Entre sucessivas reformas, avanços e recuos, demissões e um algoritmo imprevisível que altera a morada das urgências semanalmente, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está perante uma tempestade complexa de enfrentar. Por um lado, os custos de contexto da saúde continuam a aumentar, enquanto, por outro, a escassez de recursos humanos mantém pressão sobre a capacidade de resposta. E o problema não irá desaparecer tão cedo. De acordo com um relatório da OCDE e Comissão Europeia, faltavam, em 2022, mais de 1,2 milhões de profissionais de saúde na União Europeia (UE).
Com a chegada do novo ano e à boleia da 10ª edição do Programa Gilead Génese, o Expresso convidou dez personalidades de relevo ligadas à saúde para refletir sobre aqueles que consideram ser os maiores desafios nesta área. Nesta edição, vamos conhecer as prioridades de cinco dessas figuras: Luís Mendão (Grupo de Ativistas em Tratamentos — GAT), Catarina Geraldes (Unidade Local de Saúde de Coimbra), Manuel Abecasis (Associação Portuguesa Contra a Leucemia — APCL), Xavier Barreto (Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares — APAH) e Luís Costa (Hospital de Santa Maria). Os restantes desafios dos especialistas serão conhecidos na edição de 28 de fevereiro.
Eliminar problemas de saúde pública
Luís Mendão tem sido, ao longo de mais de duas décadas, um dos rostos na defesa dos direitos de quem vive com VIH. Nas últimas quatro décadas, Portugal registou mais de 68 mil casos de infeção e quase 16 mil mortes, mas o desafio, ainda que em menor dimensão, continua a existir. “Portugal continua a ter um número de casos acima da média da UE.
Do orçamento à inovação. Conheça na edição de 28 de fevereiro mais cinco desafios da saúde, lançados por peritos
Precisamos de reduzir para nos pormos no caminho da eliminação destas doenças como problemas muito graves de saúde pública”, afirma. Parte do esforço que é preciso fazer para alcançar esse objetivo passa pela prevenção — não só na informação, mas sobretudo no acesso a instrumentos como a profilaxia pré-exposição (PrEP) e pós-exposição. São medicamentos indicados para pessoas com risco acrescido de infeção, capazes de prevenir a transmissão do vírus. Disponível de forma tímida e limitada desde 2017, a PrEP chegou a mais de 6900 pessoas em 2023. “A cobertura é completamente inadequada. Temos de fazer alguma coisa na política de saúde”, sugere.
Compromisso político robusto
Catarina Geraldes, diretora de Hematologia na Unidade Local de Saúde de Coimbra, elege a sustentabilidade do SNS como “o desafio mais relevante na área da saúde” e um que abrange várias dimensões. Desde logo, a escassez de profissionais de saúde e uma infraestrutura hospitalar envelhecida, assim como a falta de equidade no acesso a cuidados. “Persistem disparidades no acesso a serviços de saúde entre diferentes regiões do país”, lamenta. “Tudo isto exige, do lado do Estado, um compromisso político robusto, a valorização dos profissionais e um foco renovado e contínuo na saúde preventiva”, resume Catarina Geraldes.
Robôs de bata branca no SNS
Hematologista reformado e atual presidente da APCL, Manuel Abecasis vê na investigação e inovação duas vertentes indispensáveis para “assegurar uma saúde adequada” e acessível. A medicina personalizada é um exemplo de como os avanços da ciência permitiram “o desenvolvimento de uma estratégia adicional, a imunoterapia, que complementa as já existentes com resultados extraordinários”. O futuro, acredita, está na utilização de soluções de inteligência artificial para suporte à decisão ou no recurso a robôs cirúrgicos — recorde-se que são já nove os equipamentos em funcionamento no SNS, onde já foram feitas mais de três mil cirurgias. “São avanços que têm de estar disponíveis a todos”, reitera.
Estruturas de gestão da investigação
“A investigação e a inovação são elementos centrais para o desenvolvimento do SNS”, concorda Xavier Barreto. O presidente da APAH sugere que os hospitais apostem na “criação de estruturas de gestão da investigação e incubadoras” que promovam projetos inovadores. Para isso, o Estado deve assegurar “condições específicas para que as equipas possam dedicar mais tempo à pesquisa”, nomeadamente por via de horários flexíveis ou tempo protegido. Para o especialista em gestão hospitalar, é importante que as instituições sejam “avaliadas e financiadas tendo em conta a investigação que produzem e a inovação que introduzem no tratamento dos seus doentes”. Assim será possível ter um SNS “mais ágil, equitativo e sustentável”.
Fixar médicos exige melhores condições
O tema das condições de trabalho dos profissionais de saúde, e sobretudo da capacidade de os reter no SNS, foi apontado pelas cinco personalidades ouvidas pelo Expresso. “O desafio mais central e urgente na área da saúde é a execução, e sublinho execução, de um programa de captação de recursos humanos qualificados na área da saúde. Não é possível oferecer qualidade sem reter e captar talento profissional”, perspetiva Luís Costa, diretor de Oncologia no Hospital de Santa Maria. O também investigador no Instituto de Medicina Molecular (iMM), onde coordena um laboratório dedicado à oncologia, defende que as instituições devem apostar na produção de conhecimento, especialmente em investigações com “mais valor para a sociedade”. Além disso, a possibilidade de participação em projetos disruptivos ou de dedicar tempo à investigação clínica são fatores de atratividade que podem contribuir para a retenção de talento no SNS.
O DESAFIO DE LUÍS COSTA
Diretor de oncologia do Hospital de Santa Maria
SNS conseguir atrair e reter mais profissionais
1,2
é o número de médicos e enfermeiros que, segundo dados avançados pela OCDE, faltavam na UE em 2022
O DESAFIO DE MANUEL ABECASIS
Presidente da Associação Portuguesa Contra a Leucemia
Medicina personalizada para o futuro
€100
milhões é a verba prevista no PRR para a modernização tecnológica do SNS, a que se juntam €300 milhões para a transição digital na saúde
O DESAFIO DE CATARINA GERALDES
Diretora de Hematologia Clínica da ULS Coimbra
Prevenção para garantir sustentabilidade da saúde
3,2%
foi a percentagem do orçamento em saúde que Portugal gastou, em 2021, em prevenção, a média da UE é de 6%
O DESAFIO DE XAVIER BARRETO
Presidente da APAH
Financiar a inovação com base em resultados
€1,99
é o impacto que cada euro investido em ensaios clínicos tem na economia nacional, segundo dados da Apifarma
O DESAFIO DE LUÍS MENDÃO
Diretor de advocacia do GAT
Controlar a epidemia de VIH em Portugal
36%
é o valor da redução de novas infeções por VIH no país entre 2013 e 2024, segundo dados da Direção-Geral da Saúde