O Presidente afegão, Ashraf Ghani, reconheceu que "os talibãs ganharam". Sem indicar para onde partiu, Ghani declarou-se convencido de que "inúmeros patriotas teriam sido mortos e Cabul teria sido destruída" se tivesse ficado no Afeganistão.
"Os talibãs ganharam [...] e são agora responsáveis pela honra, a posse e a autopreservação do seu país", acrescentou, numa mensagem publicada na rede social Facebook.
"Eles enfrentam presentemente um novo desafio histórico: ou preservam o nome e a honra do Afeganistão, ou dão prioridade a outros lugares e outras redes", prosseguiu o chefe de Estado em fuga.
Ashraf Ghani não disse para onde ia, mas o grupo de comunicação social afegão Tolo sugeriu que terá viajado para o Tajiquistão.
Os talibãs entraram hoje na capital afegã, após uma ofensiva militar-relâmpago. Três dos seus altos responsáveis declararam que os rebeldes se apoderaram do palácio presidencial e estão a realizar um conselho de segurança.
Abdullah Abdullah, que dirige o processo de paz, tinha antes acusado Ghani de ter abandonado "as pessoas nesta situação".
Entretanto, a estação televisiva Al-Jazira está a divulgar imagens de um grande grupo de combatentes talibãs dentro do palácio presidencial, na capital afegã.
Espera-se agora que anunciem a tomada do poder a partir do palácio, renomeando o país como "Emirado Islâmico do Afeganistão".
A chegada dos talibãs a Cabul precipitou a saída do país de Ashraf Ghani, após terem tomado o controlo de 28 das 34 capitais provinciais em pouco mais de uma semana, e sem grande resistência das forças de segurança governamentais, no âmbito de uma grande ofensiva iniciada em maio -- altura em que começou a retirada das tropas norte-americanas e da NATO do país, que deverá ficar concluída no final deste mês.
Um porta-voz do movimento islâmico radical, que governou no Afeganistão entre 1996 e 2001, disse este domingo à BBC que os talibãs pretendem assumir o poder no Afeganistão "nos próximos dias", através de uma "transição pacífica", 20 anos após terem sido derrubados por uma coligação liderada pelos Estados Unidos, pela sua recusa em entregar o líder da Al-Qaida, Usama bin Laden, após os atentados de 11 de Setembro de 2001.
Conselho de Coordenação
"Formou-se um Conselho de Coordenação depois da saída de Ashraf Ghani e de outros responsáveis do país, para uma melhor gestão dos assuntos da paz e da transição pacífica (do poder)", indicou num comunicado Hamid Karzai, ex-presidente e membro do novo conselho.
Além de Karzai, a equipa que preparará a entrega do poder aos talibãs, após 20 anos de guerra, integra o presidente do Conselho Superior para a Reconciliação Nacional, Abdullah Abdullah, e o líder do partido Hezb-e-Islami e ex-senhor da guerra, Gulbuddin Hekmatyar.
O presidente afegão concedeu no sábado "autoridade plena" ao grupo durante uma reunião no Palácio Presidencial, quando se previa que viajaria para Doha para negociar com os rebeldes uma solução política para o conflito, segundo a agência noticiosa espanhola EFE.
Ghani e vários dos seus colaboradores mais próximos no governo abandonaram este domingo o país em segredo, quando os talibãs já cercavam Cabul e sem informar a nação ou apresentar a renúncia publica, refere a EFE.
Numa primeira medida, o Conselho apelou quer às forças governamentais quer aos talibãs para darem mostras de "tolerância" e evitarem qualquer tipo de confrontos e atos destrutivos em Cabul.
A capital do Afeganistão era o último bastião ainda detido pelo governo. Um porta-voz do grupo radical islâmico confirmou que os combatentes entraram na cidade, com 4,4 milhões de habitantes, por uma "questão de lei e ordem". Múltiplos testemunhos de jornalistas (da agência EFE, da Sky News ou da Reuters, por exemplo) cedo confirmam que os talibãs entraram em Cabul.
Os talibãs divulgaram, entretanto, que entraram na capital afegã para controlar possíveis situações de roubo e de pilhagem após o recuo e a fuga das forças de segurança governamentais afegãs. "Para evitar atos de pilhagem em Cabul e para evitar que os oportunistas prejudiquem o povo, o Emirado Islâmico [como os talibãs se autodenominam] ordenou às suas forças que entrassem nas áreas de Cabul de onde o inimigo saiu", referiram os insurgentes num comunicado.
As forças talibãs iniciaram uma ofensiva na manhã deste domingo e durante horas ficaram às portas de Cabul. A cidade estava sitiada pelos fundamentalistas e os rebeldes tinham ordens para não entrarem nela.
“Permaneçam às portas de Cabul e não entrem na cidade. Até que a transição aconteça, o governo afegão é responsável pela segurança de Cabul”, referia um comunicado oficial do grupo radical islâmico. “Não queremos que um único civil afegão inocente seja ferido ou morto enquanto assumimos o controlo, mas não declaramos um cessar-fogo”, avisavam.
