Internacional

Os rostos e as sensibilidades de quem vai a votos em Israel

Quase 40 partidos disputam, esta terça-feira, os 120 lugares do Parlamento de Israel. Mas só 14 têm reais possibilidades de eleger deputados

As sondagens prevêm uma disputa entre o Likud, do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (cartaz da esquerda), e a aliança Azul e Branco (poster da direita)
JACK GUEZ / AFP / Getty Images

Seis meses antes do previsto, Israel vota esta terça-feira para escolher um novo Parlamento (Knesset). A última sondagem prevê uma corrida apertada entre o Likud, o partido de direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e o partido de centro-esquerda Kahol Lavan (Azul e Branco), atribuindo 28 deputados a cada.

Parece confirmar-se, pois, uma constante da política israelita desde a fundação do país, em 1948: nunca um partido conseguiu uma maioria suficiente — ou seja, 61 dos 120 assentos no Knesset — para governar sozinho. A formação de coligações é, pois, o exercício que se segue a qualquer eleição legislativa.

Segundo a sondagem do Channel 13, o conjunto dos partidos de direita terá votos suficientes para eleger 66 deputados, o que, a confirmar-se, lhe dará folga para formar um executivo sem concessões à esquerda.

Nestas eleições, participam 39 partidos — para eleger um deputado, há que ultrapassar a fasquia dos 3,25%. Mas apenas 14 têm reais possibilidades de conseguir representação parlamentar.

Likud

Liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, 69 anos, o Likud (Consolidação) é um partido histórico de Israel, aquele de onde saíram mais chefes de Governo. Defensor da privatização da economia, opõe-se a um Estado palestiniano e incentiva a construção de colonatos. Atualmente, tem 30 deputados (25% do Knesset).

Ao centro, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, líder do Likud
Ammar Awad / Reuters

À procura de um quarto mandato consecutivo, Netanyahu pode fazer história: se for reconduzido no cargo, a 17 de julho próximo cumprirá 13 anos e 128 dias em funções (não consecutivos), ultrapassando por um dia David Ben Gurion como o israelita que mais tempo ocupou o cargo de primeiro-ministro.

No sábado, Netanyahu sacou de um trunfo de última hora para tentar angariar votos e, assim, disparar nas intenções de voto. Numa entrevista ao Channel 12, afirmou: “Um Estado palestiniano colocará em perigo a nossa existência. Eu resisti a uma grande pressão nos últimos oito anos, nenhum outro primeiro-ministro resistiu a tal pressão. Temos de controlar o nosso destino”, disse. “Não dividirei Jerusalém, não evacuarei nenhuma comunidade [de colonos] e garantirei que controlaremos o território a ocidente do [rio] Jordão”, ou seja, o território palestiniano ocupado da Cisjordânia.

Kahol Lavan

Fundada a 21 de fevereiro passado, a aliança Kahol Lavan (Azul e Branco, como as cores da bandeira de Israel) tem dado luta ao veterano Likud nas sondagens.

A coligação reúne três fações: o Partido Resiliência de Israel, o Yesh Atid (Há um Futuro, que tem 11 deputados) e o Telem (do ex-ministro da Defesa Moshe Ya’alon).

A liderança é repartida entre o general Benjamin Gantz, de 59 anos, chefe do Estado-Maior entre 2011 e 2015, e o jornalista e ex-ministro das Finanças Yair Lapid (2013-2014), de 55 anos. Por acordo entre ambos, em caso de vitória, Gantz será primeiro-ministro nos primeiros dois anos e Lapid na segunda metade do mandato.

À esquerda Benny Gantz, à direita Yair Lapid, unidos na liderança do Kahol Lavan
JACK GUEZ / AFP / Getty Images

A aliança define-se como uma formação pluralista e representativa de todos os cidadãos de Israel, independentemente de ideologias políticas, crenças religiosas e identidades étnicas.

Entre as propostas do Kahol Lavan estão a introdução de limites aos mandatos de primeiro-ministro, a proibição de políticos acusados na justiça servirem no Parlamento, a alteração à polémica lei do Estado-Nação — que concede o direito de autodeterminação apenas aos judeus — para incluir as minorias e também o relançamento das negociações de paz com os palestinianos.

Partido Trabalhista

Dominou a política israelita durante as primeiras décadas de vida do Estado de Israel e é hoje, juntamente com o Likud, o único partido em atividade que já liderou vários governos. Mas nas últimas eleições não foi além dos 18 deputados.

É liderado por Avi Gabbay, de 52 anos, que debutou na política apenas em 2014 após ter sido CEO (presidente executivo) da empresa de telecomunicações Bezeq de 2007 a 2013. Foi ministro de Netanyahu entre 2015 e 2016, com a pasta da Proteção Ambiental.

Avi Gabbay, líder do Partido Trabalhista de Israel
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Os trabalhistas vão a votos com um programa que consagra a intenção de sarar feridas étnicas que excluíram alguns sectores da sociedade e de investir economicamente nas comunidades árabes. Talvez não seja suficiente: a última sondagem atribui-lhe uma perda de sete deputados.

