O relatório de Sue Gray está publicado, mas numa versão bastante incompleta. Enquanto a Polícia Metropolitana de Londres não concluir a investigação às 12 reuniões, eventos e festas na residência oficial do primeiro-ministro britânico e na sede do Governo que designou como as que mais regras podem ter violado, Gray não pode revelar detalhes do que averiguou. Mas aqui está um detalhe bastante significativo: A própria polícia, conhecida apenas como “Met”, revelou esta segunda-feira que recolheu 300 imagens e 500 páginas de documentos sobre as festas em Downing Street.
O próximo passo é contactar estas pessoas, que podem vir a ser multadas. “Estamos agora a tentar confirmar o mais rapidamente possível a identidades das pessoas que terão de ser contactadas. Temos de rever o material que recolhemos nos gabinetes governamentais, algo que inclui mais de 300 fotografias e 500 páginas com informação”, escreveu a polícia em comunicado.
É possível que Johnson seja uma das pessoas a contactar mas como se vê pela interação abaixo entre o primeiro-ministro e a deputada dos trabalhistas Jess Philips, Boris Johnson parece pouco inclinado a assumir publicamente que esteve numa festa que se realizou no seu apartamento, dizendo à deputada que essa pergunta é matéria de investigação judicial.
A Met está a enfrentar uma litania de críticas por ter pedido a Sue Gray que se escusasse a apresentar a totalidade das suas descobertas. No mesmo comunicado onde mencionou a quantidade de material em análise, disse que “a razão pela qual esse pedido é necessário é que em qualquer investigação os agentes têm de recolher relatos de muitos indivíduos, e é suposto que estes sejam o mais isentos possível, sem influência, por exemplo, de memórias de terceiros”. Além disso, a Met diz evitar sempre fornecer detalhes das suas investigações para que “as pessoas investigadas não sejam tentadas a moldar as suas histórias de acordo com o que é de domínio público”.
A data crítica: 13 de novembro
Depois de reveladas algumas conclusões do relatório, Boris Johnson foi responder às perguntas dos deputados sobre os factos que, ainda assim, provam, segundo Gray, “falhas de liderança e juízo” em vários sectores do Governo e em diferentes alturas. Porém, o líder dos conservadores não considerou estes reparos suficientes para o precipitar para a porta de saída. A primeira palavra do seu discurso foi “Sorry”, “desculpem”, mas logo de seguida passou para a lista de reformulações administrativas que pensa introduzir no sistema de funcionamento de Downing Street, de forma a provar que entendeu as recomendações de Gray. “Entendo e vou consertar isto”, prometeu Johnson.
A oposição começou, como é de regra, com as palavras do líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer, que focou precisamente o ponto que o chefe do Executivo não quer ouvir, mas que está no relatório e é duro para a sua pessoa: a polícia está a investigar 12 ajuntamentos em Downing Street por suspeita de que possam ter configurado crime. “Não me parece haver dúvidas de que o primeiro-ministro está, ele próprio, sob investigação criminal”, disse Starmer, lembrando duas datas particularmente difíceis de explicar: a festa de 20 de maio de 2020, para a qual foram convidadas 100 pessoas (compareceram cerca de 40) e outra, a 13 de novembro desse ano, no apartamento de Johnson.
A data de 13 de novembro é importante porque Johnson disse no Parlamento, em dezembro de 2021, que “independentemente do que possa ter acontecido, tenho a certeza que todas as regras foram respeitadas”. Isto logo depois de responder com um simples “não” à pergunta: “Pode o primeiro-ministro explicar se houve ou não uma festa em Downing Street dia 13 de novembro de 2020?” No mesmo dia, outra festa, no apartamento de Johnson, também é matéria de investigação criminal, segundo o relatório de Gray. Mas a mulher de Boris Johnson, Carrie, desmentiu através de um porta-voz a existência de qualquer reunião ou festa nesse dia no apartamento onde o casal vive com os filhos. Isto quer dizer que apenas dia 13 de novembro de 2020 houve dois eventos passíveis de configurar crime.
Starmer disse ainda que Johnson não se demite porque é um homem “sem vergonha” e que, ao deixar a situação continuar, está a prejudicar o país e todos os seus ministros. “Não consigo contar as vezes que já me disseram que a falta de integridade deste primeiro-ministro está de alguma forma contabilizada na sua maneira de ser, é como se o comportamento e o carácter não contassem para nada”.
Logo depois de Starmer, mas do lado conservador, soaram as críticas da ex-primeira-ministra Theresa May. A bala veio certeira: “As pessoas tinham direito a esperar que o seu primeiro-ministro cumprisse as regras e desse o exemplo. O relatório demonstra que Downing Street não cumpriu as regras que impôs à restante população. O primeiro-ministro achou que as regras eram erradas ou então que não se aplicavam a si. Qual delas foi?”, questionou.
Líder dos nacionalistas escoceses escoltado para fora da Câmara dos Comuns
Ian Blackford, líder do Partido Nacionalista Escocês (SNP, pró-independência), acabou expulso do parlamento por se ter recusado a retirar da sua intervenção a parte em que acusa Boris Johnson de ser mentiroso, algo que é contra as regras da Câmara dos Comuns, precisamente pelas razões que estão na base deste escândalo do “partygate”: quando um ministro mente ao parlamento, consciente de que está a dizer uma mentira, pode ser afastado so seu cargo. “O primeiro-ministro enganou deliberadamente o Parlamento”, disse Blackford. O presidente da Câmara dos Comuns, Lyndsay Hoyle, pediu então ao deputado que modificasse o advérbio para “inadvertidamente”, coisa que ele se recusou a fazer. “Mentiu e mentiu”, reforçou o líder dos independentistas escoceses em Westminster. Acabou escoltado para fora da sala.