Internacional

Presidente da Polónia promulga uma de três controversas leis judiciais

Na segunda-feira, Andrzej Duda vetou os planos do governo nacionalista para controlar o Supremo Tribunal e o Conselho Judicial mas nada disse sobre um outro projeto-lei, que prevê que os presidentes dos tribunais inferiores passem a ser nomeados pelo ministro da Justiça. Esse diploma acabou de ser promulgado e, em resposta a isso, Bruxelas vai debater hoje potenciais sanções ao Estado-membro

Sean Gallup

As autoridades da União Europeia vão debater esta quarta-feira possíveis sanções contra a Polónia, após o Presidente do país ter promulgado um de três controversos decretos aprovados pelo governo nacionalista do Partido Lei e Justiça (PiS) para reforçar o seu controlo sobre o ramo judicial.

Na segunda-feira, Andrzej Duda tinha anunciado que ia vetar dois outros projetos-lei aprovados pela maioria parlamentar, que previam reformas no Supremo Tribunal e no Conselho Judicial, enfurecendo os membros do partido no poder que também é o seu. No rescaldo da decisão, o governo da primeira-ministra Beata Szydło, que dirigiu a campanha presidencial de Duda em 2015, acusou o líder de estar a ceder à vontade de "potências estrangeiras hostis".

O veto aos dois diplomas surgiu após vários dias de protestos em massa em Varsóvia e noutras cidades polacas, com centenas de milhares de pessoas a marcharem durante o dia e a fazerem vigílias à noite frente aos tribunais das suas localidades durante o fim-de-semana.

As propostas do governo nacionalista de Szydło puseram a Polónia em rota de colisão com a Comissão Europeia, com o executivo comunitário a anunciar na semana passada que está "muito perto" de aplicar sanções ao país. Essa possibilidade vai ser debatida hoje em Bruxelas e poderá passar pela ativação do artigo 7 do Tratado da União Europeia, que prevê a suspensão do direito de voto de um Estado-membro no Conselho Europeu quando o país é suspeito de pôr em causa o Estado de Direito e os valores fundamentais do bloco.

Donald Tusk, atual presidente do Conselho que foi primeiro-ministro da Polónia entre 2007 e 2014, avisou há alguns dias que o seu país-natal está mergulhado num "cenário negro que, em última instância, pode levar à marginalização da Polónia na Europa".

É provável que hoje o colégio de comissários dê poderes ao seu Presidente, Jean-Claude Juncker, para abrir casos judiciais contra a Polónia, a serem encetados se houver juízes a serem despedidos ou vetos presidenciais a serem revertidos pelo parlamento polaco, aponta a Al-Jazeera.

Em procedimentos desta natureza, a Comissão não precisa de luz verde dos Estados-membros para levar um governo nacional da UE ao Tribunal Europeu de Justiça (TEJ) — ao contrário do que acontece com o artigo 7, que só pode ser aplicado com os votos a favor de todos os Estados-membros. Se os processos avançarem e o TEJ decidir contra a Polónia, Varsóvia enfrentará pesadas sanções financeiras diárias até cumprir as ordens europeias.

Em 2012, a Comissão ganhou um caso semelhante contra a Hungria, cujo governo, chefiado por Viktor Orbán, também estava a tentar afastar o grosso dos juízes do país forçando-os a entrar em reforma antecipada — uma medida aprovada a par de alterações à Constituição que também levaram Bruxelas a acusá-lo de pôr em causa os valores fundamentais da UE.

Vera Jourova, comissária europeia da Justiça, diz que a crise polaca tem gerado "muito nervosismo" e preocupações com a possibilidade de vir a "afetar todo o sistema da UE de mútuo reconhecimento de decisões judiciais".

Beata Szydło com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que já prometeu vetar quaisquer sanções da UE contra o seu aliado
WOJTEK RADWANSKI

Ontem, o gabinete de Duda anunciou que o Presidente promulgou o terceiro decreto governamental apesar das manifestações renovadas na segunda-feira em várias cidades do país. A nova lei permite que o Ministro da Justiça, que ocupa também o cargo de procurador-geral, escolha todos os presidentes dos tribunais de primeira instância do país.

Os críticos dizem que a medida é inconstitucional, embora aplaudam a decisão do Presidente de rejeitar as outras duas medidas. Uma delas teria permitido que o atual ministro, Zbigniew Ziobro, despedisse todos os magistrados do Supremo Tribunal e nomeasse os seus substitutos. O segundo diploma ditava que os elementos do Conselho Judicial (equivalente ao Conselho Superior de Magristratura português) passariam a ser nomeados pelo Parlamento e não pelos juízes, como tem acontecido até agora.

Ao anunciar a sua decisão anteontem, Duda alegou que a lei relativa ao Tribunal Constitucional ia dar poderes excessivos ao procurador-geral. O veto apanhou muitos de surpresa e foi interpretado como um grande revés para o programa do PiS, que desde que chegou ao poder em 2015 tem estado investido em controlar as instituições democráticas polacas, em particular as judiciais.

"Algumas potências europeias não aceitaram o resultado das eleições, não aceitaram este governo nem a sua rota de mudança e estamos a assistir a mais uma tentativa de deposição do governo", acusou ontem o ministro do Negócios Estrangeiros, Witold Waszczykowski. "Isto pode vir a culminar em atos terrorirstas contra o Estado polaco."

Ecoando as acusações do parceiro governamental, o ministro da Defesa, Antoni Macierewicz, disse que a oposição às reformas aprovadas pelo PiS são exemplo de uma "guerra híbrida" contra o país e apontou o dedo aos "círculos ambientais, anti-cristãos e anti-católicos que estão a desafiar a existência de Estados-nação independentes".

Na segunda-feira à noite, a primeira-ministra surgiu em direto na televisão à mesma hora em que Duda ia anunciar o seu veto à nação. A televisão estatal, que é controlada pelo PiS desde que o governo conseguiu aprovar uma controversa reforma das leis dos media, optou por transmitir as declarações da chefe do Executivo em detrimento das do Presidente — com Szydło a lançar ataques a Duda, cujo discurso foi transmitido nos canais privados.

"Todos queremos viver numa Polónia justa e é por isso que esta reforma dos tribunais é necessária", disse a primeira-ministra. "O veto do Presidente hoje abrandou essa reforma. Não podemos ceder à pressão das ruas e do estrangeiro. Temos uma maioria estável. Não vamos ceder às pressões. Vamos concretizar o nosso plano."