Ambição para Portugal

Geração 80 “Queremos mais do que estabilidade”

Inconformados. Recusam um Estado que faz tudo e querem contribuir com ideias, trabalho e mérito para criar condições que permitam reter talentos. Apontam uma maior mobilização cívica e dar palco a quem já está a mudar o país

Djaimilia, Pedro, Sara e Graça são de uma geração que não está disposta a esperar sentada

A geração de 80 cresceu com a entrada de Portugal para a comunidade europeia, viu nascer o computador pessoal, jogou no ZX Spectrum, usou disquetes e fax, mas rapidamente se adaptou ao e-mail e às redes sociais. Acontecimentos como a Expo 98, o Euro 2004, ou os serões a ver os Jogos sem Fronteiras, estão entre as memórias da infância e juventude, mas também a crise de 2008, que os apanhou à entrada do mercado de trabalho, e acabou por empurrar muitos para fora. Hoje têm entre 36 e 45 anos, gostavam que em Portugal houvesse um sentimento mais forte de comunidade e que o mérito fosse suficiente para abrir portas. Não se conformam com o argumento “sempre foi assim” e não desistem de ser agentes de mudança.

“O Portugal que ambiciono é um país onde o talento não tem de sair para crescer, onde liderar com propósito vale mais do que liderar por estatuto, e onde a ambição é mais forte do que a desculpa”. Pedro Brito, CEO na Nova SBE, caracteriza a geração de 80 como a “geração ponte” entre o analógico e o digital, o medo e a ambição. “Crescemos com o país a entrar na Europa, a acreditar que tudo era possível. Mas também fomos apanhados entre duas grandes crises, a financeira de 2008 e a pandemia, e aprendemos a viver com incerteza. O que nos distingue é a resiliência pragmática. Ainda acreditamos que é possível transformar Portugal, mas sabemos que isso exige trabalho sério, coragem coletiva e um novo tipo de liderança”, acrescenta.

Filha de mãe moçambicana, Graça Canto Moniz, professora associada na Universidade Lusófona, nasceu e estudou em Viseu até aos 18 anos. Diz que a sua geração valoriza a liberdade de escolha, mas também a “responsabilidade de contribuir” para o bem comum. “Temos alguma capacidade de adaptação e de pensar em soluções criativas, mas queremos mais do que apenas estabilidade. Queremos um sentido de propósito e um futuro que não seja ditado por fórmulas do passado”, diz.

A também CEO da FUTURA ambiciona que Portugal seja um país que reconheça que o progresso “nasce do equilíbrio entre a proteção de quem mais precisa e a liberdade de quem quer inovar”. “Se queremos que os jovens se interessem, temos de criar um serviço público que valorize o mérito, que seja aberto a novas ideias e que ofereça espaço para inovar e crescer. Mas mais do que isso, precisamos de mostrar que o Estado não existe para fazer tudo, mas para garantir o que é essencial”, acredita.

“Não nos conformamos” é a frase que Sara Cerdas, médica e consultora da Organização Mundial da Saúde, escolhe quando questionada sobre o contributo da geração de 80. A ex-eurodeputada afirma que o contacto precoce com a crise criou-lhes uma resiliência e adaptabilidade especial: “Quando não conseguimos justificar o porquê de certa forma, quando existem novas formas mais eficientes, não considero que nos devemos resignar. Mudar é através de abrir os horizontes. Fi-lo antes através dos escuteiros e da natação, quando entrei no associativismo estudantil, e continuo na minha vida profissional”, diz.

Dar poder à reforma silenciosa

A escritora Djaimilia Pereira de Almeida veio para Portugal com 6 meses e viveu a infância e adolescência entres dois mundos: o dos avós maternos, que imigraram para Portugal e encontraram uma “situação de vida miserável”; e o dos avós paternos, retornados, de classe média alta. Com esta experiência, percebeu que aqui havia vários países num só. Diz que os políticos estão desgarrados de uma realidade “profundamente desigual”, mas acredita no espírito comunitário e na colaboração intergeracional como força de mudança. “Se não há sítios onde as pessoas se reúnam em redor dos mesmos objetivos, também não há sítios onde se organizem para reclamar quando as coisas não estão bem”, alerta.

Para Pedro Brito a mudança começa com uma pergunta simples: “O que é que cada um de nós está disposto a fazer, mesmo que ninguém nos peça?” Na resposta, aponta uma melhor formação; redes de confiança entre empresas, universidades e comunidades locais; e a valorização de quem tenta, mesmo que falhe: “Sem erro não há inovação. O país não muda apenas com leis. Muda com exemplos. Há cada vez mais portugueses a mudar o país em silêncio, em escolas, startups, aldeias, fundações. O que precisamos agora é de dar palco, escala e poder a esses movimentos”, diz.

O também diretor associado da Nova SBE apela ainda a uma reforma silenciosa “mas crítica”, que promova a renovação geracional nas empresas e na política, “para dar poder real aos mais novos, antes que emigrem”. “Somos a geração que ainda acredita que Portugal pode ser muito mais, e que já não está disposta a esperar sentada”, conclui.


O que muda com esta geração

Da televisão a cores ao ZX Spectrum

INOVAÇÃO Hoje vivemos na época da inteligência artificial, mas até aqui chegar várias inovações foram traçando o caminho, e a década de 80 foi fértil neste campo. Em 1980 Portugal assistiu à primeira transmissão de televisão a cores e em 1985 foi introduzido o multibanco. Em 1982 o CD é lançado na Europa e é criado o icónico ZX Spectrum.


1986

é o ano em que Portugal e Espanha aderem à Comunidade Económica Europeia, que fica, na altura, com 12 Estados-membros. Os dois países da Península Ibérica passam então a integrar, desde 1 de janeiro, o grupo já composto pela Alemanha, França, Itália, Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo, Dinamarca, Irlanda, Reino Unido e Grécia


“Acredito na colaboração intergeracional. Não acredito que uma geração mude o mundo por si só”

Djaimilia Pereira de Almeida
Escritora