Com a fuga do presidente, tudo muda e o grupo radical islâmico avança agora para controlar a cidade, onde há relatos de tiroteios, enquanto negociações ainda decorrem com vista à transição do poder. Entretanto, de acordo com a agência noticiosa russa Interfax, a Rússia está "pronta para cooperar" com o novo governo interino do Afeganistão, que deverá ser controlado por líderes talibãs.
Antes de ter sido noticiado que o presidente tinha saído do país foi revelado que representantes do grupo radical islâmico estavam a negociar uma "transferência pacífica" do poder. Nessa mesma altura tinham dito que "ninguém deve abandonar o país". "Precisamos que todos fiquem no país e participem", exortaram.
Um porta-voz talibã assegurava à altura que o grupo vai "respeitar os direitos das mulheres", acrescentando que as afegãs "vão ter acesso à educação e ao emprego, usando o hijab".
Cinco mil soldados dos Estados Unidos estão a caminho do Afeganistão. Também o Reino Unido, o Canadá e a Austrália vão enviar militares para o território, num esforço conjunto para que os talibãs não recuperem o poder duas décadas depois da invasão norte-americana.
Depois de terem conquistado, sem qualquer resistência, a cidade de Jalalabad, perto da fronteira com o Paquistão, os extremistas islâmicos marcharam para a capital.
Os distritos de Bagram e Surobi, na província de Cabul, renderam-se pacificamente, sem tiros, uma vez que os talibãs fizeram acordos políticos com os líderes locais.
Ao mesmo tempo que os talibãs avançavam rapidamente até às portas de Cabul, diplomatas começaram a ser retirados da embaixada dos Estados Unidos. Joe Biden quer retirar todos os representantes norte-americanos nas próximas 72 horas.
O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, afirmou que a Aliança Atlântica está a ajudar a garantir a segurança do aeroporto de Cabul para permitir a retirada de cidadãos ocidentais.
"Falei com o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e com os ministros dos Negócios Estrangeiros dos nossos aliados Canadá, Dinamarca e Países Baixos sobre a situação no Afeganistão. A NATO está a ajudar a manter o aeroporto de Cabul aberto para facilitar e coordenar as evacuações", escreveu Stoltenberg numa breve mensagem publicada na rede social Twitter.
Irão, Espanha e Arábia Saudita retiram pessoal diplomático
O Irão anunciou este domingo ter reduzido o número de efetivos do pessoal diplomático no Afeganistão, embora deixando aberta a embaixada na capital, Cabul, onde os talibãs hoje entraram. "Houve uma redução de pessoal na embaixada do Irão em Cabul", declarou o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, Saïd Khatibzadeh, em comunicado, precisando que os funcionários que ficam vão assegurar "a continuidade das atividades necessárias" da representação diplomática.
"Nos nossos cinco gabinetes diplomáticos no Afeganistão -- Cabul, Mazar-i-Sharif, Jalalabad, Herat e Kandahar -, os nossos colegas evacuaram três há algum tempo: Mazar-i-Sharif, Jalalabad e Kandahar, e continuaram as suas atividades a partir de Cabul", acrescentou. Quanto ao consulado de Herat, disse: "Os nossos diplomatas estão em segurança."
Na sexta-feira, na véspera da queda de Herat nas mãos dos talibãs, um responsável do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano tinha indicado que "as forças que controlam a cidade" se tinham "comprometido a garantir a segurança total do edifício, bem como a dos diplomatas e dos funcionários do consulado".
"A violência e a ocupação [...] nunca resolvem os problemas", declarou, por seu lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano cessante, Mohammad Javad Zarif, na rede social Twitter. "O Irão está pronto para prosseguir os seus esforços para fazer a paz", acrescentou.
Por sua vez, Espanha enviará na segunda-feira dois aviões com destino ao Dubai para cobrir a primeira fase de repatriação do pessoal da sua embaixada no Afeganistão e dos cidadãos espanhóis que ainda estão no país, "bem como de todos os afegãos e respetivas famílias que durante anos colaboraram com o país". A informação foi domingo à noite avançada pelos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa espanhóis num comunicado conjunto, no qual destacam uma aceleração dos planos de evacuação após a tomada de Cabul pelos talibãs.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros saudita anunciou este domingo que todo o pessoal da sua missão diplomática na capital afegã foi retirado e já se encontra na Arábia Saudita "em bom estado de saúde", após a chegada dos talibãs à cidade.
"O reino retirou os membros da sua missão diplomática no Afeganistão devido às atuais condições instáveis na República Islâmica do Afeganistão", indicou o Ministério em comunicado, sem fornecer mais pormenores sobre o futuro da delegação diplomática naquele país.
