Internacional

Afeganistão: cimeira do G7 “não deve reconhecer governo dos talibãs” e qualquer negociação tem de ter como condição “eleições democráticas”

A poucas horas do início da reunião extraodinário do G7, membros dos comités parlamentares de assuntos exteriores dos países envolvidos lançaram um comunicado que detalha quais devem ser as três fases essenciais na resolução do conflito no Afeganistão e onde pedem ajuda à Índia e à União Africana para evitar que o terrorismo se espalhe depois da tomada de poder dos talibãs

Talibãs no centro de Cabul, a capital do Afeganistão
HOSHANG HASHIMI / AFP / GETTY IMAGES

Há dois meses, quando os líderes do G7 se encontraram pela primeira vez pessoalmente depois da pausa forçada da pandemia, o Afeganistão nem sequer apareceu como prioridade no comunicado que foi emitido na altura sobre os principais focos de conflito pelo mundo. Nas 25 páginas de conclusões apresentadas, a questão da retirada das tropas da coligação do Afeganistão aparecia em 57ª posição, atrás da Ucrânia, da Bielorrússia e da Etiópia.

A NATO já tinha dado luz verde e tudo parecia preparado para um adeus ordeiro, acordo de paz incluído no pacote. As últimas duas semanas mostram-nos que a confiança dos principais líderes dos países mais ricos do mundo numa resolução pacífica não podia estar mais distante da realidade no terreno.

“Apelamos a todas as partes para que reduzam a violência e cheguem a um acordo sobre as etapas que permitam a implementação bem-sucedida de um cessar-fogo permanente e abrangente e que se dediquem plenamente ao processo de paz. No Afeganistão, um acordo político sustentável e inclusivo é a única maneira de alcançar uma paz justa e duradoura que beneficie todos os afegãos", disseram os líderes na altura, sem qualquer urgência audível na sua coletiva voz.

Esta terça-feira, vendo-se obrigado a reconhecer tal urgência, o G7 vai reunir-se para definir uma estratégia conjunta para o Afeganistão. Horas antes do início da sessão que será presidida pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, os representantes dos comités parlamentares de relações externas de cada país envolvido (mais UE) emitiram um comunicado onde traçam um plano de três etapas essenciais: resgate humanitário, negociação com os talibãs, assegurar a paz regional e global.

O comunicado começa com um pedido: “É imperativo que os governos do G7 se unam com os seus parceiros que pensam da mesma forma para formar uma frente de defesa robusta pelo estabelecimento de um estado de Direito, pelos direitos humanos e pela democracia e pelo apoio aos mais vulneráveis e aos que se opõem aos instintos expansivos e opressores dos autocratas”.

A primeira fase, segundo os membros dos comités, deve estar focada na ajuda humanitária à população. Milhares de pessoas têm acorrido ao aeroporto de Cabul, capital afegã, para tentar entrar num avião, qualquer avião, que as leve dali. Várias pessoas morreram esmagadas, pelo menos duas caíram da fuselagem dos aviões onde se tinham agarrado para fugir.

“Os governos do G7 devem evitar estabelecer datas arbitrárias para o fim do apoio militar à evacuação e também evitar colocar limites ao número de afegãos que podem ser retirados. Ambas as ações podem representar um aumento de pressão sobre os que procuram ajuda e também sobre quem está na linha da frente a prestar ajuda humanitária”. Os signatários da carta pedem às Nações Unidas para começar a coordenar um programa de assistência a refugiados.

Em segundo lugar, é preciso definir o que é que a comunidade internacional está preparada para aceitar nas negociações com os talibãs - e o que não está. Primeiro conselho: não reconhecer unilateralmente o regime, já que esse passo político tem imensa influência em toda a discussão. É o reconhecimento de um governo que permite, por exemplo, pedir ajuda a várias instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional, que entretanto suspendeu ligações com o Afeganistão. “A ferramenta do reconhecimento é uma das poucas peças de persuasão que ainda nos restam”, disse Annie Pforzheimer, diplomata norte-americana em Cabul agora reformada, à Reuters.

“Tem de haver um processo coordenado, idealmente através de uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para que os compromissos assumidos pelos talibãs tenham força legal”, lê-se no comunicado, que também detalha as condições não negociáveis que o G7 deve apresentar antes de reconhecer qualquer novo governo: o fim de qualquer apoio a atividades terroristas transfronteiriças, a igualdade de direitos para mulheres e meninas, a proteção de minorias étnicas e dos vários grupos religiosos e a realização de eleições livres e democráticas.

Numa terceira fase, será preciso assegurar que esta partida das tropas internacionais da região não é vista como um sinal para os vários grupos extremistas presentes no Médio Oriente como uma demissão do combate ao terrorismo, escrevem os signatários. E convidam a Índia a juntar-se ao esforço pelo controlo da região.

“Como a passagem de terroristas para outras regiões é uma possibilidade gostaríamos de convidar a Índia para esta reunião. E já que os grupos terroristas também estão a fortalecer-se no Corno de África e outras regiões do continente, também a União Africana deveria ser convidada para reuniões do G7 sempre que necessário”.

Um dos signatários da carta é Tom Tugendhat, presidente do comité parlamentar dos assuntos estrangeiros da Câmara dos Comuns do Reino Unido e deputado pelos conservadores. Tugendhat serviu no Afeganistão e esta manhã disse ao programa “Today”, da Rádio 4 da BBC que a extensão do limite para a retirada é “o ideal” mas que depende da cooperação tanto da parte dos talibãs como por parte dos Estados Unidos que se têm mostrado imunes aos pedidos de várias capitais europeias de que este prazo seja renegociado. “Temos de reconhecer o que é que estamos a pedir - e a quem. Estamos a pedir aos americanos, que têm um enorme papel nisto, mas estamos também a pedir aos talibãs e isso é muito difícil porque, e para pôr as coisas de forma muito direta, eles não são exatamente gente fiável”.

O Reino Unido vai pedir aos Estados Unidos que permaneçam no aeroporto de Cabul porque sem as forças norte-americanas não é possível “segurar” os talibãs lá fora. “Um dia a mais, dois dias a mais, faria a diferença e poderíamos ajudar nem que fossem só mais algumas pessoas”, disse ainda Tugendhat.

Durante esta terça-feira, várias capitais europeias pediram aos Estados Unidos que tentem permanecer para lá do limite de 31 de agosto, mas não é certo que os talibãs sequer aceitem que as forças da coligação continuem no país a ajudar à retirada de milhares de pessoas. O grupo já disse que essa hipótese não está em cima da mesa e que as consequências da permanência força das forças internacionais terá consequências graves.