O Presidente dos Estados Unidos deu ordens, em junho passado, para que Robert S. Mueller fosse despedido, mas em última instância desistiu de afastar o conselheiro especial responsável por investigar a ingerência russa nas eleições americanas e o alegado conluio entre a equipa de campanha de Donald Trump e o Kremlin porque o chefe da equipa legal da Casa Branca ameaçou despedir-se para não ter de acatar essa diretiva.
A informação foi avançada na quinta-feira à noite pelo "New York Times" com base em quatro fontes familiarizadas com o caso. É a primeira vez que surgem informações fidedignas sobre a tentativa de Trump afastar Mueller dos inquéritos à Rússia.
Segundo as fontes, o antigo diretor do FBI, que assumiu a chefia das investigações um mês depois de Trump ter despedido James Comey da agência federal, soube desta tentativa de Trump recentemente, quando a sua equipa começou a contactar atuais e ex-funcionários da administração para perceber se o Presidente cometeu crimes de obstrução à Justiça.
A manifesta vontade de Trump em afastar Mueller ocorreu após terem surgido as primeiras notícias nos media sobre as intenções do conselheiro especial examinar se houve obstrução à Justiça da parte do Presidente, a começar pelo despedimento de Comey dias depois de este ter recusado suspender os inquéritos deste caso e passando pelo facto de ter ajudado o seu filho mais velho, Donald Trump Jr., a mentir sobre uma reunião com uma advogada do Kremlin que queria "ajudar" Trump pai a derrotar Hillary Clinton.
Na altura, o Presidente, cuja administração está mergulhada numa série de conflitos de interesse, argumentou que Mueller não devia investigá-lo por causa de três conflitos dessa natureza. Também alegou que o chefe das investigações não podia ser imparcial porque tinha trabalhado recentemente para uma sociedade de advogados que, em tempos, representou o seu genro, Jared Kushner.
Finalmente, apresentou como justificação o facto de Mueller ter sido entrevistado para voltar a chefiar o FBI dias antes de o vice-procurador-geral dos EUA, Rod Rosenstein, o ter escolhido para liderar as investigações à ingerência russa e ao conluio.
Ao receber a ordem do Presidente, o principal advogado da Casa Branca, Donald F. McGahn, recusou-se a passar esse pedido ao Departamento de Justiça, ameaçando despedir-se se tivesse de o fazer. Segundo as quatro fontes, McGahn não concordou com os argumentos de Trump e disse a membros da administração que despedir Mueller teria um efeito catastrófico na presidência do empresário.
Também terá dito a esses funcionários de alto nível que Trump nunca avançaria sozinho com o despedimento. Assim se confirmaria, com o Presidente a abandonar essas intenções em poucos dias.
Contactado para reações, Ty Cobb, que gere os contactos da Casa Branca com a equipa de Robert Mueller, disse em comunicado: "Recusamo-nos a comentar este assunto por respeito ao Gabinete do Conselheiro Especial e a este processo."
McGahn, um advogado com décadas de experiência que fez carreira no Partido Republicano e que chegou a integrar a Comissão Federal Eleitoral, foi o principal advogado da campanha de Trump antes de se tornar conselheiro legal da Casa Branca e esteve envolvido em quase todas as decisões do Presidente que estão a ser escrutinadas por Mueller — nomeadamente, o despedimento de Comey.
Na altura em que isto aconteceu, McGahn terá manifestado preocupações quanto ao afastamento de Mueller porque, na sua opinião, isso ia reforçar as suspeitas de que a Casa Branca estava a tentar obstruir a Justiça no âmbito das investigações à Rússia.
Tudo isto desenrolou-se enquanto os advogados do Presidente, então chefiados por Marc E. Kasowitz, estavam a tentar encontrar potenciais conflitos de interesse de Mueller e da sua equipa para justificar o seu despedimento.
Nesse contexto, chegaram aos media informações sobre doações que vários investigadores da equipa de Mueller fizeram ao Partido Democrata, o que alimentou a retórica dos republicanos sobre o conselheiro especial ter criado uma equipa com membros da oposição para destronar o Presidente (isto apesar de Mueller ser, também ele, filiado ao Partido Republicano).
Em discussões com os seus conselheiros, Trump também chegou a considerar despedir Rod Rosenstein por este ter nomeado Mueller para chefiar os inquéritos, depois de o número dois do Departamento de Justiça ter assumido a liderança desta pasta em março após o seu chefe, o procurador-geral Jeff Sessions (correspondente ao cargo de ministro da Justiça), se ter retirado de todas as investigações por, também ele, ter mantido contactos potencialmente ilegais com os russos.
A notícia de que Trump tentou efetivamente despedir Mueller para se proteger dos inquéritos à Rússia surgiu horas depois de o Presidente ter garantido que está "ansioso" por ser entrevistado pelo conselheiro especial sobre as suas ligações ao Kremlin, no que marcou mais um revés da sua postura face a todo este caso. Segundo o próprio Presidente, essa entrevista poderá acontecer dentro "de duas a três semanas".
Esta sexta-feira de manhã, Trump desmentiu a notícia a partir de Davos, na Suíça, onde esta tarde vai discursar aos restantes líderes que estão a participar no Fórum Económico Mundial, numa altura em que está a ser acusado de avançar com uma agenda protecionista. "Notícias falsas. Típico do 'New York Times'. [São] histórias falsas."