Sujos, acorrentados, mal alimentados num quarto que cheirava muito mal. Assim foram encontrados 12 dos 13 filhos de David Allen Turpin e Louise Anna Turpin. Têm entre dois e 29 anos. Os pais mantiveram-nos em cativeiro, praticamente sem contacto com o exerior. Os vizinhos poucas vezes os viram. A família também. De aspeto debilitado, enfraquecido, parecem ser todos menores de idade.
“Histórias destas só mostra como as crianças são vulneráveis, como podem estar sujeitas a uma violência extrema, sem se conseguirem defender. Aliás, muitas vezes são mal alimentadas para ficarem raquíticas, com fome e indefesas”, diz ao Expresso Dulce Rocha, presidente do Instituto de Apoio à Criança (IAC).
No último domingo, uma das irmãs, com 17 anos (que não parecia ter mais de dez), fugiu de casa e alertou as autoridades. Nesse momento, tudo mudou. No número 100 de Muir Woods Road, em Perris, não muito longe de Los Angeles, a polícia encontrou o que pensava ser 12 crianças sequestradas pelos pais. “Os agentes ficaram chocados quando perceberam que sete delas eram adultos com idades entre os 18 e 29 anos. As vítimas aparentavam estar mal nutridas e muito sujas”, lê-se no comunicado divulgado pelas autoridades de Perris.
Agora, os 13 irmãos estão a receber tratamento hospitalar em diferentes unidades médicas. Primeiro, têm de recuperar fisicamente mas depois é preciso fazer bem mais. “Têm de ser inseridos na sociedade, necessitam de programas de socialização. Parecem ser quase como meninos da selva, desinseridos de relações sociais. Os mais velhos vão ter maior dificuldades em alterar os comportamentos”, explica a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos.
Quando eram vistos na rua, os irmãos Turpin nunca estavam sozinhos, os pais andavam sempre por perto. Foram educados em regime de ensino doméstico. Em família fizeram várias viagens – a Disneyland era um dos destinos favoritos. O contacto que mantinham com a família era sobretudo por telefone.
Em casos destes, as vítimas têm tendência ao maior desenvolvimento de “um mecanismo de sobrevivência pessoal”, que pode refletir-se, por vezes, em “atitudes mais alteradas, mais agressivas”. Se por um lado pouco ou nenhum contacto tiveram com o exterior, os irmãos construíram uma microssociedade com hierarquias, relações pessoais, fidelidades e mecanismos de defesa próprios. Definiram relações sociais e afetivas entre eles. Fizeram o mundo deles.
“Criaram algo que não é saudável para a saúde mental, mas não sabem isso. Enquanto pedopsiquiatra, acho que essa dinâmica de grupo deve ser respeitada. Nesta primeira fase, os técnicos vão ter de se adaptar ao mundo deles mais do que eles à sociedade. Vão ter de entrar naquele mundo para os compreender.”
Agora, é prioritário conhecer aquelas crianças, jovens e adultos, perceber se algum deles tem a mesma perturbação dos pais (“o que é possível que aconteça”). Depois, há que descobrir ao certo o que aconteceu no período da cativeiro, ao que foram sujeitos e o que entre eles fizeram (“existe a hipótese de relações sexuais entre irmãos, pois estão numa microssociedade e, apesar de serem irmãos, têm impulsos sexuais”).
A pedopsiquiatra sublinha ainda que histórias como esta surgem algumas vezes associadas ao síndroma de Estocolmo, em que a vítima desenvolve simpatia e apreço pelo agressor. Sendo uma relação de pai-filho, há a considerar que por mais que o mundo veja os pais como “enlouquecidos”, que infligiram dor, “os miúdos não têm essa noção”.
“Em vez de julgarmos o que aconteceu, o mais importante é fazer as perguntas certas. Tentar compreender o porquê dos pais fazerem isto, quais as mensagens e informações passadas aos filhos, se fizeram com o intuito de os proteger do mundo (altruísmo patológico)... É preciso estar muito interessado em perceber o tipo de relações entre eles”, defende Ana Vasconcelos.
E o que vai acontecer aos pais?
Se fosse em Portugal, a presidente do IAC acredita que seria aplicada a pena de prisão máxima ao casal. “São 13 crimes de execução contínua”, justifica. Em causa estariam crimes contra a dignidade, valores pessoais, integridade física e psicológica, maus-tratos ou violência doméstica.
“Era preciso ver criança a criança, mas são violações que se prolongam no tempo e isso agrava a pena. O dolo era cada vez mais intenso, porque cada criança que nascia era exposta àquele tipo de tratamento”, explica Dulce Rocha.
O facto de serem os dois pais coautores dos crimes e de estes terem sido praticados em casa, num ambiente privado e longe dos olhares de outros, também seria tomado em consideração na atribuição da sentença.
“Por exemplo, só por serem mal alimentadas, as meninas podem ser afetadas ao nível do desenvolvimento da capacidade reprodutoras, os órgãos sexuais não se desenvolvem. Isso seria crime contra a integridade física agravado”, diz a magistrada. “Isto é matar as pessoas aos poucos. Como é possível que isto aconteça?”
Por agora, os serviços de proteção de menores norte-americanos abriram investigação. David Allen Turpin e Louise Anna Turpin foram acusados de nove crimes de tortura e dez por colocarem em perigo a vida dos filhos.