Kulanu

“Todos nós” foi fundado em finais de 2014, pelo atual ministro das Finanças, Moshe Kahlon (ex-Likud) que definiu o projeto como “a direita sã”.

Nas legislativas do ano seguinte, o partido conquistou 10 deputados. Hoje, a última sondagem diz que pode ficar com menos de metade.

Moshe Kahlon, ministro das Finanças de Netanyahu e líder do partido Kulanu
JACK GUEZ / AFP / Getty Images

O partido tem como prioridade as questões económicas, em especial a erradicação da pobreza e o combate à desigualdade. Apoia a solução de dois Estados para o conflito israelo-palestiniano.

Balad-Ra’am e Hadash-Ta’al

Em Israel, cerca de 20% da população é de cultura árabe, com direito à cidadania israelita. Em sua representação, há quatro partidos árabes no Knesset: Hadash, Ra’am, Balad e Ta’al. Para os judeus mais fervorosos, primeiro-ministro incluído, são uma ameaça à existência de Israel.

Em 2015, concorreram juntos, na Lista Unida, e elegeram 13 parlamentares. Quatro anos depois, essa unidade deu mostras de ser, circunstancialmente, uma necessidade política que se desmoronou obrigando o eleitorado israelita árabe, nestas eleições, a optar entre dois blocos: o Balad-Ra’am e o Hadash-Ta’al. O que os separa?

Em cima, um cartaz de campanha da coligação árabe Hadash-Ta'al. Por baixo, o concorrente Balad-Ra'am
Ammar Awad / Reuters

A aliança Hadash-Ta’al é vista como uma formação que, de alguma forma, procura participar no sistema. Os seus principais rostos são Ahmad Tibi — líder do Ta’al (secular) e antigo conselheiro do líder histórico palestiniano, Yasser Arafat — e Ayman Odeh, líder do Hadash (comunista).

Inversamente, a coligação Balad-Ra’am é considerada uma frente empenhada em rejeitar e que nega a legitimidade de Israel. O Balad é um partido nacionalista pan-árabe radical. Já Ra’am é o acrónico hebraico de Lista Árabe Unida (islamita).

A sondagem do Channel 13 diz que o Hadash-Ta’al pode aumentar de cinco para seis deputados e o Balad-Ra’am pode cair de oito para quatro. Se, há quatro anos, a união fez a força, a dispersão pode levar a uma alta abstenção entre a minoria árabe.

Shas e Judaismo da Torah Unida

Na origem da antecipação destas eleições, esteve um braço de ferro entre o Governo de Netanyahu e os judeus ultraortodoxos, que se estima correspondam a cerca de 10% da população. Os haredi pautam a sua vida pelo cumprimento rigoroso dos preceitos religiosos e sempre rejeitaram cumprir o serviço militar, exceção que desagrada à restante população.

Um recente diploma legislativo prevendo a extensão do serviço militar aos homens ultraortodoxos desencadeou uma crise no seio da coligação parlamentar que apoia o Governo levando à antecipação das eleições.

No Knesset. há duas bancadas que refletem a sensibilidade haredi: o Shas e o Judaismo da Torah Unida.

Com sete deputados, o Shas é liderado por Ariye Deri, o atual ministro do Interior e dos Assuntos Religiosos. A sua base eleitoral é composta sobretudo por judeus ultra-ortodoxos com ascendência no Médio Oriente ou na Península Ibérica (sefarditas).

Por seu lado, o Judaismo da Torah Unida tem seis deputados, entre os quais Yakov Litzman, o atual ministro da Saúde. Representa em especial a sensibilidade asquenaze — judeus oriundos da Europa Central e Oriental.

À direita, Aryeh Deri, ministro do Interior e líder do Shas. À esquerda, Yakov Litzman, ministro da Saúde e líder do Judaismo da Torah Unida
Ammar Awad / Reuters

Segundo a última sondagem, o Shas deverá perder dois deputados e o Judaismo da Torah Unida manter os seis.

Yisrael Beitenu

“Israel é o nosso lar” é um partido ultranacionalista liderado por Avigdor Lieberman, ministro da Defesa de Netanyahu entre 2016 e 2018. Lieberman bateu com a porta em novembro passado após o primeiro-ministro ter optado por assinar um cessar-fogo com o grupo islamita Hamas em vez de bombardear a Faixa de Gaza, como o seu ministro defendia.

Apologista de uma linha dura com os palestinianos, Lieberman é um protagonista na primeira pessoa da ocupação israelita da Palestina já que vive, com a mulher e três filhos, no colonato de Nokdim, a sul de Belém (Cisjordânia).

As sondagens dizem que Yisrael Beitenu pode perder um dos seus cinco deputados.

