Projetos Expresso

Que soluções para o “sonho adiado” de ter casa?

Debate. Medidas para apoiar os jovens são consideradas “insuficientes” e o sector insiste em mais opções para acelerar o aumento da oferta. Governo diz que privados também têm de se envolver

Os CEO dos principais bancos reforçaram o papel das taxas de esforço e da descida das taxas de juro na compra de casa

No sector de habitação em Portugal há um novo consenso: os jovens que querem sair de casa dos pais para estudar, serem independentes ou constituírem família são uma das faixas da população mais afetada pelo atual estado do mercado, que é caracterizado pelo contínuo aumento dos preços e pela falta de oferta adequada à procura e aos rendimentos baixos.

O estudo que a mediadora imobiliária Century 21 desenvolveu este ano nas Áreas Metropolitanas de Lisboa (AML) e do Porto (AMP) ajuda a perceber porquê (ver coluna ao lado). A maioria dos 808 jovens inquiridos diz ter salários entre €800 e €1500 e nestas zonas apenas 1% das casas à venda têm preços até €125 mil, o máximo que estes jovens podem pagar, mesmo recorrendo a um empréstimo com a garantia pública, a mais recente medida do Governo para apoiar a habitação jovem. Sem garantia pública e entrando com 15% do valor da casa, um jovem no mesmo intervalo de salário já tem possibilidade de comprar uma casa até €150 mil. Mas o problema mantém-se: na AMP há 1% de oferta a estes preços e na AML são 2%.

Por isso é que, “até ao momento, foram concretizadas poucas operações com a garantia pública”, vinca o presidente executivo (CEO) da Century 21, Ricardo Sousa. Não por a medida não ser boa, mas por ser “insuficiente”, dada “a profunda escassez de oferta ajustada à capacidade financeira da esmagadora maioria dos jovens”, pode ler-se no estudo. O CEO do BPI, João Pedro Oliveira e Costa, diz mesmo que “não há restrições de crédito nos bancos”, mas que “é muito difícil encontrar casas a preços acessíveis”.

A principal solução para este “sonho adiado” já se sabe qual é e o sector não se cansa de o dizer: aumentar a oferta a preços acessíveis. Mas para isso é preciso acelerar e minimizar os custos desse processo, e a secretária de Estado da Habitação, Patrícia Gonçalves Costa, alerta para o envolvimento dos privados. Não só com investimento, mas com novos métodos, como a construção modular, que reduz o tempo de estaleiro, “que é muito caro”. E também com uma melhor adequação da oferta à procura. “Será que precisamos de T3 com três suítes, salas de 40 m2 e estacionamento com duas boxes?”, atira. “Será que precisamos de roupeiros embutidos nos quartos e nos corredores? As carpintarias representam 8% a 10% de uma empreitada e hoje há soluções diferenciadas.” Mais ainda, a governante sugere a “introdução de zonas comuns”, que foi tentada nos anos 60 e 70. Por exemplo, ter uma zona de lavandaria no prédio para aumentar a área das habitações. “Se calhar, está na altura de voltar a este modelo, com reflexos significativos no preço.”

Medidas públicas

Patrícia Gonçalves Costa lembra que o Governo também está empenhado em acelerar a criação de mais oferta, tomando medidas como a recente alteração à lei dos solos, “que permite a reclassificação dos solos rústicos em urbanos desde que para soluções de habitação” em que 70% têm de ser casas a custos moderados e 30% têm de ser para equipamentos e serviços. “Para fazer cidade”, repara. Ou, como exemplifica o ex-ministro de Estado Paulo Portas, para fazer o que se fez no Parque das Nações, que é hoje “um dos locais mais importantes de habitação para a classe média”. Na altura, recorda, “foi preciso uma legislação especial contra a legislação que existia e que não permitia que se fizesse ali nada. Isto mostra que é possível fazer”.

Será, talvez, um exemplo do conceito de “cidade de 15 minutos”, apresentado pelo urbanista Carlos Moreno, e que consiste em ter tudo o que se precisa — trabalho, escolas, supermercados, restaurantes, lojas, etc. — a uma curta distância de casa, que podem ser 15 minutos, mas que também podem ser 10 ou 20, consoante o local onde se implementa. Têm é de ser 10 a 20 minutos “sem ter de se usar o carro, não só por causa do ambiente, mas também pela qualidade de vida”, alerta.

É por isso que Ricardo Sousa insiste no investimento público em mobilidade. “A distância da casa não deve ser medida em quilómetros, mas em tempo.”E atualmente o tempo de deslocação é “um grande problema, devido à falta de uma rede de transportes eficiente, dificultando a procura por habitação em áreas mais acessíveis”. Aliás, João Pedro Oliveira e Costa comenta que hoje as casas a preços acessíveis estão “a mais de uma hora” do centro da cidade.


Estudo De acordo com dados de 2024 do Eurostat (as estatísticas europeias) mencionados no estudo “Habitação para jovens em Portugal: desafios e tendências atuais”, desenvolvido pela mediadora imobiliária Century 21, 56,4% dos jovens portugueses entre os 25 e os 34 anos ainda vivem em casa dos pais.


49,5%

é a percentagem de jovens dos 20 aos 27 anos que moram nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e que foram inquiridos para este estudo que ainda vive com os pais. A faixa dos 36 aos 40 é que está mais emancipada (88,6%), sendo que na faixa dos 28 aos 35, são 76,3% os jovens que já vivem de forma independente


Oferta Os preços altos (43%) e os salários baixos (30%) são os maiores entraves à compra de casa pelos jovens, de tal forma que, mais de 30% dos inquiridos entendem que só conseguirá comprar casa dentro de cinco a dez anos. Há ainda entre 12% e 15% que dizem que nunca conseguiriam sair de casa dos pais.


89%

é a percentagem de jovens que abdicaram de algo para comprar uma casa, principalmente poupar para o futuro. Na lista do que tiveram de renunciar surgem as viagens, os eventos, o tempo de férias ou os produtos de supermercado. Há ainda 14% a 15% que dizem que tiveram de abdicar de ter filhos a curto ou médio prazo


Procura Mesmo abdicando de algo, quase 30% dos jovens inquiridos que já saíram de casa dos pais consideram que a casa que compraram não é aquela que procuravam, sendo que, destes, a maioria das queixas vai para o tamanho, a antiguidade e a localização, que fica entre 
10 a 30 minutos do local de trabalho ou estudo.