Na análise que faz à liberdade de imprensa, a Comissão Europeia continua a sublinhar que "o quadro legislativo português assegura a proteção de jornalistas" e que as "normas de proteção continuam a ser rigorosas". Portugal surge muito longe das ameaças à imprensa que existem na Hungria, Polónia ou mais recentemente na Eslovénia. No entanto, o segundo relatório sobre o Estado de direito na UE coloca no papel os casos de ameaças e também o caso "dos quatro jornalistas portugueses colocados sob vigilância policial" por uma magistrada para tentar descobrir que fontes tinham no caso e-Toupeira.
"A Comissão não comenta casos que estão sob investigação, mas seguimos a situação. Estamos preocupados com este tipo de situação, no entanto, há procedimentos a decorrer em Portugal, vamos ver quais são os resultados", afirmou esta terça-feira o Comissário da Justiça, referindo-se ao inquérito lançado pela Procuradoria-Geral da República e cujo resultado será examinado pelo Conselho Superior do Ministério Público.
Apesar da "preocupação", Didier Reynders distingue a situação portuguesa do escândalo que envolve a utilização do software de vigilância israelita Pegasus, que terá já sido usado para espiar centenas de jornalistas (e também políticos). "Não estamos preocupados [com a situação portuguesa] da mesma forma que estamos com certas aplicações para controlar e vigiar jornalistas em alguns países".
Diz Reynders que "espiar desta forma os media, a confirmar-se, é simplesmente inaceitável", apontando agora para a investigação lançada em vários países, como é o caso de França, ao caso Pegasus.
Ainda sobre a situação nos media, o capítulo do Relatório dedicado a Portugal menciona os casos de jornalistas "ameaçados e insultados durante protestos organizados contra o confinamento" e as "preocupações com o assédio aos jornalistas nas redes sociais, uma tendência que afeta em particular jornalistas do sexo feminino".
Sistema judicial português ainda com ineficiências
Numa altura em que os países começam gradualmente a levantar as restrições, Bruxelas olhou também para trás e para a forma como a covid-19 afetou o Estado de direito. "A pandemia prolongada foi também um teste de stress ao Estado de direito", reconheceu a vice-presidente da Comissão para os Valores e Transparência, Vera Jourova, defendendo que o documento é um bom ponto de partida para reflexão para o futuro sobre a resiliência dos sistemas.
No caso português, Bruxelas assinala que "a utilização dos poderes de emergência foi sujeita ao controlo da Assembleia da República, dos tribunais e do Provedor de Justiça". E que o governo instituiu medidas de apoio aos meio de comunicação para atenuar as dificuldades criadas pela pandemia. Já no funcionamento do sistema de Justiça, considera-se que "a pandemia de COVID-19 teve um impacto limitado".
Só que o sistema judicial português não escapa a críticas, tal como tinha acontecido no primeiro relatório do género publicado em setembro do ano passado. Uma vez mais, é dito que "ainda não é suficientemente eficaz".
Os técnicos do executivo comunitário até reconhecem que a eficiência "regista melhorias", nomeadamente em processos cíveis e comerciais - cujo tempo de resolução em primeira instância tem vindo a diminuir de forma constante - no entanto, os problemas persistem a nível dos tribunais administrativos e fiscais".
Foram também adotadas medidas para investir mais na digitalização e para suprir a falta de recursos humanos, mas neste último aspeto "subsistem preocupações".
Já no combate à corrupção, é mencionada a Estratégia 2020-2024, aprovada pelo Governo e que aguarda votação na Assembleia da República. "Embora tenham sido prosseguidos os esforços para melhorar o historial de investigações e ações penais por corrupção, as autoridades judiciais consideram preocupante a falta de recursos da polícia e do Ministério Público", pode ler-se também no documento.
Este é o segundo relatório sobre o Estado de direito na UE. O documento é uma forma de pressionar, para resolver a bem e pelo diálogo os problemas identificados nos 27 Estados-membros. No geral, Bruxelas reconhece que houve melhorias nos últimos 10 meses, mas Hungria e Polónia continuam a ser dores de cabeça.