“Se um Presidente faz algo que acredita que o ajudará a ser reeleito no interesse do público, isso não pode ser o tipo de contrapartida que resulta num ‘impeachment’”. Estas palavras, proferidas na quarta-feira pelo advogado Alan Dershowitz, deixaram muitos senadores estarrecidos no oitavo dia do julgamento político do Presidente dos EUA, Donald Trump.
A senadora democrata Mazie Hirono viria a confessar aos jornalistas: “Foi uma das coisas mais bizarras que alguma vez ouvi como resposta.”
A tentativa dos democratas de levar os republicanos a aceitarem a convocação de testemunhas parecia esta quarta-feira mais debilitada, à medida que crescia a possibilidade de o Presidente dos EUA ser absolvido já esta sexta, relata a agência Reuters. Para o senador republicano John Barrasso, tudo aponta “claramente no sentido de se chegar ao veredito final na sexta-feira”.
Outros senadores republicanos antecipavam um resultado semelhante em conversa com os jornalistas durante os intervalos nos trabalhos desta quarta-feira.
Sinais “desencorajadores” ou “progresso, progresso, progresso”?
Do lado democrata, o tom variava entre a desilusão e a perseverança. Questionado sobre se a batalha por testemunhas estava perdida, o senador Chris Coons disse que os sinais “não são encorajadores”. Já o líder da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer, sublinhou: “O meu instinto diz-me que estamos a fazer progresso, progresso, progresso.”
O processo de ‘impeachment’ centra-se nas alegações de que o Presidente dos EUA pressionou o seu homólogo ucraniano a anunciar publicamente uma investigação ao ex-vice-Presidente democrata Joe Biden. Em concreto, o Presidente ucraniano deveria anunciar que estava em curso uma investigação à produtora de gás Burisma, que contratara Hunter, filho de Biden, e só assim Kiev receberia a ajuda militar prometida.
Em dezembro, a Câmara dos Representantes aprovou duas acusações formais de abuso de poder e obstrução à ação do Congresso. Os democratas consideram que Trump abusou do cargo que ocupa ao pedir a Kiev para investigar Biden, um dos candidatos mais bem posicionados para conseguir a nomeação democrata às eleições de novembro. A acusação de obstrução baseia-se nas diretivas da Casa Branca para que os seus funcionários não cooperassem com o inquérito à destituição presidencial e para não serem disponibilizados os documentos solicitados.
O fator John Bolton
Para esta sexta-feira está pré-agendada a votação sobre a chamada de testemunhas. Tendo em conta a distribuição na câmara alta do Congresso (53 senadores republicanos contra 47 democratas), estes só precisariam do apoio de quatro republicanos para terem a maioria necessária para convocar testemunhas, algo que há muito defendem.
Uma das testemunhas-chave é o antigo conselheiro de segurança nacional John Bolton. O jornal “The New York Times” revelou no domingo passagens de um livro, ainda não publicado, de Bolton. Nele, o ex-responsável revela como Trump lhe falou da sua determinação em reter a ajuda militar à Ucrânia até que Kiev concordasse em investigar Biden.
As passagens transcritas de “The Room Where It Happened” (A Sala Onde Aconteceu), com edição marcada para 17 de março, contêm detalhes sobre a atuação de altos funcionários da Casa Branca, incluindo o Secretário de Estado, Mike Pompeo, o procurador-geral, William Barr, e o chefe de gabinete interino, Mick Mulvaney.
“Se eu o ouvisse, já estaríamos na Sexta Guerra Mundial”
Esta quarta-feira, soube-se que a Casa Branca se opôs à publicação do livro. Numa carta endereçada ao advogado de Bolton, o Conselho de Segurança Nacional revelou que, com base numa análise preliminar, o manuscrito, enviado pelo próprio antigo conselheiro à Casa Branca, parece conter “quantidades significativas de informação classificada”.
Trump escreveu no Twitter que Bolton “lhe implorou” para ser nomeado para um cargo que não necessitasse da aprovação do Senado, o que acabou por acontecer. “Se eu o ouvisse, já estaríamos na Sexta Guerra Mundial”, declarou, acrescentando: Bolton “sai e, de imediato, escreve um livro desagradável e falso. Tudo informação classificada de segurança nacional. Quem faz isto?”.
O Presidente nega ter cometido quaisquer irregularidades e classifica o processo de ‘impeachment’ como “uma farsa”. É necessária uma maioria de dois terços para que Trump seja efetivamente destituído, um cenário bastante improvável, uma vez que, até ao momento, nenhum senador republicano deu indicação de que votaria pela destituição.