência económica e política e isolando-a militarmente da Europa Ocidental. Ao contrário da Suécia e do que às vezes é idealizado, a Finlândia foi um país neutral durante a Guerra Fria por necessidade, não ideologia. “Fomos neutrais porque tínhamos de ser”, aclara o ex-primeiro-ministro finlandês, Alexander Stubb, no ciclo de palestras “Understanding the war in Ukraine — Finland”.