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Banca ainda precisa de pessoas de carne e osso

Digitalização. As instituições financeiras estão em transformação, há uma redução do número de trabalhadores em atendimento presencial e o futuro, apontam os peritos, será digital. Teremos robôs ao balcão? Não necessariamente

A inteligência artificial já está no dia a dia dos bancários, mas peritos recusam substituição de funcionários por robôs
Foto Tomohiro Ohsumi/Getty Images

Portugal é hoje o país da Europa com mais caixas de pagamento automáticas por cada 100 mil habitantes, um número que não surpreende a banca pela apetência que os portugueses demonstraram, ao longo das décadas, pelas novas tecnologias. Foi assim com o Multibanco, nos anos 90, mas na verdade esse percurso inovador começou muito antes, em 1965, quando foram dados os primeiros passos na digitalização do sector. Foi naquele ano que o Banco Português do Atlântico disponibilizou o que seria o primeiro telebanco do país, uma ideia inspirada no que já se testava em território norte-americano.

O “Jornal de Notícias” dava conta do primeiro cliente a testar a solução disponibilizada na cidade do Porto: tratava-se de Artur Cupertino de Miranda, que se dirigiu de Porsche ao novo telebanco. Ali, na rua e através de um ecrã, o cliente podia descontar cheques ou depositar dinheiro sem precisar de interagir, diretamente, com uma pessoa de carne e osso. Na época, a inteligência artificial (IA) ainda era apenas um sonho científico, mas hoje a larga maioria das operações bancárias são asseguradas por sistemas informáticos completamente autónomos. “Estamos claramente numa era de renovação tecnológica e de IA”, assegura Susana Trigo Cabral. A administradora executiva do BPI, que foi uma das participantes na celebração dos 90 anos do Sindicato dos Trabalhadores do Sector Financeiro de Portugal (SBN), não tem dúvidas de que a tecnologia continuará a assumir cada vez mais funções na atividade bancária.

“Antigamente ligávamos ao nosso gestor, hoje é uma máquina que nos atende”, acrescenta. Ainda assim, a opinião do sector parece ser consensual sobre a importância de manter uma componente humana na relação entre o banco e o cliente, ainda que a forma como esse contacto acontece possa ser diferente. “Entendemos, e é esse o nosso modelo de negócio, que irá existir cada vez mais uma combinação entre uma rede de distribuição física [as agências] e a banca digital”, afirma Rui Fontes, administrador executivo do Novo Banco. Para o responsável, os balcões continuam a ser pontos de contacto importantes e isso levou a instituição a investir cerca de €5 milhões na reformulação das agências. Mais do que balcões tradicionais, são hoje lojas com sofás, cadeirões, espaços informais de trabalho e onde é possível beber um café enquanto se resolvem assuntos financeiros. “As agências não vão desaparecer, vão é prestar um serviço diferente e de maior valor acrescentado”, continua.

Há dois grandes motivos para que continuem a existir espaços físicos, mesmo quando a maioria dos clientes tem acesso aos serviços bancários em qualquer dispositivo móvel. Por um lado, como aponta o antigo secretário de Estado para os Assuntos Fiscais, Carlos Lobo, existe uma “função social da banca e do bancário”, em especial para assegurar a “infoinclusão” dos clientes. Em 2010, 38% dos utilizadores da internet tinham acesso às plataformas digitais dos bancos, um valor que subiu para 70% no final de 2022. Por outro lado, os humanos continuam a ser a melhor opção para intermediar grandes decisões financeiras da população, como seja comprar uma casa ou, no caso das empresas, investir na expansão do negócio. “Vivemos num país que tem necessidade de continuar a ter estas estruturas físicas, muitas vezes para [ajudar a] tomar decisões de maior impacto na vida das pessoas”, resume o economista João Duque.

Colaboração entre robôs e humanos

Entrar numa dependência bancária e interagir exclusivamente com um robô é, para já, um cenário que não se coloca no futuro da banca. Porém, o trabalho de equipa entre funcionários de carne e osso e as máquinas — sejam algoritmos de IA, machine learning ou outros — não só já existe há vários anos como será aprofundado. Hoje, o sector enfrenta desafios de grande importância a que não pode fugir: a sustentabilidade e as novas exigências no financiamento concedido pelos bancos, a cibersegurança e apertadas normas na gestão de risco. “Os bancos estão a usar IA para ajudar os colaboradores a conseguirem responder a este tipo de desafios”, confirma Rui Fontes.

Mas há um outro grande desafio que se impõe e que se divide em duas vertentes: a inevitável reconversão profissional dos trabalhadores e a atração e retenção de talento. “De 2015 a 2022 houve uma redução de 28% dos comerciais e um aumento de 28% dos não comerciais”, enquadra João Duque, que lembra que “a reconversão é uma coisa muito importante” para o sector.

A área da cibersegurança é aquela em que “os bancos mais estão a investir” para proteger os dados dos clientes e garantir a segurança das operações, diz Susana Trigo Cabral. Isto implica, para todos os bancos em atividade, reforçar as contratações de recursos especializados, mas também obriga à aposta constante em formação profissional para a generalidade dos trabalhadores. “Hoje, um colaborador do banco tem de saber sobre ambiente, sustentabilidade... Estamos a contratar pessoas com esse tipo de perfis”, remata Rui Fontes.


Futuro será mais digital, mas falta talento

Foto Fernando Veludo/NFactos

Na celebração dos 90 anos do Sindicato dos Trabalhadores do Sector Financeiro de Portugal, os desafios atuais da banca juntaram à mesa Carlos Lobo (Lobo, Carmona & Associados), Rui Fontes (Novo Banco), Susana Trigo Cabral (BPI) e João Duque (ISEG)


O economista perante a inflação, os juros e os conflitos

Banco Central Europeu (BCE) prevê estabilização da inflação em torno de 2% até ao final do ano. O cenário é otimista? João Duque diz que “sim” e defende que as previsões económicas devem ter como cenário base a continuação da guerra na Ucrânia.

O reitor do ISEG acredita, porém, que haverá boas notícias em junho, com a descida das taxas de juro de curto prazo, ainda que as taxas de juro a longo prazo possam subir.

Entre os efeitos dos conflitos mundiais (na Europa, no Médio Oriente e na Ásia) e uma eventual reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o economista considera as guerras como principal elemento desestabilizador. “Acho que tem mais risco a questão geopolítica e a guerra neste momento do que o resultado eleitoral”, sublinha.

João Duque recusa a ideia de lucros excessivos na banca e argumenta que, nos últimos 15 anos, o sector atravessou longas fases de prejuízos. E avisa: “Se os bancos derem prejuízos e tiverem problemas sérios, tem de se aumentar capitais.”