Internacional

Ofensiva turca na Síria. Erdogan pensa deslocar os refugiados sírios da Turquia para novos territórios

O Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, diz que a ofensiva turca no nordeste da Síria, onde vivem maioritariamente curdos, visa a criação de um “corredor contra o terrorismo” já que as brigadas terroristas do PKK (Partilho dos Trabalhadores do Curdistão) estão há quase 40 anos envolvidas numa guerra pela autonomia curda dentro da Turquia. Mas o perigo do PKK não justifica tudo, até porque nem todos os curdos sírios tomam como sua a ideologia do PKK. Erdogan quer também utilizar este “novo território” para realojar até dois milhões de sírios que estão refugiados no seu país

Tropas turcas no Monte Barsaya, a norte de Afrin
KHALIL ASHAWI/REUTERS

A situação é um barril de pólvora e tem pelo menos um século. O norte da Síria é um dos apenas dois locais no mundo árabe nos quais os curdos têm uma autonomia mais ou menos satisfatória; o outro é o Iraque. No entanto, há mais de 30 milhões de curdos no mundo e quer na Turquia, quer no Irão, onde a sua presença também é grande, são poucos os direitos que lhe são atribuídos.

A Turquia considera os curdos, todos os curdos, terroristas, devido às milícias, essas, sim, consideradas terroristas também pelos Estados Unidos e pela União Europeia, do PKK, há muito envolvidas em ataques terroristas em solo turco, como forma de represália por não lhes ser dado um estado independente.

A possível invasão de mais uma parte do território, ou o alargamento da área controlada ao longo de pelos menos 450 quilómetros e, necessariamente, o reacender da guerra no nordeste sírio acarreta outro problema: é sob a alçada dos curdos que estão todos os prisioneiros de guerra do Daesh e pode ser difícil garantir que eles continuam presos à medida que a guerra se propaga e os soldados que agora os guardam são chamados para as linhas da frente.

O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, anunciou na quarta-feira que a operação tinha sido lançada mas frisou que o seu principal objetivo era “garantir a paz”. “A nossa missão é prevenir a criação de um corredor terrorista na nossa fronteira a sul e trazer paz à região”, disse no Twitter enquanto outros meios de comunicação próximos dele colocavam nas suas páginas online fotografias e vídeos de aviões a descolar em direção aos seus alvos, e ditos alvos a serem bombardeados. Erdogan prometeu também que essa zona será utilizada para albergar os refugiados sírios que fugiram da guerra civil, dos quais 3,5 milhões estão na Turquia.

Realojar uma parte do problema

Há duas semanas, nas Nações Unidas, Erdogan explicou o plano de realojamento em massa, e muitos diplomatas ficaram assustados com esta espécie de engenharia demográfica imposta por via de uma ação militar. Mas Erdogan rebateu, dizendo que serão construídas aldeias, com condições decentes de vida, para que as pessoas possam voltar a trabalhar e possam reconstruir as suas vidas. O plano prevê uma deslocação de pelo menos um milhão de pessoas para o nordeste sírio, precisamente dentro desse “corredor antiterrorista”, o que também ajudaria Erdogan a dormir mais descansado, menos preocupado com as incursões curdas no seu território.

À Reuters, um diplomata americano disse que esta é “a mais inconsequente ideia” que já lhe tinha passado pelas mãos. O ministro dos Negócios Estrangeiros checo, Tomas Petricek, disse que os sírios só deveriam voltar “de uma forma voluntária”. “Não creio que possam ser realojados através de qualquer imposição militar”. Uma fonte da Comissão Europeia também disse, sob anonimato, à agência Reuters, que, sem uma solução política, a Europa não vê com bons olhos o regresso forçado destas pessoas. A renovação do programa de ajuda aos refugiados sírios na Turquia, que pressupõe uma ajuda monetária dos Estados-membros ao país de Erdogan que já ultrapassou os seis mil milhões de euros também pode estar em causa se este plano do presidente for para a frente.

Crimes dos dois lados

As Forças Democráticas da Síria controlam, neste momento, o norte da Síria e são geridas maioritariamente por militares curdos. Na guerra contra o Daesh, as bem treinadas forças curdas (as YGP ou Brigadas para a Proteção do Povo Curdo), das quais fazem parte um número ímpar de mulheres, foram os maiores aliados dos Estados Unidos e é por isso que, neste momento, muitos ativistas curdos um pouco por todo o mundo acusam o Presidente Donald Trump de traição.

Na semana passada, Trump anunciou a retirada das tropas norte-americanas do norte da Síria, efectivamente abrindo caminho à entrada das turcas, que já tinham invadido a zona de Afrin, no início de 2018, por consideraram que é necessária uma espécie de zona-tampão entre a Síria e a Turquia para evitar a entrada de terroristas curdos em solo turco. Para justificar o ataque, a Turquia disse que pelo menos 700 ataques contra o país tinham sido lançados a partir da região de Afrin. Uma investigação da BBC encontrou apenas 26 ocorrências.

Desde o início do conflito, que remonta aos anos 80, cerca de 40 mil pessoas já morreram. Na operação de “proteção das fronteiras” (nome oficial: “Olive Branch”) pelo menos 1,586 das Forças Democráticas da Síria morreram, tal como 616 dos TFSA, uma milícia síria apoiada pela Turquia para lutar contra os curdos. Pelo menos 389 civis morreram, mas há contagens bastantes diferentes destas, que mostram números maiores. Os números são da ONG do Observatório Sírio para os Direitos Humanos, com sede em Londres. E os atentados aos direitos humanos aconteceram de todos os lados. Se os turcos são acusados pela ONU de bombardear indiscriminadamente zonas civis em Afrin, as brigadas curdas também foram criticadas pela comunidade internacional por recrutarem crianças e as obrigarem a servir se escudos humanos. Ambos os exércitos negam as acusações que lhes são feitas.