Projetos Expresso

Cabe a todos escrever o guia para um regresso feliz

Portugal. Estancar a emigração e convencer parte dos 1,5 milhões de pessoas que abandonaram o país nos últimos anos a regressarem e a trazerem consigo a experiência acumulada exige mudanças transversais que tornem a permanência mais atrativa

Luís Montenegro conversou com os emigrantes Rosália Cubal Pena e Pedro Rente Lourenço sobre as razões que os levaram a sair de Portugal

Castelo Branco, Santarém, Portalegre, Évora, Beja e Faro. O que une estes seis distritos? É terem, em conjunto, a população equivalente aos 1,5 milhões de pessoas que Portugal perdeu para a emigração, com cinco em cada dez pessoas da geração Z (14-29 anos) a admitirem estar propensos ou muito propensos a emigrar. Somos o país do mundo com maior percentagem de emigrantes, de acordo com um estudo da Associação Business Roundtable Portugal (parceira deste projeto) e Deloitte, e dos 875 mil portugueses que emigraram entre 2011 e 2021, apenas 132 mil voltaram, o que dá um em cada sete, com 61% dos emigrantes a não pensar em voltar.

“É ótimo termos os jovens a sair, mas é ótimo ter oportunidade de regressar”, aponta a cofundadora do Coletivo Matéria, Mafalda Rebordão, para quem “a escolha é algo que não existe para muitos”. Mafalda realça que “é normal que pessoas qualificadas queiram receber salários adequados às suas competências” e que se é verdade que “somos um país pequeno”, também “existem muitos outros países pequenos”.

Para o humorista e comentador Ricardo Araújo Pereira, “as pessoas não saem de Portugal à procura de um clima melhor” ou de “comida melhor”. Deixam o país “porque lhes pagam melhor. Se calhar 90% é isso”, considera. E sublinhando que não queria “fazer um comício da CGTP”, acrescenta: “É mais ou menos irónico estamos a ter esta conversa aqui no auditório Jerónimo Martins da Nova SBE, mas vi uma notícia do ano passado que o CEO da Jerónimo Martins ganhava 350 vezes mais (288 vezes mais, segundo as notícias) que a média salarial” da empresa. “É normal que um CEO ganhe mais, mas se ele ganhasse só 200 vezes mais, ou até 100, acho que pagava as contas na mesma.”

Aspirações

Os baixos salários em Portugal são vistos como um dos principais entraves à retenção e regresso do talento, mas não como o único. Para Ricardo Pires, CEO da Semapa, também tem que haver “projeto” e “ambição”. Por outras palavras, “é preciso escala” porque “uma startup em Portugal só nasce com ambição global e isso atrai talento”.

Na opinião da presidente da Galp, Paula Amorim, “vivemos uma fase má”, com os políticos a terem “que se focar menos nos votos e na perpetuação do poder” e “mais em estratégias de longo prazo”. A empresária entende que “a classe empresarial em Portugal é boa” e “muito competente”, só que peca igualmente por ser “um bocadinho conservadora”, e “talvez demasiado previsível às vezes, até mais aborrecida, avessa ao risco”. Sem deixar de apontar críticas para a imagem pública que se cria dos empresários, reforça que a classe “deve ser um pouco mais ousada”.

Com 26% a viverem fora, Portugal 
é o 8º país do mundo 
com mais emigrantes, com um terço a ter entre 15 e 39 anos

“Qual é a motivação neste país para uma pessoa ser mais exigente consigo própria?”, pergunta Sérgio Sousa Pinto, com a certeza que “não é possível ser a Suécia com um terço do PIB. É uma fantasia”, afirma, pelo que o “grau de aspirações é muito diferente entre um português ou um holandês”. Para o deputado do PS “só uma pessoa de grande privilégio é que pode ficar cá por causa de um cozido à portuguesa”, num “país de famílias, de apelidos, de fortunas herdadas” onde a “origem familiar continua a ser decisiva”.

Pede-se uma mudança urgente e foi com esse compromisso que o primeiro-ministro Luís Montenegro falou na “frustração” pela saída em grande escala de pessoas qualificadas, o que significa que damos talento “numa bandeja” a outras nações para aproveitarem o investimento português no ensino. Fazendo distinção entra essa emigração e quem “sai por vocação”, não esconde o desejo de criar condições para reter e trazer de volta mais pessoas, mas garante a quem não o fizer que “continuam a ser parte do nosso objetivo comum” e pede que “sintam responsabilidade de nos ajudar, mesmo da parte de fora”. Perante uma plateia repleta de empresários, Luís Montenegro aproveitou “para apelar ao investimento das nossas empresas” e prometeu alterações na política fiscal, ao defender que esta “é um instrumento de política económica em primeiro lugar e de política social em segundo, ao contrário dos últimos 20 anos em que foi apenas um instrumento de política financeira.” Para o primeiro-ministro é essencial “descer a fiscalidade sobre os rendimentos do trabalho”, com uma garantia: “Não me importo nada e ficarei satisfeito comigo se o resultado de algumas destas políticas só se revelar daqui a dez ou 20 anos.”

Acelerar convergência

“O meu sucesso devo-o à formação em Portugal”, sustenta Rosália Cubal Pena, médica na Point f, na Suíça, para onde saiu em 2012, atualmente sem perspetivas de regressar a curto prazo. Mas de acordo com um trabalho desenvolvido por Pedro Brinca, professor e investigador na Nova SBE, se formos capazes de mudar e atrair de regresso, por exemplo, 19.400 licenciados todos os anos a trabalhar em grandes empresas, o VAB (valor acrescentado bruto) pode aumentar em €1,6 mil milhões. Se alinharmos a nossa distribuição de empresas por tamanho com a União Europeia, o PIB pode crescer 16,4% e, tudo junto, podemos acelerar a nossa convergência com a zona euro e UE em 23 a 27 anos.

“Falamos muitas vezes de talento e de escala”, só que para “transformar as empresas em globais” são precisos vários fatores, refere o CEO da Visabeira, Nuno Marques, como “capital, sorte e demonstrarmos sempre que somos melhores do que os outros”. Para o presidente da Associação BRP, Carlos Moreira da Silva, “não podemos perder mais tempo” quando a “mudança tem de ser feita com todos, por todos e para todos”, dentro do “novo desígnio nacional”, que passa por “convencer quem saiu que este é o país onde querem estar e onde vão querer sonhar e construir”.

DIAGNÓSTICOS E DESEJOS

“É muito importante ter experiência lá fora. Quem não tiver, está a perder metade das soluções para os problemas que temos cá dentro”

Pêpê Rapazote
Ator


“Talvez não imaginássemos que 60 anos depois seríamos confrontados com nova vaga de emigração. O mundo avançou e Portugal estagnou”

Carlos Moreira da Silva
Presidente da Associação BRP


“Com 89 anos, o que é que eu quero para Portugal? Quero imensa coisa, e não é para os meus netos, é para mim”

Helena Sacadura Cabral
Economista e escritora