Projetos Expresso

Lípidos podem ser a resposta ao Alzheimer

Na cerimónia dos 40 anos do prémio foram ainda atribuídas duas menções honrosas no valor de €10 mil cada

Tiago Gil Oliveira recebe o diploma de vencedor entregue por Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Portela (Fundação Bial)

Na União Europeia estima-se que existam 8 milhões de pessoas com doença de Alzheimer ou outro tipo de demência. Acima dos 70 anos, o relatório “Health at a Glance 2024”, da OCDE, aponta para uma prevalência acima de 9%, mas que pode atingir 18% acima dos 80 anos. “Quando comparamos um cérebro normal com um caso avançado de Alzheimer é aparente a atrofia de diferentes regiões do cérebro”, explica Tiago Gil Oliveira, neurorradiologista no Hospital de Braga e o vencedor do Prémio Bial de Medicina Clínica 2024.

O investigador do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e da Saúde (ICVS) tem dedicado a carreira a descobrir os mistérios do cérebro, em particular no que provoca a doença de Alzheimer e nos efeitos que a patologia tem num dos mais importantes órgãos do corpo humano. “O foco da minha investigação tem sido compreender os aspetos patológicos inerentes à doença”, assinala, lembrando que os “défices de memória e comportamentos anormais” são os sintomas mais frequentes.

A Associação Alzheimer Portugal estima, a partir de estudos internacionais, que existam 193 a 500 mil pessoas afetadas por demência. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 60% a 70% destes casos são referentes a Alzheimer. Os desafios da comunidade médica têm sido sobretudo três: o diagnóstico precoce, o controlo da evolução da doença e a ausência de cura.

“O diagnóstico clássico é pos mortem”, lamenta Tiago Gil Oliveira. A pensar nestes obstáculos, o investigador procurou perceber através de imagiologia quais são as áreas e sub-regiões do cérebro mais afetadas pela patologia, um caminho que pode levar à criação de “estratégias” para identificar a doença ainda em vida. “Conseguimos identificar as alterações que caracterizam a doença de Alzheimer, que são as acumulações patológicas de proteínas tau e as placas de amiloide-beta”, aponta.

Em paralelo, a equipa liderada por Tiago Gil Oliveira — que conquistou, ao longo dos anos, bolsas de financia­mento nacionais e internacionais altamente competitivas — estudou o impacto de outras “copatologias que podem ocorrer no cérebro com doença de Alzheimer”. A par da ‘arqueologia’ do cérebro que têm procurado fazer, nomeadamente através da consulta de ressonâncias magnéticas de doentes já falecidos e do seu histórico clínico, procuraram encontrar “pistas sobre como intervir no futuro em doentes com diagnóstico confirmado”. Na Europa, está a ser considerada a introdução de um fármaco que tem como objetivo identificar as placas amiloides e removê-las do cérebro. “Quem sabe se daqui a alguns anos essa possa ser uma realidade na prática clínica em Portugal”, perspetiva.

A abrangência do projeto “Desvendando os mistérios da suscetibilidade regional do cérebro à neurodegeneração na doença de Alzheimer: da neuropatologia à ressonância magnética cerebral” é vasta, embora existam aspetos particularmente relevantes.

Um deles é o foco no hipocampo, uma região do cérebro importante para aprendizagem e memória, onde se percebeu que o grupo de moléculas de lípidos pode impactar as funções deste sistema. “Estamos interessados em continuar o nosso trabalho de manipulação de lípidos do cérebro, no sentido de encontrarmos novas estratégias terapêuticas que possam complementar ou ser alternativas às que estão a ser desenvolvidas a nível internacional”, prometeu Tiago Gil Oliveira.

O investigador, neurorradiologista e docente venceu o prémio no valor de €100 mil. “É uma vida que não é fácil, quem é próximo de mim vê o dia a dia que tenho. Podemos aproveitar este momento para refletir sobre como podemos criar uma carreira que seja benéfica e motivadora para que mais médicos investigadores possam seguir este percurso.”


Inovações que ajudam a impedir a cegueira

Os investigadores Luís Abegão Pinto, Joana Tavares Ferreira e Quirina Tavares Ferreira, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL) e ULS Santa Maria, propõem um modelo inovador para o rastreio de doenças oculares com base em ferramentas de inteligência artificial (IA). Através de uma fotografia, é possível identificar casos precoces de glaucoma e retinopatia diabética e evitar o risco de cegueira. “Isto poderia reduzir a cegueira, numa fase inicial, em pelo menos 50%”, afirma Luís Abegão Pinto.

O estudo do casal de investigadores José Paulo Andrade e Ângela Carneiro, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e ULS São João, aponta a alimentação saudável, o exercício e a cessação tabágica como principais formas de reduzir significativamente os casos de cegueira causados pela doença DMI. “Dado o envelhecimento, isto vai continuar a ser um problema de saúde pública”, assinalaram. Objetivo do projeto é promover colaboração entre cuidados de saúde primários e oftalmologistas, de modo a acelerar o diagnóstico.

Incentivar a investigação no SNS

Manuel Sobrinho Simões, médico e investigador presente no evento, traçou um paralelo entre a história do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o Prémio Bial de Medicina Clínica para lembrar a importância da aposta na investigação em saúde. “Sou muito a favor de criarmos estímulos de tempo protegido para quem faz ensino e deve haver também tempo protegido para investigação”, sublinhou. Por outro lado, o especialista defendeu que as instituições de saúde devem ser organizadas em rede e apostar nos centros de saúde e nos cuidados ao domicílio. “A proximidade é fundamental”, reiterou. Já João Eurico da Fonseca, diretor da FMUL, considerou que o prémio é “um estímulo ao desenvolvimento científico”, mas também uma fonte de inspiração para a academia e para a saúde. “É um desafio às novas gerações”, rematou.