A gestão da água voltou a ser um dos temas em destaque na segunda edição deste fórum, mas este ano ficou também claro que é preciso gerir o excesso e não só a escassez de água.
O encontro contou, num primeiro momento, com uma intervenção de Erin Brockovich, a jurista, defensora do consumidor e ativista ambiental americana que deu o nome ao filme interpretado por Julia Roberts, logo de seguida com dois painéis de debate que juntaram José Ribau Esteves, presidente da Câmara Municipal (CM) de Aveiro e vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP); Maria da Conceição Cunha, professora da Universidade de Coimbra, Departamento de Engenharia Civil, com especialização de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente; António Pina, presidente da CM de Olhão e da AMAL - Comunidade Intermunicipal do Algarve; e ainda Manuela Moreira da Silva, professora no Instituto Superior de Engenharia da Universidade do Algarve. Na segunda parte estiveram Miguel Gouveia, professor na Universidade Católica de Lisboa e coordenador do estudo sobre o valor económico da água; José Melo Bandeira, gerente da Veolia Portugal e membro da direção do Pacto da Água, a organização que pediu o estudo; Carlos Vicente, diretor-geral da Vitacress Portugal; Cristina Siza Vieira, presidente executiva da Associação de Hotelaria de Portugal (AHP) e José Pedro Salema, presidente da Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva (EDIA). Além disso, estiveram presentes, do lado do BPI, João Pedro Oliveira e Costa, CEO; Ana Rosas Oliveira e Francisco Artur Matos, administradores; Inês dos Santos Costa, sócia da Deloitte; e ainda, a encerrar, Paulo Portas, ex-vice-primeiro ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros e Emídio Sousa, secretário de Estado do Ambiente.
Estas são as principais conclusões.
Gestão mais eficiente
- A gestão da água em Portugal tem de melhorar para reduzir o risco de cheias e de escassez. Acima de tudo, o que preciso é ser mais eficiente e tomar decisões mais rápidas e mais informadas, com base em dados científicos fornecidos pela academia.
- “A informação e o conhecimento tendem a facilitar o processo de tomada de decisão”, considera José Melo Bandeira.
- Até porque, “mudar comportamentos é muito difícil. Conseguimos logo 10% a 15% com eficiência de gestão”, diz José Pedro Salema, salientando que muitas vezes essa eficiência vem da antecipação de determinados acontecimentos.
- “Enviamos aos clientes dados de consumo e de comparação, ou seja, se estão a gastar mais ou menos que os seus pares e definimos um volume adequado a determinada cultura e fechamos a torneira a quem o ultrapassa. Julgo que nenhum operador fez isto com esta violência, mas é um método de preparação”, conta.
Limites
- A eficiência também valeu poupanças de 22% no consumo de água aos hotéis e pousadas do grupo Pestana no Algarve, conta Cristina Siza Vieira. Não com mensagens de sensibilização - apesar destas também serem uma forte componente da poupança na hotelaria - mas com a introdução de equipamentos redutores de caudal.
- Ainda assim, “uma parte do que temos feito é comportamental. 98% dos hotéis já tem outras políticas”, acrescenta a presidente da AHP, dando como exemplo a troca das roupas de cama que agora só são mudadas se o cliente assim o desejar e se ele deixar uma nota de que o quer fazer.
- “Hoje não há hotéis que não nos deem lições de ecologia”, comenta Paulo Portas.
- Para Emídio Sousa a “eficiência é a chave”, até porque “não vamos tirar a água ao turismo, que representa 10% a 15% do nosso PIB”. Nem vamos tirar água à agricultura, porque “não há ordenamento do território possível sem agricultura. Haveria uma litorização e um descuido total da terra”, repara Paulo Portas, considerando, contudo, que não se opõe “a que culturas com mais consumo de água tenham limites”.
A polémica dos abacates
- As restrições ao consumo foram abordadas, entre outros, por António Pina. O autarca de Olhão deu como exemplo a cultura dos abacates cuja produção consome muita água e que outros especialistas têm referido como prejudicial ao território algarvio.
- “O abacate é tão exógeno à região como são as laranjas. Se é laranja ou abacate é uma decisão do empresário. Nós temos de lhe dizer o que fazer com a água. Dizemos tens x para usar, agora decide o que queres cultivar”, salienta.
- Nem de propósito, Miguel Gouveia tem como exemplo no estudo que coordenou sobre o valor económico da água que o abacate é uma das culturas que paga mais pelo valor da água. Aliás, “o valor da produção de abacate é quase o do consumo urbano, o que é extraordinário”, repara.
Mais decisão
- Para haver uma gestão mais eficiente é preciso mais poder de decisão e muitas vezes isso choca com o funcionamento das instituições, mais ainda quando se fala na gestão das cheias. Porque, diz Ribau Esteves, o planeamento do território exige uma “abordagem integrada”, para que “não haja guerra entre sectores”, repara Manuela Moreira da Silva. “Temos de dividir tarefas, com humildade”.
- “Só para ter o ministro da agricultura a falar com o ministro do ambiente é o cargo dos trabalhos. A Madeira e os Açores conseguem tomar decisões”, atira José Ribau Esteves.
- Mas essas decisões têm de ser informadas e segundo Maria Conceição Cunha os atuais modelos climáticos têm “grandes níveis de incerteza”. Além da dificuldade que é encontrar bases de dados nas instituições públicas.
A contaminação
- A água contaminada também provoca escassez, mas há cada vez mais instrumentos para atacar o problema, seja antes dos químicos entrarem na corrente, seja depois.
- “Hoje há tecnologia para os PFAS [químicos eternos]”, repara José Melo Bandeira. Seja para os limpar, seja para os evitar.
- Mas, depois de anos a usar produtos químicos sem restrições à boleia da industrialização do mundo, são muitos os casos de água contaminada, repara Erin Brockovich. Para os encontrar, a ativista criou um site chamado ‘Community Healthbook” onde, como o nome indica, as pessoas de várias comunidades reportam, através de fotografias, problemas com a água.
- Porque assim não há como esconder, nem há como não saber o que se está passar e pode atuar-se. “A água contam-nos a história”, conclui.
Prémio Nacional da Água
- O projeto CisWEFE-NEX (Water-Energy-Food-Ecosystem Nexus) foi o vencedor da primeira edição deste galardão e tem como objetivo combater a escassez de água no Alentejo, Algarve e Andaluzia através da reutilização das águas residuais de lagares de azeite e da dessalinização da água do mar, com recurso a energias renováveis.
- O prémio foi entregue por Francisco Artur Matos e Emídio Sousa às três responsáveis do CisWEFE-NEX.
Este projeto é apoiado por patrocinadores, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pelo Expresso (ver Código de Conduta), sem interferência externa.