A Arábia Saudita é dos primeiros países do Golfo Pérsico a anunciar a saída do seu pessoal, depois de outras embaixadas ocidentais terem indicado que tinham transportado para o aeroporto de Cabul todo o pessoal das suas missões diplomáticas na capital afegã.
O facto de o Presidente afegão ter fugido do país precipitou e acelerou os planos de evacuação de muitos países que já estavam em marcha.
Boris Johnson convoca reunião de crise
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, afirmou este domingo que ninguém quer que o Afeganistão se torne "um terreno fértil para o terror" e defendeu que o Ocidente deve trabalhar em conjunto para garantir isso.
As declarações de Johnson acontecem depois de uma reunião em Londres com a comissão de emergência COBRA, convocada em resposta à entrada definitiva este domingo dos talibãs em Cabul, o que para o primeiro-ministro britânico anuncia a chegada "muito provável" de um "novo regime" no Afeganistão.
"Acho que é muito importante que o Ocidente trabalhe coletivamente para chegar a esse novo governo - seja dos talibãs ou de qualquer outra pessoa - porque ninguém quer que o Afeganistão, mais uma vez, seja um terreno fértil para o terror", afirmou.
"Não achamos que seja do interesse do povo do Afeganistão voltar ao estado pré-2001", acentuou o primeiro-ministro britânico.
Boris Johnson defendeu que é preciso lidar com o novo regime "de forma concertada", juntamente com os parceiros internacionais, que pensam de forma semelhante.
O governante convocou uma sessão de emergência da Câmara dos Comuns do Parlamento (que está encerrado durante as férias de verão) para a próxima quarta-feira.
O líder conservador insistiu que o Reino Unido trabalha com os parceiros do Conselho de Segurança da ONU e da NATO para transmitir uma mensagem clara: "Não queremos que ninguém reconheça os talibãs de forma bilateral."
Sublinhou ainda que uma das suas prioridades é retirar do Afeganistão os cidadãos britânicos "tão rápido" quanto possível e ajudar os afegãos que trabalham com o Reino Unido, ao mesmo tempo que confirmou que o seu Governo mantém uma pequena delegação diplomática no país, incluindo o embaixador em Cabul.
A esse respeito, o Ministério do Interior britânico informou este domingo, na sua conta da rede social Twitter, que está a "trabalhar agora mesmo" para proteger os "cidadãos britânicos" e "ajudar ex-trabalhadores" do Afeganistão e "outras pessoas elegíveis" para "viajar para o Reino Unido".
O ministério recordou também que "já transferiu mais de 3.300 funcionários afegãos e suas famílias que trabalharam para o Reino Unido", ao mesmo tempo que prometeu "continuar a cumprir" as suas obrigações internacionais e "compromissos morais".
A decisão dos Estados Unidos de retirarem as suas tropas do Afeganistão, após duas décadas de intervenção, foi seguida por outros países da NATO, nomeadamente o Reino Unido, que, no entanto, criticou nos últimos dias a decisão do aliado norte-americano.
O ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Dominic Raab, considerou este domingo "decisivo que a comunidade internacional se mostre unida dizendo aos talibãs que a violência tem de cessar e os direitos humanos têm de ser protegidos".
Face ao agravar da situação no Afeganistão, o presidente da comissão parlamentar de Defesa, Tobias Ellwood, apelou a Johnson que repense a decisão de retirar. "Podemos inverter a situação, mas é preciso coragem [...]. Não é porque os americanos não o fazem que devemos permanecer vinculados a esta decisão, especialmente, quando eles estão errados", apontou, em declarações à Times Radio.
Por sua vez, o presidente da Comissão de Relações Externas, Tom Tugendhat, que pertence à ala conservadora, também criticou o Governo, garantindo que não houve contacto do chefe da diplomacia, Dominic Raab, durante uma semana, apesar do que classificou como "o pior desastre da política externa desde o Suez" em 1956.
ONU vai reunir Conselho de Segurança
O secretário-geral da ONU, António Guterres, instou este domingo os talibãs e todas as outras partes afegãs "à maior contenção", algumas horas depois da entrada em Cabul dos combatentes do movimento islâmico radical.
"O secretário-geral está particularmente preocupado com o futuro das mulheres e das meninas, cujos direitos duramente adquiridos devem ser protegidos", disse a ONU em comunicado.
O Conselho de Segurança da ONU reúne-se na segunda-feira para debater a situação no Afeganistão, indicou a organização no texto, precisando que, na reunião, com início às 10h de Nova Iorque (15h de Lisboa), António Guterres apresentará um relatório.
O líder da ONU sublinhou este domingo as necessidades humanitárias do Afeganistão e apelou a todas as partes para procederem de forma a que "os trabalhadores humanitários tenham acesso sem entraves para fornecer em tempo útil uma assistência que é essencial para salvar vidas". Acrescentou também que as Nações Unidas continuam "determinadas a contribuir para uma solução pacífica do conflito".