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“Pressão louca” nas urgências tira a saúde a todos

Estudo. Atendimentos de emergência são o principal ponto fraco do SNS para a maioria da população, aponta o “Índice 
de Saúde Sustentável”. Ana Paula Martins refere a retenção de médicos e enfermeiros como o principal desafio a resolver

Ministra Ana Paula Martins quer acabar com a burocracia, que “afasta talentos”, e apostar na motivação dos profissionais. Digitalizar é prioridade

Não é preciso frequentar um curso de Medicina ou Enfermagem para saber que o stresse faz disparar o ritmo cardíaco, um sintoma que tanto pode ser encontrado nos profissionais de saúde que trabalham nas urgências hospitalares como nos doentes que as procuram. Não será caso para menos: todos os anos o Serviço Nacional de Saúde (SNS) regista mais de seis milhões de episódios de urgência. De acordo com os dados mais recentes do Health at a Glance, em 2022 Portugal tinha 67 episódios de urgência por cada 100 mil habitantes, mais do dobro do valor médio dos países da OCDE (27 por cada 100 mil). “Temos de baixar as urgências dos hospitais diferenciados de primeiro e segundo nível para metade. Portugal não pode ter mais do que três milhões de episódios de urgência por ano”, defende Adalberto Campos Fernandes.

O ex-ministro da Saúde socialista, que participava esta semana na apresentação do “Índice de Saúde Sustentável 2023/2024”, diz mesmo que “é preciso aliviar esta pressão louca sobre os hospitais diferenciados” para tornar o SNS mais eficiente, dar-lhe maior capacidade de resposta e, sobretudo, assegurar o acesso digno dos doentes à prestação de cuidados. Segundo os números divulgados pelo estudo anual realizado pela NOVA IMS e pela AbbVie, o atendimento urgente é mesmo o que reúne menor satisfação e confiança junto da população. Além da redução da atividade pedida por Campos Fernandes, o agora professor universitário reconhece como crucial a intervenção rápida do atual Governo na organização dos cuidados de saúde. “É verdade que o SNS precisa mesmo de um plano de emergência, e não é por razões político-partidárias”, sublinha.

IMPACTO DO SNS NA PRODUTIVIDADE


O responsável pelo desenho do Plano de Emergência e Transformação na Saúde, Eurico Castro Alves, diz que este documento, com 204 páginas, vai permitir “aliviar e dar algum conforto às pessoas”. Mas para onde vão os doentes que se pretende retirar das urgências? Castro Alves fala no “projeto-piloto” que vai abrir dois centros de atendimento, um em Lisboa e outro no Porto, para “tentar atender todos os doentes não urgentes” — aqueles que na triagem recebem pulseira azul ou verde. Nestes espaços haverá “profissionais e as condições necessárias” para um atendimento e diagnóstico básico.

Despesa continua a crescer

Uma das principais conclusões do “Índice de Saúde Sustentável” é a tendência de queda que se verifica desde 2018 (ver gráfico) e que se acentuou nos últimos três anos. Isto explica-se, entre outros fatores, pela diferença no ritmo de crescimento da atividade (mais cerca de 1% entre 2022 e 2023) e do aumento da despesa do SNS (mais 7%). Apesar da menor produtividade do serviço público de saúde, a satisfação dos utilizadores inquiridos é positiva e mantém-se estável: a qualidade percecionada arrecada mais de 72 pontos num total de 100 possíveis.

A verdade é que, apesar das dificuldades e desafios identificados pelos utentes, o impacto dos cuidados de saúde prestados pelo SNS vai além da cura de maleitas ou do socorro em caso de aflição. Inclui uma componente de impacto na economia “muito relevante”, considera Pedro Simões Coelho, coordenador do índice e professor da NOVA IMS. O número médio de dias em que os trabalhadores faltaram à sua atividade laboral por motivo de doença foi em 2023 de 5,4 por pessoa, mas teria sido maior se não existisse SNS. “Sem o SNS, o número de dias de ausência teria sido de 7,4. É um impacto de mil milhões de euros”, detalha o responsável.

PARTICIPARIA NUM ENSAIO CLÍNICO?


Em simultâneo, importa calcular a produtividade que não foi perdida pelo facto de os trabalhadores terem recorrido ao SNS para receber apoio médico. Ainda de acordo com as contas do índice de sustentabilidade (ver gráfico), os cuidados de saúde públicos impediram a perda de 7,1 dias de produtividade graças ao absentismo evitado. Cálculos feitos, a soma final é claramente positiva. “Podemos chegar a um impacto do SNS que ascende aos €6,6 mil milhões [de retorno] para a economia”, salienta Pedro Simões Coelho.

Burocracia que “afasta talentos”

Para a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, é preciso melhorar a eficiên­cia do SNS, e isso passa por “modificar radicalmente a forma como organizamos o trabalho das nossas equipas”. Concretamente, é preciso digitalizar processos, retirar carga burocrática, que “afasta talentos” do sector público da saúde, e “motivar” os profissionais com melhores condições. “O maior desafio é, sem dúvida, conseguir motivar, captar, atrair, vincular os recursos humanos na saúde”, sublinhou a líder da tutela. São, aliás, os médicos, enfermeiros e técnicos aqueles que merecem a melhor avaliação por parte dos utilizadores do SNS, aponta o índice da NOVA IMS e AbbVie.

EVOLUÇÃO DO ÍNDICE DE SUSTENTABILIDADE

Base 100


O estudo mostra ainda que há trabalho a fazer no que à inovação diz respeito e em particular nos ensaios clínicos (ver gráfico). “Torna-se evidente que o acesso à informação sobre ensaios clínicos é uma necessidade. Talvez por isso ainda haja muita gente que sente algum receio”, analisa Elsa Frazão Mateus, presidente da EUPATI. Apesar de Portugal ter condições técnicas para conseguir atrair mais ensaios clínicos a nível internacional, há desafios a resolver. Desde logo o tempo de avaliação do pedido de autorização pelo Infarmed. “Estamos a concorrer com países da mesma dimensão, como Bélgica, Bulgária, República Checa e Suécia. Alguns estão a fazer melhor”, reconhece o presidente da instituição, Rui Santos Ivo. Para lá dos benefícios na saúde, há um número a reter: cada euro investido em ensaios clínicos gera €1,99 para a economia nacional.