Avigdor Lieberman vive num colonato judeu no território palestiniano ocupado da Cisjordânia
Ammar Awad / Reuters

Meretz

Membro da Internacional Socialista, o Meretz defende a retirada israelita dos territórios palestinianos ocupados na Guerra dos Seis Dias (1967) e o estabelecimento de um Estado palestiniano com Jerusalém como capital partilhada pelos dois povos.

A degradação do processo de paz e o reforço dos partidos de direita em Israel contribuíram para o desgaste do Meretz que, nos anos 1990, chegou a ter 12 deputados. As projeções dizem que conservará os cinco deputados que tem agora.

Tamar Zandberg, a líder do Meretz, num encontro com o Presidente palestiniano, Mahmud Abbas, a 10 de março, em Ramallah (Cisjordânia)
Majdi Mohammed / Reuters

É liderado por uma mulher, Tamar Zandberg, de 42 anos. Vai a votos com um programa assente na redução do custo de vida dos israelitas, numa reforma tributária e no combate à corrupção.

União de Partidos de Direita

Fundada em fevereiro passado, agrupa três partidos de direita e extrema-direita: Lar Judaico (religioso, ortodoxo e sionista), União Nacional (que é em si uma aliança de quatro partidos) e o polémico Poder Judeu (Otza Yehudit).

A inclusão deste último tem colocado a União de Partidos de Direita sob fogo já que o Poder Judeu reclama-se herdeiro ideológico do controverso rabino Meir Kahane. Nascido em Nova Iorque em 1932, foi um supremacista judeu que fundou a Liga de Defesa Judaica nos EUA e o radical Kach em Israel. Foi assassinado em 1990, na cidade onde nasceu.

Michael Ben-Ari, líder do Poder Judeu (ao centro), foi impedido pela justiça israelita de ir a votos
Ronen Zvulun / Reuters

Michael Ben Ari, o líder do Poder Judeu de 55 anos, foi impedido pelo Supremo Tribunal de Israel de se candidatar a um lugar no Knesset em virtude das suas opiniões racistas. Ainda assim, a sondagem do Channel 13 atribui à União um aumento de deputados dos cinco (eleitos pelo Lar Judaico) para sete.

A Nova Direita

É mais uma formação política que tenta tirar partido do desgaste do partido no poder (Likud). A sondagem prevê que duplique a sua representação no Knesset, de três para seis deputados.

Foi lançada em dezembro passado por dois membros do Governo de Netanyahu, até então militantes do Lar Judaico: o ministro da Educação, Naftali Bennett, de 47 anos, e a titular da Justiça, Ayelet Shaked, de 42 anos.

Naftali Bennett e Ayelet Shaked transitaram ambos do Lar Judaico para a Nova Direita
Amir Cohen / Reuters

Bennett quer limitar os poderes do Supremo Tribunal sobre os soldados israelitas para que não se sintam constrangidos durante as operações militares. Já Shaked é uma acérrima defensora da maioria judaica de Israel mesmo que à custa dos direitos humanos das populações árabes.

A Nova Direita opõe-se à criação de uma Palestina independente e advoga anexação das áreas dos colonatos na Cisjordânia.

Gesher

Orly Levy-Abekasis é uma antiga manequim e apresentadora de televisão que, em 2015, conseguiu um lugar no Knesset, como independente, prometendo defender os mais desfavorecidos.

Aos 45 anos, casada, com quatro filhos e a viver num kibbutz no norte de Israel, tenta renovar o mandato de deputada, desta vez nas fileiras de um partido que o pai — o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros David Levy — chegou a liderar: o Gesher (centro-direita), que derivou do Likud.

Orly Levy-Abeksis (à esquerda), numa fotografia de 2015, quando era uma novidade na política israelita
Ronen Zvulun / Reuters

Orly Levy-Abekasis diz querer romper com a tradicional divisão entre direita e esquerda. Mas nas sondagens surge com vida difícil, aquém dos 3,25% necessários para entrar no Knesset.

Zehut

O “Identidade” não tem qualquer deputado no Knesset, mas pode vir a ser um dos vencedores destas eleições: as sondagens dão-lhe seis deputados. Foi fundado em 2015, por Moshe Feiglin, de 56 anos, um antigo vice-presidente do Parlamento.

Moshe Feiglin, líder do Zehut, um partido religioso ultranacionalista
Corinna Kern / Reuters

O Zehut é um partido sionista e libertário que, no seu manifesto, propõe a legalização da canábis, condição “sine qua non” para entrar numa coligação governamental.

Apologista da solução de um Estado único para o conflito israelo-palestiniano, defende a anexação da Cisjordânia, com o mesmo vigor com que, no passado, se opôs aos Acordos de Oslo de 1993 e tentou boicotá-los. A 8 de agosto de 1995, chefiou uma espetacular ação não-violenta de desobediência civil que bloqueou 80 cruzamentos por todo o país. Foi condenado pelo Supremo Tribunal a seis meses de prisão por sedição — sentença depois comutada para serviço comunitário. Esta terça-feira, poderá ser a grande surpresa do novo xadrez político em Israel.