Internacional

Trump absolvido em breve? Julgamento descrito como “orgia de corrupção” numa “Estalinegrado política”

Com a declaração de um senador republicano crucial de que votará contra a chamada de testemunhas, cresce a hipótese de o Presidente dos EUA ser absolvido nos próximos dias. O Expresso falou com americanos de vários quadrantes, todos muito críticos da conduta do partido de Trump. A sua absolvição é vista como “o epitáfio na lápide política dos republicanos”

GIAN EHRENZELLER/EPA

O julgamento político do Presidente dos EUA, Donald Trump, no Senado poderá terminar nos próximos dias. O cenário tornou-se mais plausível esta quinta-feira quando o senador republicano Lamar Alexander anunciou que votará contra a proposta dos democratas de chamar testemunhas para depor na derradeira etapa do processo de ‘impeachment’. Em teoria, isto significa que Trump poderia ser absolvido das acusações de abuso de poder e obstrução à ação do Congresso já esta sexta-feira.

Tendo em conta a distribuição na câmara alta do Congresso (53 senadores republicanos e 47 democratas), estes só precisariam do apoio de quatro republicanos para terem a maioria necessária para chamar testemunhas.

Além de Alexander, três outros senadores republicanos pareciam dispostos a votar desalinhados do partido do Presidente. Mitt Romney e Susan Collins indicaram que gostariam de ouvir testemunhas, enquanto Lisa Murkowski continua indecisa. De qualquer modo, com o voto contra de Alexander, mesmo que Murkowski vote favoravelmente, a votação terminará num empate (isto se todos os democratas votarem a favor). E embora haja precedente de o juiz que conduz o processo desempatar, é improvável que John Roberts, que tem adotado uma postura não interventiva, o faça.

O senador republicano Lamar Alexander (à direita)
Samuel Corum/Getty Images

Lealdade ao Presidente acima da Constituição

Com ou sem testemunhas, o sociólogo e comentador político DaShanne Stokes não hesita em descrever o que se passa no Senado “não tanto como um julgamento, mas mais como uma orgia de corrupção ao serviço dos interesses do Partido Republicano e da Rússia”. “Não se pode chamar julgamento a isto porque os julgamentos têm testemunhas e são conduzidos sem resultados predeterminados”, avalia ao Expresso. Farrah Alexander, colaboradora do jornal “HuffPost”, concorda: “A maioria dos republicanos tem-se mostrado disposta a colocar a sua lealdade ao Presidente acima do juramento que prestaram em defesa da Constituição.”

“Em última análise, as testemunhas não significam muito no que diz respeito ao resultado final do julgamento”, prognostica o gestor de relações públicas Russell Schaffer. “É pura matemática: para condenar e destituir Trump, seria necessário que 67 senadores votassem nesse sentido – ou seja, os democratas precisariam dos votos de 20 republicanos. E não é certo que todos os democratas votem pela condenação. Alguns deles representam estados muito republicanos, como o Alabama e a Virgínia Ocidental, pelo que estarão a pensar também nos seus umbigos”, problematiza.

O processo de ‘impeachment’ centra-se nas alegações de que Trump pressionou o seu homólogo ucraniano a anunciar publicamente uma investigação ao ex-vice-Presidente democrata Joe Biden. Em concreto, o Presidente da Ucrânia deveria anunciar que estava em curso uma investigação à produtora de gás Burisma, que contratara Hunter, filho de Biden, e só assim Kiev receberia a ajuda militar prometida.

Em dezembro, a Câmara dos Representantes (câmara baixa), liderada pelos democratas, aprovou duas acusações formais contra Trump. Os democratas consideram que o Presidente abusou do cargo que ocupa ao pedir a Kiev para investigar Biden, um dos candidatos mais bem posicionados para conseguir a nomeação democrata às eleições de 3 de novembro. A acusação de obstrução baseia-se nas diretivas da Casa Branca para que os seus funcionários não cooperassem com o inquérito à destituição presidencial e para não serem disponibilizados os documentos solicitados.

A entrega dos artigos de ‘impeachment’ no Senado
Jonathan Ernst/Reuters

“O Partido Republicano está a encobrir um criminoso”

Roger Daniel Kelemen, professor de Ciência Política e Direito na Universidade Rutgers, no estado de New Jersey, mostra-se muito crítico da equipa jurídica do Presidente. “A defesa de Trump apresentou uma série de argumentos sem sentido e um chorrilho de teorias da conspiração sobre Biden e o seu filho. A principal alegação parece ser agora de que nada do que o Presidente possa ter feito constitui um crime passível de impugnação. A certa altura, um dos seus advogados chegou mesmo a argumentar que se o Presidente acredita que a sua reeleição é de interesse público, qualquer contrapartida (como extorquir uma potência estrangeira) em que ele se envolva, com vista à reeleição, não é passível de ‘impeachment’. Por muito ridículos que sejam estes argumentos, a maioria dos senadores republicanos parece disposta a aceitá-los”, diz ao Expresso.

