Ambição para Portugal

Geração 70 “Vemos mal quem tem ambição”

Desígnio. Falta uma meta galvanizadora para Portugal como as que transformaram um país com poucas infraestruturas e em que se tinha que percorrer quilómetros de bicicleta para comprar o jornal, apontam. E valorizar mais o sucesso

Pedro Oliveira, Pedro Nascimento, Filipa, Kiko e Pedro Gomes Sanches são de uma geração com garra

O ano era 1982 e por todo o país ouvia-se “Quero ver Portugal na CEE”, com os GNR a darem voz ao grande desígnio transformador com que a geração de 70 cresceu. “Quando a emissão falha em casa, ainda bato na televisão para aquilo acertar”, admite, entre risos, Pedro Gomes Sanches, que acredita fazer parte de uma geração que foi a primeira “a nascer em plena liberdade e a última a viver sem constrangimentos de internet e algoritmo, plenamente livres e felizes”. Sobra agora uma reflexão: “O que é que Portugal quer ser?”

Na opinião do sociólogo, e cronista do Expresso, a questão existencialista faz sentido porque atualmente “falta um desígnio”, como foi o europeu. É certo que “o Portugal de 2025 é um admirável mundo, uma espécie de filme de ficção científica” quando comparado com o país sem estradas em condições e acesso à educação em que nasceu, e com uma “sociedade portuguesa muito mais policromática, não só em termos de cores”. Para Pedro Gomes Sanches, “já não padecemos da vergonha de sermos portugueses”, mas as conquistas por vezes parecem de menos quando “o país transformou a democracia que conquistou numa partidocracia”. Temos que garantir mais condições para “reter os nossos”, algo em que “a questão da habitação é crítica”.

Originário de uma aldeia perto de Seia, na serra da Estrela, Pedro Oliveira lembra-se que, tal como ele, “há muita gente em Portugal que fazia quilómetros de bicicleta para comprar o jornal. Quando chegava no dia”, acrescenta. “Era completamente irrealista pensar que Portugal seria como é hoje”, admite o diretor da Nova SBE, até porque “algumas coisas que aconteceram não eram antecipáveis e ainda bem que é assim”. Se considerarmos que “o maior elevador social continua a ser a educação”, o país deu um salto enorme desde a década de 70 e atualmente “os nossos miúdos são tão ou mais ambiciosos que os dinamarqueses”, por exemplo. Já quanto a metas mobilizadoras, o desígnio pode passar por “tornar Portugal um país conhecido pelas universidades, pela educação”, apesar de reconhecer que estamos num “país com diferentes velocidades”. Mas na “bolha” de Pedro Oliveira, “a ambição é desmesurada”.

Barbies

“Se não tivéssemos entrado na Europa, estaríamos muito pior”, reforça a secretária-geral do BCSD Portugal — Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, Filipa Pantaleão, que define o epíteto de “país pequeno” como algo artificialmente “incutido”. Do passado, recorda-se de ser “a miúda das Barbies porque os tios vinham de fora e traziam” e todos terem “camisolas tricotadas” para demonstrar um país com pouco acesso ao mundo. “Passámos a ter uma ambição individual diferente. Antes não era assim”, acredita. Os mais novos “saem desesperados por não saberem o que o país quer ser daqui a dez anos, sem esperança”, defende, ao mesmo tempo que pede mais “capacidade de pensar a longo prazo”, algo que “não é feito a nível nacional” para sua incompreensão: “Somos 11 milhões e estamos a criar problemas, sobre problemas, sobre problemas.”

Pedro Ginjeira do Nascimento, secretário-geral da Associação Business Roundtable Portugal, é da opinião que hoje não se vê “com o mesmo trauma a emigração”. E lança a questão: “Porque chamamos emigração a um jovem que vai passar uns anos à Dinamarca e depois regressa?” Pedro Ginjeira do Nascimento argumenta que a nova geração sai “porque vemos mal quem tem ambição”, e “há mais vontade em promover o empreendedorismo enquanto ele é pequenino”. Quando um “português tem sucesso cá ou herdou ou roubou”, enquanto “o que teve sucesso lá fora já é uma pessoa extraordinária”. Mentalidade que vai do “termos vergonha do sucesso” ao “se alguém nos negócios falhar duas vezes, acabou-se”. Se é “certo que Portugal podia estar muito melhor”, tal “não impede de ver os pulos que demos em 50 anos”, com a ressalva que o futuro “não se faz só de engenheiros e advogados”. O anseio é “ser o melhor país da Europa para viver, crescer e criar riqueza”.

Quando Kiko Martins aterrou em Portugal com 11 anos “já tinha visto o ‘Clube da Xuxa’” e tem na memória um local “mais cinzentão” e em que sentiu “muita frieza”. Agora “há mais vontade em promover o empreendedorismo” e em dar palco à restauração como marca de um país aberto ao mundo e ao turismo. “Gosto de um lagostim com criatividade” ilustra o chefe, para apontar mira à “moda da simplificação” e assumir-se como “um cozinheiro”, não como “um merceeiro”. Garante Kiko Martins que “não há razão nenhuma para ainda não termos um três estrelas [Michelin] em Portugal ou mais restaurantes no top 100” dos melhores, pelo que a receita é uma: “Temos que ser mais loucos, desmedidos, ‘tarados’, na hora de sonhar.”


O que muda com esta geração

Revoluções tecnológicas e políticas

Mudanças Em 1971, Ray Tomlinson mandou o primeiro e-mail, enquanto 1975 e 1976 viram a fundação da Microsoft e da Apple. Já em Portugal, o 25 de Abril de 1974 derrubou a ditadura, que foi instaurada no Chile em 1973 pelas mãos de Pinochet, com o final da década (1979) a ser marcado pela revolução islâmica no Irão.


1979

foi o ano da criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), através da Lei nº 56/79 de 15 de setembro. O processo foi liderado por António Arnaut, ministro dos Assuntos Sociais num Governo de coligação entre o PS e o CDS que tinha Mário Soares como primeiro-ministro. Um marco que mudou por completo o sector em Portugal


“Já fechei restaurantes e vou continuar a cometer muitos erros, é a premissa que tenho mais presente na vida”

Kiko Martins
Chefe