Projetos Expresso

Definir o que é notícia “é humano, não é da máquina”

Transformação. O sector das telecomunicações e media ainda procura a melhor forma de lidar com a inteligência artificial e o seu impacto na criação de conteúdos ou na ligação com o público. Entre receios e expectativas, há coisas que não mudam

Os participantes no debate sobre telecomunicações e media foram fotografados nos estúdios da SIC antes de falarem sobre os desafios do sector

Se pedisse ao ChatGPT para escrever um parágrafo de entrada sobre os desafios provocados pela emergência da inteligência artifi­cial (IA) nas telecomunicações e media, decerto que criaria uma prosa equilibrada e apresentável. Mas não é preciso IA para perceber que o caminho que já se iniciou é imprevisível, entre riscos e oportunidades.

“Quando falamos de IA precisamos de tomar em consideração que a sua base são grandes volumes de dados e a sua transmissão utiliza redes de telecomunicações, nomeadamente redes de fibra e redes 5G”, lembra Pedro Brandão, diretor de Market & Customer Intelligence da NOS. É essencial vincar a importância de as empresas verem além da espuma dos dias, “o que significa perceber em concreto em que é que a IA generativa nos pode ajudar”. Até porque “existe uma autocons­ciência crescente daquilo que são as limitações da inteligência humana” e das suas “limitações quando lida com emoções ou complexidade”.

“Não conseguimos prever muito bem”, acredita o presidente da APDC, Rogério Carapuça, para quem “o uso da tecnologia, por si só, não garante o sucesso destes processos”. Temos que “perceber o que queremos que sejamos nós a fazer e o que fará a máquina”, explica, ao mesmo tempo que alerta para uma mudança essencial no sistema de ensino: “Mais do que saber resolver equações, é preciso identificar os contextos e as fontes. Não temos ensinado de forma sistemática esse pensamento crítico.”

De acordo com um estudo da Public First encomendado pela Google, a IA generativa poderá aumentar a dimensão da economia portuguesa em €15 mil milhões, o que representa 6% do PIB. Para Ricardo Raposo, manager de Gestão de Produto da Vodafone Portugal, “já existem casos concretos de utilização e de melhorias de processos internos e das soluções disponibilizadas aos clientes com base em IA”. Perante a proliferação de assistentes virtuais baseados em IA, por exemplo, o responsável revela que o “cliente deve saber sempre se está a interagir com a IA ou com um humano”.

Democratizar

A IA poderá levar à perda de 80.300 empregos em Portugal em 10 anos, traduzidos na automatização de 481 mil postos de trabalho e na criação de 400 mil, revela um estudo da Randstad. É certo que “alguns sectores serão mais impactados do que outros”, resume o vice-presidente de Estratégia & Desenvolvimento de Negócio da Talkdesk, Diogo Fernandes, que, sem fugir aos possíveis impactos negativos, acredita que “a IA pode democratizar alguns serviços que agora estão restritos a algumas classes” e “baixar custos”.

“As empresas do sector”, aponta o diretor de Produtos e Serviços B2C da Altice, Tiago Silva Lopes, “estão muito conscientes de que esta quarta revolução industrial é um comboio que não só não podemos deixar de apanhar como devemos conduzir”, pelo que “a Europa tem de encontrar uma forma rápida de uma e outra, legislação e tecnologia, fazerem o caminho desta transição de mãos dadas”.

O que diz o explicador

“Nada vai substituir a interação humana. Por isso estou aqui e não o meu avatar”

David Oliveira
Líder do segmento TMT da EY Portugal


O que diz o agitador

“Na inovação, a ideia de que não há vencedores e perdedores é errada. Há e sempre houve”

Ricardo Costa
Diretor-geral de Informação da Impresa


“88% das maiores empresas a nível mundial estão neste momento a investir em IA”, atira o líder do segmento TMT — tecnologia, media e telecomunicações — da EY Portugal (parceira deste projeto), David Oliveira, que sublinha a ideia que, “mais do que uma ferramenta, a IA é um parceiro”, com as empresas a terem de formar “equipas multidisciplinares” para aproveitar todas as oportunidades. Com a legislação introduzida pela União Europeia, todos devem “preparar-se, independentemente de estarem a planear utilizar a IA ou não”.

“Temos todas as dúvidas que têm todos os Estados-membros sobre a melhor forma de implementação da regulação”, confessa Augusto Fragoso, diretor-geral de Informação e Inovação da ANACOM. “A cocriação é hoje comprovadamente possível e passível de gerar novos processos criativos”, reflete, com a certeza de que “a maior transformação dá-se com a introdução da tecnologia na esfera da decisão”. Paradoxalmente, “a regulação desta tecnologia, que progride exponencialmente em velocidade e ­áreas de aplicação, obrigará à utilização massiva da própria tecnologia para que a regulação possa funcionar”.

De acordo com um estudo global da Cision publicado este ano, ainda só 5% dos jornalistas utilizam regularmente ferramentas de IA, enquanto 28% utilizam espaçadamente e 53% não utilizam de todo. “A aplicação da IA nas redações já se faz há bastante tempo, num grau e medida cada vez maiores. Se há cinco anos os sistemas de tradução ou transcrição automática de áudio ou texto eram uma novidade, hoje são comuns e até gratuitos”, exemplifica a diretora de informação da Agência Lusa, Luísa Meireles, que menciona o impacto em campos como “edição de texto” ou “produção e edição multimédia ou fotográfica”. O impacto será positivo se a IA for usada “sob supervisão humana, cumprindo a lei e respeitando os nossos princípios éticos”, e se “o seu uso em grande escala não for motivo de ameaça a postos de trabalho”. Posto isto, “o que vão fazer os jornalistas do futuro? O mesmo que os jornalistas de hoje, mas com outros meios”, porque a “competência e a capacidade de discernir o que é notícia e o que não é são humanas, não são da máquina. Isso fica para nós”.

COMO ESTÁ A IA A ALTERAR AS TELECOMUNICAÇÕES E OS MEDIA

● No caso das empresas de media, por exemplo, utilizar a inteligência artificial (IA) generativa para automatizar a criação de artigos, roteiros de vídeo e outros conteúdos permite reduzir o tempo e os custos de produção e manter a qualidade do conteúdo.

● A IA está também a ter influência no campo da publicidade segmentada, ao ajudar na criação de campanhas publicitárias altamente direcionadas e personalizadas, porque através dela é possível analisar grandes quantidades de dados para entregar a mensagem certa ao público certo no momento certo.

● No campo das telecomunicações, os modelos de IA já preveem congestionamentos de rede, gerem o tráfego e otimizam a alocação de recursos para melhorar a qualidade do serviço e reduzir custos operacionais.

● A IA é utilizada para prever e prevenir falhas na rede, assim como analisar padrões e anomalias, o que possibilita levar a cabo uma manutenção proativa e reduzir o tempo de inatividade.