O gestor Russell Schaffer reforça que “a equipa jurídica de Trump é, em grande medida, formada por republicanos leais e ex-políticos que não estão a tentar persuadir os membros do júri, mas a agradar o Presidente”. O sociólogo DaShanne Stokes lembra que o Government Accountability Office, o órgão responsável pela auditoria, avaliações e investigações do Congresso, concluiu que “Trump cometeu crimes”, o que significa, refere, que “o Partido Republicano está a encobrir um criminoso”.

A absolvição de Trump será “o epitáfio na lápide política dos republicanos”, prossegue Stokes. “E a ideia de que um Presidente deve ter poderes diplomáticos sem restrições é uma flagrante mentira. Se os autores da Constituição pretendessem que um líder nacional tivesse poderes sem controlo, não teriam travado uma guerra pela independência para nos libertarem do tipo de tirano louco que ocupa agora a Casa Branca nem criado meios para a sua destituição. O Presidente não é um rei. A intervenção estrangeira é ilegal e pode equivaler a um ato de guerra. Um convite à intervenção estrangeira não só viola as nossas leis, como também prejudica a soberania e a independência dos EUA, um ato que fortalece os nossos inimigos”, frisa.

O fator John Bolton

Uma das testemunhas-chave seria o antigo conselheiro de segurança nacional John Bolton. O jornal “The New York Times” revelou no domingo passagens de um livro, ainda não publicado, de Bolton. Nele, o ex-responsável detalha como Trump lhe falou da sua determinação em reter a ajuda militar à Ucrânia até que Kiev concordasse em investigar Biden. As passagens transcritas de “The Room Where It Happened”, com edição marcada para 17 de março (e que a Casa Branca quer travar), contêm detalhes sobre a atuação de altos funcionários, incluindo o Secretário de Estado, Mike Pompeo, o procurador-geral, William Barr, e o chefe de gabinete interino, Mick Mulvaney.

O ex-conselheiro de segurança nacional John Bolton
Reuters/Joshua Roberts

“Independentemente de quão prejudicial é a informação que Bolton partilhou, republicanos como Ted Cruz, Rand Paul e Mitch McConnell vão continuar a ignorá-la. Eles estão a fazer troça do processo e a recusar-se a participar num julgamento justo”, avalia Farrah Alexander ao Expresso. O professor Roger Daniel Kelemen considera que “a maioria das pessoas já pensa que Trump é culpado, pelo que as revelações de Bolton podem fazer subir ligeiramente essa percentagem”. “Contudo, a menos que ele testemunhe no Congresso, não acho que terá muito impacto. A sociedade e os partidos estão tão polarizados neste momento que uma vasta maioria dos republicanos ignoraria o depoimento de Bolton”, prevê.

“Uma espécie de chefe da máfia que usou capangas privados”

“A maioria dos americanos já chegou a um veredito. Sinto que já tivemos muitas provas concretas durante este processo e, mesmo assim, a opinião pública continua paralisada. É o equivalente a uma Estalinegrado política, um impasse sem precedentes na história americana”, avalia Russell Schaffer ao Expresso. DaShanne Stokes defende que “onde Bolton poderá virar o jogo é nas próximas eleições”: “Se ele fizer mais revelações que abalem os fundamentos ilegítimos da presidência enferma de Trump, isso poderá ajudar a mobilizar os democratas a votarem em números sem precedentes e a ocuparem ambas as câmaras do Congresso e a Casa Branca.”

Roger Daniel Kelemen mantém-se cético. “Trump acabará por sobreviver ao julgamento e o seu lado declarará vitória. Os democratas dirão – corretamente – que o processo de ‘impeachment’ expôs o Presidente como uma espécie de chefe da máfia que usou capangas privados para levar a cabo uma política externa paralela, com vista à promoção dos seus interesses pessoais em vez dos interesses do país”, remata o professor de Ciência Política.

O gestor Russell Schaffer recorda que Trump fará o discurso anual do Estado da União na próxima terça-feira. “Imaginem o brilho triunfante que ele irradiará se o fizer apenas algumas horas ou dias após a sua absolvição. O discurso também terá lugar no dia seguinte às primárias democratas no Iowa. Tudo isto está a acontecer num período de poucos dias. Há muito drama no ar”, conclui. Citando fontes oficiais, o jornal “The Washington Post” avançou entretanto que o veredito não será conhecido antes da próxima quarta-feira.