Futurologia não é uma arte exata e tentar vislumbrar o que vai acontecer comporta sempre o risco de sermos traídos por essa fiel balança que dá pelo nome de realidade. Mas com as capacidades oferecidas com o avançar inexorável da inteligência artificial (IA) algo começa a mudar.
“Se me disserem qual é a data da minha morte, qual é o interesse em fazer um seguro de vida?” A pergunta hipotética é do presidente do ISEG, João Duque, e ilustra a mudança no modelo de negócio da banca e dos seguros. “É muito provável que a natureza dos riscos se altere profundamente”, aponta, com um “período de perturbação nos próximos anos”. Com a certeza de que “a atividade bancária vai continuar a existir naturalmente, obviamente, qualquer que seja o cenário”.
De acordo com dados da EY, 98% das instituições financeiras do sector já permitem o uso de inteligência artificial generativa, com 85% a concordarem que os benefícios da tecnologia superam os eventuais prejuízos. Até porque estima-se que o impacto até 2030 da adoção da IA pode aproximar-se dos €370 mil milhões a nível global. Segundo a partner da consultora (parceira do Expresso neste projeto), Rita Costa, estamos sempre perante “um processo evolutivo que traz riscos”. Importa também recordar que “a utilização da IA no mercado financeiro já suscita várias preocupações éticas e jurídicas”, tais como a “privacidade”, “a segurança” ou “a falta de transparência”. Fica o aviso: “Uma vez que a IA é utilizada num contexto humano, precisamos também de compreender como é que as pessoas que colaboram com as ferramentas reagem a elas na prática.” Vamos “precisar de pessoas que pensem de forma criativa, crítica e estratégica e que apliquem o seu discernimento humano” na utilização da IA.
Valor acrescentado
Tudo somado, “temos vindo a assistir à melhoria do atendimento, com maior rapidez e personalização, melhores capacidades de deteção de fraudes, com um impulsionamento na velocidade a que é possível transformar as organizações, e, por conseguinte, oferecer cada vez melhores produtos e serviços aos clientes”, garante Homero Figueiredo. O CTO do Santander Portugal concede que ainda “estamos numa fase muito experimental, orientada para os resultados”, e que muitas pessoas olham “para a IA como um bicho-papão que vem ocupar os nossos empregos”. Pelo contrário, vai “melhorar a experiência dos próprios colaboradores, que contam com ferramentas mais automatizadas para o desempenho das suas tarefas, o que lhes permite dedicar mais tempo a tarefas de maior valor acrescentado”.
O medo existe, e dados da EY mostram que 49% das pessoas nas instituições financeiras acreditam que a IA pode destruir empregos e comprometer processos importantes na opinião de 41%. “Existirão também desafios e riscos associados a nível da privacidade e segurança dos dados pessoais e dados sensíveis, transparência, cumprimento das regulamentações e finalmente no planeamento da força de trabalho e na reformulação criteriosa de algumas funções dos colaboradores nas empresas”, reconhece o diretor de Sistemas de Informação da Generali Tranquilidade, Manuel Pinto.
“Neste aspeto não basta ser, é preciso também parecer” e “ir ao encontro das necessidades dos clientes”, lembra Madalena Talone, administradora executiva na Caixa Geral de Depósitos, para quem “a primeira responsabilidade começa dentro das próprias instituições”, para se adequarem às regulamentações, até porque “há grande incerteza sobre o que vai ocorrer. Mas é certo que algo vai ocorrer”.
Sem dramatismos: “Tendemos a valorizar os momentos que vivemos. Na pandemia íamos morrer todos…”, recorda o membro da Comissão Executiva do grupo Ageas Portugal, Pedro António. “Embora a legislação esteja em estádios iniciais, o sector está a começar a adotar modelos de IA, mas há ainda riscos que não são cobertos pela legislação. É importante ter um inventário dos sistemas de IA desenvolvidos e implementados para entender o risco e as responsabilidades legais.” Há que assumir o “risco de falhar” porque se estão “a experimentar coisas novas, e isso por vezes pode ter comportamentos surpreendentes”.
O diretor de Dados & Analítica (CDAO) do Novo Banco, Pedro Mira Vaz, considera que ao delegar-se a “relação com clientes em sistemas, por muito eficazes que sejam”, pode-se estar a perder uma alavanca estratégica de posicionamento na relação com clientes: “Podemos perder contacto com a realidade.” É preciso adaptar, e “se os bancos se especializaram em gerir o risco do alongamento dos prazos do dinheiro ao longo de séculos, podem usar o seu conhecimento à escala que a IA traz para ajudar os seus clientes a gerirem melhor a sua vida financeira durante tempos mais longos”, com “capacidades analíticas e preditivas” e “cenarização de condicionantes externas”.
Voltando ao início, a CTO da Fidelidade, Teresa Rosas, acredita que “a data da morte torna-se difícil de calcular. Mas podemos influenciá-la com a IA”, admite. “Temos muita da nossa vida em cima de informação” e é “importante trazer a consciência às organizações do risco”. Ao invés de uma ameaça existencial, entende a IA como “uma extensão da capacidade humana” nas operações do dia a dia e em alturas de picos de trabalho, por exemplo. “É por aí que estamos a seguir, mantendo humano aquilo que tem de ser.”
O que diz o explicador
“Os dados são essenciais. Sem eles não é possível fazer modelos preditivos”
Rita Costa
Partner da EY Portugal
O que diz o agitador
“Como fomos nós a decidir utilizar a bomba atómica, somos nós que estaremos no controlo da IA”
João Duque
Presidente do ISEG
COMO ESTÁ A IA A ALTERAR A BANCA E OS SEGUROS
O impacto já se sente, com as ferramentas de IA a permitirem que as instituições financeiras automatizem tarefas repetitivas, melhorem a precisão e acelerem o processamento.
Os assistentes virtuais alimentados por IA são outro exemplo, com as instituições a colocarem cada vez mais recursos nos últimos anos para que estejam disponíveis a qualquer instante, seja qual for a hora ou o dia, o que, por um lado, aumentou a capacidade de resposta, mas, por outro, diminui a necessidade de interações humanas.
No sector já se utilizam estas ferramentas para sintetizar informação a partir de dados dispersos para passar em linguagem natural ao trabalhador, que assim pode fazer recomendações mais personalizadas.
Importa também perceber a forma como os sistemas de IA generativa aprendem e reproduzem os preconceitos que podem estar presentes nos seus dados de formação, o que pode conduzir a decisões injustas, por exemplo.