Projetos Expresso

Semear investigação para colher curas no futuro

Biomedicina. Oeiras está a construir um campus dedicado às ciências da vida, onde vários institutos irão trabalhar em colaboração. Vão estudar o cancro, as doenças crónicas e as vasculares para melhorar os tratamentos

Thomas Kuner, da Universidade de Heidelberg, é um dos três investigadores principais que assinam o projeto vencedor focado no cancro cerebral

Problemas são, porventura, uma das palavras favoritas dos cientistas. É assim que começa uma nova investigação para encontrar soluções para os desafios da sociedade, seja na economia, na tecnologia ou na saúde. Ou em todas em simultâneo: é o caso da biomedicina, uma área de estudo que une as melhores competências humanas à imensa capacidade de processamento tecnológico e de onde resultam respostas com impacto económico. Do cancro à gripe, passando pelas doenças vasculares, há dezenas de investigadores portugueses a trabalhar no futuro da saúde. “É uma área essencial para a saúde, para o desenvolvimento sustentável e, em suma, para o bem comum”, resume João Sàáguas, reitor da Universidade Nova de Lisboa.

Se dúvidas houvesse sobre a centralidade desta área de estudo, bastaria recordar a dupla Drew Weissman e Katalin Karikó, os cientistas que venceram o Nobel de Fisiologia ou Medicina pelo trabalho que serviu de base às primeiras vacinas contra a covid-19. Weissman e Katalin Karikó foram, antes ainda, distinguidos com o Bial Award in Biomedicine 2021, que teve em conta o processo de desenvolvimento da tecnologia mRNA que viria a ser usada pela Pfizer/BioNTech.

O reitor da Universidade Nova de Lisboa, que participou na cerimónia de entrega da nova edição do prémio da Fundação Bial (ver caixa), reconhece a importância da biomedicina e afirma que é uma prioridade para a instituição. De acordo com Sàágua, “mais de 50% dos artigos científicos publicados pela universidade são na área da saúde e do bem-estar”.

Biomedicina está a florescer 
na ciência nacional

“Há razão para o otimismo”, apontou o (ainda) ministro da Saúde durante a cerimónia do prémio de biomedicina. Manuel Pizarro referia-se à “esperança” trazida pelo conhecimento científico produzido sobre as doenças oncológicas e ao papel da biomedicina. E, de facto, há bons motivos para celebrar: em 2023 foram instituídos pelo menos três novos centros de investigação no país.

O Católica Biomedical Research Centre (CBR), sediado em Oeiras, é uma das novidades. Foi inaugurado no final de outubro e conta com direção do virologista Pedro Simas, que se mostra entusiasmado com o desafio. “Há um grande investimento, grande movimentação de cientistas para trazer competitividade, massa crítica e dimensão. Pelo menos aqui, na área da Grande Lisboa, vai haver muita coisa a mexer”, conta ao Expresso. O plano é trazer “saúde através da ciência fundamental”, a base das descobertas, que mais tarde pode ser aplicada à prática clínica e beneficiar os doentes. Ali estão já oito investigadores principais “de excelência” e que devem crescer “para entre 16 e 20” nos próximos 10 anos.

Mas a que se dedicará o CBR? Pedro Simas revela que não quer limitar a atividade científica a um tema, mas antes criar uma equipa multidisciplinar que trabalhe em diferentes ­áreas — há quem investigue o genoma humano, a divisão dos cromossomas, a microbiota ou a biologia vascular. O CBR estará integrado no novo Oeiras Life Sciences Campus, um espaço que vai juntar vários institutos de investigação em saúde e que quer garantir €30 milhões anuais em fundos europeus a partir de 2030.

É verdade, como aponta o virologista, que Portugal ainda está muito atrás da média dos países mais desenvolvidos no que ao investimento em investigação e desenvolvimento diz respeito, nomeadamente em percentagem do PIB. Em 2022, a aposta equivaleu a 1,7% da riqueza nacional. Porém, a qualidade dos profissionais nacionais e o seu reconhecimento além-fronteiras têm permitido captar financiamento estrangeiro para pagar o custo da inovação.

É o caso de Maria Manuel Mota, reputada cientista e diretora do Instituto de Medicina Molecular (iMM), que no início do ano passado conquistou mais de €41 milhões para um novo centro de investigação. Estará integrado no iMM-Care, terá cerca de 50 cientistas e uma particular aposta na componente clínica, ou seja, na passagem da ciência básica para aplicação real em doentes. O primeiro objetivo é desenvolver projetos sobre o cancro da mama e o cancro colorretal de onde possam resultar soluções reais, seja para a melhoria do diagnóstico, seja para aperfeiçoar a terapêutica.

Vale a pena ainda juntar a esta pequena lista o grupo liderado por António Jacinto, coordenador do recém-criado Instituto de Biologia e Medicina de Sistemas da Nova (NIMSB), que integra a Universidade Nova de Lisboa. O investigador quer empregar a massa cinzenta dos 150 cientistas que pretende contratar e aplicá-la à ciência básica, utilizando tecnologia para inovar nas doenças crónicas com maior morbilidade e mortalidade, como a diabetes ou o Alzheimer. O NIMSB conta “com financiamento inicial de €30 milhões” (comunitário e nacional) e promete desenvolver “uma visão inovadora [...] com ênfase nas crónicas, cancerígenas e cardiovasculares”, detalha João Sàágua.

FRASES DA CERIMÓNIA

“Esta obra é sobre glioblastoma, uma doença devastadora no cérebro e um tipo de cancro que não tem cura. É um trabalho fenomenal”

Ralph Adolphs
Presidente do júri


“Sucesso dos tratamentos tem aumentado muito, mas as doenças oncológicas continuam a representar uma das principais causas de morte”

Manuel Pizarro
Ministro da Saúde


“Usámos um antiepilético e demos ao ratinho com tumor. Percebemos que podíamos inibir o seu crescimento e o tumor mantém-se estável”

Varun Venkataramani
Vencedor do Bial Award in Biomedicine 2023

Traçar o caminho do cancro cerebral

Foi preciso juntar uma equipa de 29 investigadores da Alemanha, dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Noruega para produzir o trabalho vencedor do Bial Award in Biomedicine 2023. Liderado por Varun Venkataramani, Frank Winkler e Thomas Kuner, este estudo representa “um avanço importante e surpreendente na compreensão de como o cancro do cérebro progride”, considera Ralph Adolphs. O presidente do júri redobra o elogio e diz mesmo que a investigação pode ser considerada “um marco no campo emergente da neurociência do cancro”.

Estes cientistas alcançaram uma “descoberta fundamental”, como aponta Thomas Kuner. “Até agora, as pessoas pensavam que os neurónios comunicavam apenas com outros neurónios e músculos, mas o que percebemos é que, afinal, também podem comunicar com células cancerígenas”, explica. A investigação ajuda a compreender o cancro humano, em particular o muito agressivo tumor cerebral glioblastoma, e “fornece uma das caracterizações mais surpreendentes e profundas dos mecanismos de um dos tipos mais devastadores de cancro do cérebro”, acrescenta Ralph Adolphs.

O futuro é agora promissor. Foi iniciado um ensaio clínico na Alemanha: mais um passo para a criação de tratamentos oncológicos melhores e mais eficazes.