Projetos Expresso

Eliminar o HPV? Portugal já esteve mais longe

Meta. Erradicar o vírus do papiloma humano e, por consequência, as doenças que lhe estão associadas é um objetivo do país. E a resposta pode estar na vacinação, que será, em breve, alargada até aos 26 anos, como divulgou o Governo esta semana

Quantos mais homens e mulheres forem vacinados, maior será a probabilidade de existir imunidade de grupo em relação ao HPV
Sergio Flores/Getty Images

Corria o ano de 2004 quando, num consultório médico algures na cidade, Ricardo Falcato ouvia ‘HPV’ pela primeira vez. Tinha 24 anos. Dirigira-se ao Hospital de São José após ter notado condilomas (verrugas genitais) na região anal. “Fui observado por uma médica, que me disse: ‘Que horror! Você tem sida. Vai morrer’”, recorda. Foi depois desse episódio, numa ida a um centro de saúde de Lisboa, que a sua médica de família o informou de que estava infetado com o vírus do papiloma humano (que é sexualmente transmissível). Ricardo estava a descobrir-se — a si e à sua sexualidade —, mas assim que recebeu o diagnóstico acabou por se isolar, acreditando mesmo que talvez tudo se tratasse de um castigo divino.

Ricardo foi então submetido a tratamentos, mas cerca de 20 anos depois os condilomas tornaram a surgir. “Mandaram-me fazer um tratamento com uma pomada em casa e desapareceu tudo, mas quiseram que eu fizesse uma anuscopia de alta resolução, para ver se aquilo não tinha degenerado em algum tipo de cancro”, o que não aconteceu, diz.

Ainda que com Ricardo tenha sido assim — e que, desde sempre, se tenha dado mais atenção aos casos de HPV nas mulheres —, há muitos homens que desenvolvem outras doenças devido ao HPV.

São exemplos os cancros anorretal, do pénis e da orofaringe. E, no caso dos homens que fazem parte de grupos de risco, a incidência é mais elevada do que na população geral. “Sabemos que a incidência de cancro do canal anal nos homens que têm sexo com homens é maior do que a incidência de cancro do colo do útero nas mulheres”, afirmou o infeciologista Nuno Luís na conferência organizada pelo Expresso, com o apoio da MSD, em que especialistas da área discutiram de que forma se poderão eliminar os cancros e doenças associados ao HPV.

Segundo as estatísticas, Portugal encontra-se no bom caminho para cumprir esse objetivo. O Índice Europeu de Políticas de Rastreio do Cancro coloca Portugal em segundo lugar, com uma classificação de 90,8%, e há países, como a Croácia, que veem na atuação de Portugal um exemplo a seguir, assegurou o investigador Rui Medeiros. Além disso, segundo dados da OCDE, a cobertura vacinal em Portugal ultrapassa os 90%, sendo que o país lidera as médias da União Europeia.

Com um Plano Europeu de Luta Contra o Cancro já em curso, 2030 é a meta para a eliminação do cancro do colo do útero. Como chegar lá? A resposta parece estar na prevenção, particularmente na vacinação, que, em breve, será alargada a homens e mulheres entre os 18 e os 26 anos, conforme divulgou o Governo esta semana.

Os peritos, em linha com as recomendações da OMS, já defendiam a importância da neutralidade de género e do alargamento da idade de vacinação como uma das estratégias para erradicar ou reduzir os cancros causados pelo HPV. A medida reforçará “não só a imunidade individual como também a proteção comunitária, reduzindo ainda mais a circulação do HPV”, defende o médico urologista e andrologista Bruno Jorge Pereira, acrescentando que é igualmente importante am­pliar o acesso gratuito à vacina a grupos de risco, como profissionais do sexo ou doentes imunodeprimidos.

FRASES da conferência

“Prevenção significa mais pessoas saudáveis, e o objetivo de um Governo — de um partido político, de quem faz política — tem de ser exatamente este”

Miguel Guimarães
Membro da Comissão Parlamentar de Saúde


“Todos os tratamentos oncológicos são mais caros do que qualquer prevenção que se possa fazer”

Isabel Fernandes
Coadjuvante da direção do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas da DGS


“Faz todo o sentido [que a vacina seja comparticipada], particularmente para os grupos de risco”

Pedro Montalvão
Diretor de otorrinolaringologia do IPO

NÚMEROS DO HPV

90%

de pessoas sexualmente ativas, segundo se estima, já tiveram contacto com o vírus sem o saber


100%

dos cancros do colo do útero são causados pelo HPV, também responsável por outros cancros e doenças


1

em cada cinco homens está infetado com um ou mais dos tipos de HPV conhecidos como de alto risco ou oncogénicos