Um dos líderes da maioria republicana, Paul Ryan, minimizou na quinta-feira o potencial impacto de se divulgar um memorando sobre as atividades do FBI durante a campanha presidencial de 2016, que foi compilado por um legislador do partido que controla as duas Câmaras do Congresso e a Casa Branca e que está prestes a ser publicado com o aval de Donald Trump.
No documento de quatro páginas é sugerido que a agência federal e o Departamento de Justiça abusaram dos seus poderes ao ordenarem a vigilância de um assessor do empresário Trump durante a corrida presidencial. Aos jornalistas, o líder da maioria republicana na Câmara dos Representantes garantiu que a decisão de divulgar o memorando não tem como objetivo minar os inquéritos federais ao alegado conluio entre a equipa de campanha do agora Presidente e a Rússia.
Na segunda-feira, os republicanos da comissão de serviços de informação da câmara baixa do Congresso votaram para que o documento fosse publicado sob o argumento de que o FBI deve usar os seus poderes "de forma correta". Ontem, a Casa Branca sinalizou que Trump vai autorizar a divulgação do memorando em breve, sem proteger quaisquer dados nele contidos.
A garantia de Paul Ryan surgiu num momento em que os democratas reforçaram as críticas aos republicanos pelo que qualificam como uma tentativa de fazer descarrilar as investigações a cargo do conselheiro especial Robert Mueller. Reagindo ao assunto, o ex-diretor do FBI, James Comey, que foi despedido pelo Presidente no ano passado por se ter recusado a suspender essas investigações, sugeriu que a agência está a ser alvo de uma campanha de difamação.
"A História da América demonstra que, a longo prazo, os fuinhas e os mentirosos nunca se aguentam enquanto houver pessoas que defendem o que é correto", escreveu no Twitter. "Não há muitas escolas ou ruas com o nome de Joe McCarthy", acrescentou em referência a um senador norte-americano que ficou famoso pela sua cruzada contra alegados comunistas nos anos 1950.
Preparado por Devin Nunes, um republicano de ascendência portuguesa que chefia a comissão de serviços de informação da Câmara dos Representantes, o memorando alega que, em março do ano passado, o FBI e o Departamento de Justiça enganaram um juiz para conseguirem que este autorizasse a monitorização de Carter Page, que foi conselheiro de política externa na campanha de Trump. Nunes e outros republicanos alegam que nenhum dos organismos foi transparente com o juiz federal, por não terem explicado que queriam o mandato com base em informações contidas no chamado 'dossiê Steele'.
Da autoria do ex-espião britânico Christopher Steele, o dossiê começou por ser financiado por um republicano que queria travar a candidatura de Trump às primárias do partido; depois de o empresário ter destronado os rivais nessa corrida, os democratas passaram a financiar as investigações de Steele para obterem informações danosas sobre o candidato republicano.
Fontes anónimas disseram ontem à Reuters que o memorando sobre o FBI é "enganador" porque todos os excertos do 'dossiê Steele' usados para justificar o pedido de vigilância a Page foram verificados de forma independente pelas agências de espionagem norte-americanas. Em novembro, o ex-conselheiro do agora Presidente foi chamado a depôr no Congresso sobre encontros que manteve com elementos do governo russo durante uma viagem a Moscovo em julho de 2016, altura em que trabalhava para a campanha de Trump.
"O que este memorando representa é o Congresso a fazer o seu trabalho de conduzir uma análise legítima a uma lei muito particular", avançou Ryan aos jornalistas na quinta-feira, referindo-se à FISA, a lei que autoriza a monitorização física e eletrónica de "agentes de potências estrangeiras" em solo norte-americano quando estão em causa riscos para a segurança nacional.
"Se houve erros ou indivíduos a fazerem alguma coisa mal, então é nossa tarefa, enquanto ramo legislativo do governo, conduzir uma avaliação aos abusos cometidos", acrescentou o republicano. "O que isto não é é uma acusação às nossas instituições nem ao nosso sistema judicial. Este memorando não serve para acusar o FBI nem o Departamento de Justiça nem para impugnar a investigação de Mueller ou do vice-procurador-geral."
Apesar das garantias de Ryan, um outro legislador do partido com assento na Câmara dos Representantes, Jeff Duncan, garantiu depois de consultar o documento que este vai abalar o FBI a todos os níveis e "mostrar aos americanos até que ponto a agêcia foi instrumentalizada" por elementos da administração de Barack Obama e do Partido Democrata para "atingir adversários políticos", como escreveu no Twitter.
Com a saga a adensar-se, ontem os líderes democratas do Congresso exigiram que Nunes seja imediatamente retirado da comissão de serviços de informação, após ter sido acusado de ter alterado o conteúdo do documento depois da sua aprovação na segunda-feira.
Segundo Adam Schiff, Nunes enviou para a Casa Branca uma versão do memorando que foi "concretamente alterada". Um assessor do partido no poder já garantiu, sob anonimato, que só houve "pequenas correções" ao texto, incluindo duas a pedido do FBI e dos democratas.
Há dois dias, tanto o FBI como o Departamento de Justiça tomaram a decisão rara de avisar que a divulgação deste memorando vai pôr em risco o trabalho dos espiões norte-americanos e o acordo sob o qual as agências federais dos EUA partilham informações secretas com os legislasdores com a garantia de que estas não chegarão ao domínio público.
Ontem, o diretor do FBI, Christopher Wray, o homem que Trump escolheu para substituir Comey, informou que pretende publicar um comunicado de condenação formal ao Congresso e à Casa Branca caso o documento seja divulgado. Antes disso, um porta-voz da agência federal já tinha expressado "graves preocupações sobre as omissões concretas de factos com impacto fundamental no rigor do memorando".
Várias fontes avançaram entretanto à CNN que há grandes receios na Casa Branca sobre a possibilidade de Wray vir a demitir-se da chefia do FBI por causa deste memorando e do facto de a sua opinião estar a ser ignorada pelo Presidente.