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Sete razões para olhar o azar de frente. E sorrir

Vivências. Entre a nuvem que se instala e a incerteza, estas personalidades que vivem com as marcas do cancro não douram a pílula. Partilham que quando menos esperavam foram muitas vezes buscar forças onde não sabiam que as tinham

(De cima para baixo e da esq. para a dir.) Cátia Goarmon , Joana Gonçalves , Graça Freitas , João da Silva , Andreia Catarino , Isabel Neto e Inês Marinho partilharam as suas experiências

As palavras impressionam: “assustador”, “desesperado”, “pesadelo”, “solidão”, “frustrante”, “cansada”, “sofrimento”. As sete foram proferidas pelas sete personalidades que nesta página partilham a sua história de sobrevivência ao cancro, mas é importante não fazer delas um resumo da experiência. Porque em cada caso pode aparecer uma “força que agarra à vida”.

“Como foi o meu cancro? Uma m****”, assume, sem contemplações, Joana Gonçalves. Desde o diag­nóstico de cancro da mama triplo negativo, “o pior possível”, a sua vida “foi sofrimento e incerteza de saber o que aí vinha” e entre “mudanças no corpo, enjoos e todos os sintomas secundários que a quimioterapia provoca” a empresária assume que vai “ter sempre o pânico” de o cancro regressar: “Tenho uma dor, pode ser uma recidiva [cancro voltar a aparecer após um período de remissão]. Não posso tirar nada de positivo.”

Para Graça Freitas “há um antes e um depois do cancro, mesmo que no período de remissão e sobrevivência possa ser feliz. Mas é uma felicidade diferente”, reflete a ex-diretora-geral da Saúde, que a compara a “uma nuvem, umas vezes mais pesada, outras menos, quase impercetível, mas sempre presente”. Os três cancros que teve — mama, colo do útero e pele — obrigaram-na a confrontar-se “brutalmente com a finitude. O ditado ‘morte certa em hora incerta’ passa a ter um grau de incerteza menor”, porque “ter um cancro é muito corrosivo”. Eventualmente, acredita, “vamos adquirindo autonomia e voltamos a ter um horizonte e vida para além do cancro”. Sem esconder nada: “Para mim, não houve nenhuma epifania e não se produziu o milagre de que fiquei uma mulher nova e melhor depois dos cancros. Não. Preferia nunca os ter tido. Mas, como tive, vou fazendo o meu chão.”

Quebrar tabus

Três foi igualmente a conta que o cancro do testículo fez com João da Silva, mas de forma diferente. “Inicial­mente lidei com alguma tranquilidade, inspirado na história de Lance Armstrong”, relata o jornalista. “O maior problema”, elabora, “foi lidar com as duas recidivas, que foram um forte revés na esperança” de se livrar da doença. “Uma experiên­cia marcada por muitos altos e baixos, tanto em sofrimento físico como mental”, que acabou por o “transformar, eliminando qualquer tendência para o queixume ou vitimização”.

Estávamos no último dia de 2021 quando Cátia Goarmon recebeu a notícia de que tinha cancro da mama. “No início foi assustador, não é fácil receber este diagnóstico, mas rapidamente percebi que tudo se faz”, recorda. “Encontrei forças que não sabia que tinha, até porque a minha mãe estava a passar pelo mesmo na altura e senti que tinha de ser ainda mais forte pelas duas.” Conhecida das lides televisivas como “Tia Cátia”, a chefe destaca a importância de “quebrar tabus” sobre o cancro.

“Desde sempre tenho dito, escrito e volto aqui a insistir que lidar com o cancro não se trata de uma guerra ou luta. Rejeito a linguagem bélica”, afirma a médica especialista em cuidados paliativos Isabel Galriça Neto. Diagnosticada com um cancro da mama triplo negativo, fala de uma “realidade muito dura, que não deve ser ocultada”, e em que é essencial “rodear-se de uma equipa clínica em quem se confia, a quem se pode e deve fazer perguntas”.

Na perspetiva de Inês Marinho, o cancro “não foi, de todo, a pior fase” da sua “vida nem algo que queira esquecer. Pelo contrário”, não tem dúvidas de que a “moldou profundamente enquanto pessoa”. A fundadora da associação Não Partilhes tinha 15 anos quando se viu a braços com um linfoma e lembra-se de um período “frustrante, por ter de ficar em isolamento quando as defesas estavam mais baixas, sobretudo sendo adolescente”, além dos efeitos físicos e do exacerbar de questões de autoestima. “A doença acabou por ser também um despertar”, considera.

Já com 17 anos, Andreia Catarino teve o primeiro de quatro cancros: linfoma, tumor no fígado, cancros da mama e da tiroide. Uma história de 25 anos que torna difícil “distinguir” se o que é “hoje teve a ver com a luta contra o cancro” ou se foi “simplesmente a evolução normal desde a adolescência”. A jornalista conta que passou de “não ir sequer tirar sangue sozinha” para fazer a sua “malinha”, meter-se “no comboio” e internar-se “sozinha na última cirurgia”. Com duas certezas: “Neste momento, o cancro tirou-me mais do que o que me deu e estou cansada. Mas continuo a enfrentá-lo da mesma forma.”

Os relatos de quem conviveu com o cancro

Já são duas as temporadas do podcast do projeto “Tenho Cancro. E Depois?” que colocam figuras públicas (sete das quais formam a base do artigo principal desta página) a partilhar de viva voz as suas experiências com o antes, o durante e o depois do cancro. Com condução da jornalista da SIC Sara Tainha, são 20 as conversas que pode ouvir na página do Expresso (https://expresso.pt/podcasts/tenho-cancro.-e-depois--) ou em diversas plataformas e que, ao longo deste período, já ultrapassaram os 845 mil downloads, com uma média de 42 mil por episódio.