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“É o voto, estúpido!”

Quem enfrentará Donald Trump nas presidenciais americanas de novembro? Democratas decidem a partir de hoje. Mobilização do eleitorado, em particular da população negra, será chave. “Não assumam que por nos oferecerem concertos de hip-hop grátis iremos votar”, diz ao Expresso o Sr. “Obamacare”.

Elizabeth Warren, Joe Biden e Bernie Sanders, os candidatos democratas mais bem posicionados para ganhar as primárias
ROBYN BECK/Getty Images

Na corrida aos milhões, o senador Bernie Sanders amealha mais do que todos os outros candidatos às primárias democratas, cerca de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) até hoje, graças a contribuições individuais que rondam, em média, 18 dólares (16 euros).

Coincidência ou não, é o favorito a vencer as eleições desta noite no Iowa, a primeira etapa de uma maratona que terminará com a entronização do escolhido na cidade de Milwaukee, onde se realizará a Convenção Nacional, entre 13 e 16 de julho.

O concorrente mais velho (78 anos) enfrenta, no entanto, um eleitorado indeciso, segundo diversas sondagens estaduais. “É natural que as quatro primárias deste mês (Iowa, New Hampshire, Nevada e Carolina do Sul) não produzam um claro favorito”, diz ao Expresso Jerry Crawford, ex-diretor de campanha de Hillary Clinton, a candidata liberal que perdeu para Donald Trump as presidenciais de 2016. “(Joe) Biden terá muitos votos, (Amy) Klobachar parece ter ganho um novo elã, (Elizabeth) Warren tem o melhor jogo de terreno. E o Mayor Pete (Buttigieg) não desiste (risos)”.

Kathleen Sullivan, ex-presidente do Partido Democrata no New Hampshire, concorda com a tese anterior. Especificamente quanto à noite de hoje, acrescenta que “tudo dependerá do grau e do tipo de mobilização”. A ser elevada, sinal de que os jovens e minorias entusiasmaram-se, candidatos progressistas como Warren e Sanders sairão beneficiados (ambos defendem a criação de um sistema público de saúde, por exemplo).

Caso contrário, se o sufrágio for marcado por uma participação inferior às expectativas, com alta representação de moderados, Biden arrancará uma vitória. “É o envolvimento eleitoral. É o voto, estúpido!”, afirma Sullivan, parodiando com o famoso slogan de Bill Clinton - “É a Economia, estúpido!” -, que caracterizava o bom desempenho económico dos EUA, nos anos 90.

Anton Gunn, membro da Administração Obama entre 2009 e 2013, período em que liderou a implementação da reforma do Sistema de Saúde, o que lhe granjeou o título de “Sr. Obamacare”, sente, no entanto, uma “enorme” falta de entusiasmo. “Pode não ser evidente no Iowa, por ser o primeiro e por ter uma carga simbólica, mas nos estados mais populosos há um distanciamento óbvio”.

Este afro-americano da Carolina do Sul teme que a comunidade negra seja uma das afetadas por esse desinteresse, tal como em 2016. Sobre este ponto, Jerry Crawford reconhece que “podia ter feito melhor”, ao ponto de garantir que “Hillary perdeu aí”.

Gunn aceita o pedido de desculpas, porém deixa um conselho aos candidatos democratas: “Não assumam que por nos oferecerem concertos de hip-hop grátis iremos votar. Somos negros e temos os mesmos desejos e receios que o resto da população”.

Crawford alerta para os sinais oriundos da cintura industrial, uma região no coração da América que votou maioritariamente em Obama nos ciclos de 2008 e 2012, mas que em 2016 apoiou Trump. “Na Pensilvânia e no Wisconsin, por exemplo, a população afro-americana não comparece nos sucessivos eventos e pouco ou nada contribui em doações. A exceção parece ser o eleitorado idoso, fiel a Biden. Os novos tardam em manifestar-se”.

Residente em Detroit, cidade com uma população maioritariamente negra, Oriana Powell é um desses casos de eleitores desmotivados. Há quatro anos, esta professora do ensino básico decidiu abster-se, contribuindo na prática para que Trump arrecadasse o estado do Michigan por uma diferença de apenas 12 mil votos.

O erro ainda hoje lhe provoca “dores na alma”, confessa-nos. “Nunca pensei que Trump conseguisse vencer…”

Apesar do arrependimento, Oriana refere que os democratas terão de trabalhar para reconquistar o Michigan: “Estamos fartos! Ajudámos muito o Partido Democrata no passado. Depois nada mudou. Continuámos esquecidos. Se querem contar com o nosso voto é bom que liguem menos à recolha de dinheiro e ofereçam garantias das promessas que estão a fazer”.