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Voos que começam e terminam no mesmo ponto: uma forma de matar saudades de viajar de avião

A moda está a pegar nalguns países asiáticos e poderá em breve alargar-se a outros, mas é uma gota de água nas necessidades financeiras da indústria

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Carregar malas, esperar em filas, suportar controles de segurança cada vez mais exigentes, incluindo a obrigação de retirar cintos e sapatos. Comer refeições de qualidade muito discutível (com quaisquer extras a preços extorsionários). Para já não falar na viagem propriamente dita, horas dentro de um objeto metálico a 10 mil metros de altitude, respirando ar condicionado e utilizando casas-de-banho que dezenas de outras pessoas também usam.

Numa altura como a presente, esta perspetiva não se afigura como a mais tentadora à primeira vista. Imposições adicionais de distanciamento à partida e durante o voo, bem como a eventual obrigação de usar máscara o tempo todo, serão outros fatores de desconforto. No entanto, para alguns viajantes habituais, as saudades da rotina são tantas que estão dispostos a pagar para andar de avião em viagens cujo destino é o lugar da partida.

Estes 'voos para lugar nenhum' (flights to nowhere, alcunha aparentemente inspirada no título de um filme de 1946) têm sido notícia nos últimos dias. Em países como Taiwan, Singapura, Japão e Austrália há companhias aéreas a oferecer esses voos, como forma de manter os aviões e as tripulações ativas e também fazer alguma receita nestes tempos dramáticos para a indústria. Clientes indianos também já estão a exigi-los no seu país.

Um voo da companhia australiana Quantas propôs uma viagem com partida de Sidney e chegada ao mesmo local, e um percurso que abrange a extensão da Austrália durante sete horas. Embora os preços vão dos 487 aos 2.345 euros, esgotou em dez minutos. Idêntico sucesso tiveram voos menos longos da EVA Air taiwanesa e da Nippon Airways. No Brunei, desde agosto já houve cinco voos desses.

O produto, sendo algo insólito, para não dizer sumptuário - à partida, anda-se de avião para chegar a sítio onde se tem de ir por algum motivo, não simplesmente para andar de avião - destina-se sobretudo a clientes endinheirados. Isso também significa que algumas das inconveniências familiares aos viajantes mais comuns poderão ser minoradas à partida. Além disso, os promotores de alguns voos estão a oferecer pacotes que incluem limusines, estadias em hotéis e vouchers para compras.

Luxos à parte, para os passageiros frequentes que há muitos anos fazem parte substancial da sua vida profissional ou pessoal a bordo de aviões, apanhar um voo para lugar nenhum pode ser simplesmente uma forma de saborear um pouco daquilo que esperam que as suas vidas voltem a ter em breve.

Afinal, diz-se que às vezes o melhor de um prazer é a antecipação do mesmo. Mesmo que a pandemia provoque um certo nível de alterações permanentes (em termos ambientais, será viável regressar à mesma intensidade de viagens de avião?) e que os voos para lugar nenhum não tenham mais do que um efeito residual na situação financeira das companhias aéreas (um analista da aviação diz ao The Straits Times não esperar "um grande impacto em termos de receita ou redução de perdas"), eles representam uma recusa do desespero.

Ou, se se preferir, um escape ou fuga apetecível, ainda que o seu ponto final seja o local de partida. Quanto aos efeitos ambientais deste voos vistos por muita gente como fúteis, algumas empresas já responderam. A Quantas, por exemplo, anunciou que comprou créditos de carbono para compensar as emissões produzidas.