Os presidentes dos cinco maiores bancos não anteveem que a subida da inflação e o aumento das taxas de juro — a níveis historicamente muito baixos ou mesmo negativos — suscitem problemas no sector financeiro. Não receiam um crescimento significativo das imparidades, embora reconheçam que poderá haver impactos. Haverá algum incumprimento, admitem, até porque não enjeitam o facto de o mundo estar a viver uma crise decorrente de uma pandemia, seguida de uma guerra na Ucrânia, com todas as consequências que daí advêm.
No CEO Banking Forum, encontro que reúne os banqueiros que presidem aos cinco maiores bancos — uma iniciativa do Expresso/Accenture —, Pedro Castro e Almeida, do Santander, fez uma metáfora: “Estamos a viver uma crise atípica. Não é só um cisne negro, mas um conjunto de cisnes negros que geram muita incerteza.” E confessa que, no que diz respeito à inflação, “não sabemos como começa e nunca sabemos como acaba”.
Por seu turno, Miguel Maya, do BCP, dispara: “Uma guerra como a que estamos a viver tem consequências na economia, e cada mês que passa os efeitos são maiores.” Porém, não está pessimista e diz confiar no trabalho que está a ser feito pelo Banco Central Europeu. “A questão é como se vai fazer a normalização monetária. Desconfio sempre das pessoas com certezas absolutas.”
Daí a pensar-se que se está sob a ameaça de uma recessão vai um grande passo.
“Não vejo uma recessão no curto e médio prazo. Temos uma taxa de inflação anómala. Este fenómeno da inflação tem razões concretas. Se a guerra terminar, haverá uma redução dos custos, mas haverá sempre um impacto da inflação”, opina Paulo Macedo, da CGD. O grande objetivo “é reter a inflação nos 2%”, já que, “independentemente da guerra, iríamos ter sempre uma maior inflação”. Mas não deixa de reconhecer que com a subida dos juros vai haver “um agravamento das prestações [no crédito à habitação], o que é previsível”. Contudo, “há mais poupança do que na crise anterior, mais liquidez”.
Não é Macedo o único a ver fatores mitigadores. Pedro Castro e Almeida, do Santander, não tem dúvidas de que “o rendimento disponível das famílias vai diminuir consideravelmente”, mas há atenuantes. “Estamos com pleno emprego, temos níveis de poupança como nunca tivemos, boas perspetivas no turismo e depois o PRR.”
Já quanto à subida das taxas de juro, todos acreditam que não será por isso que advirá um aumento expressivo do incumprimento. António Ramalho, presidente do Novo Banco, reconhece que pode haver algum novo incumprimento, mas diz que “a banca vai fazer parte da solução, e não do problema. Estou convencido de que a situação está controlada”, embora a incidência do malparado possa ser maior em sectores de atividade onde os “custos de contexto sejam maiores”.
Com o diagnóstico feito, João Pedro Oliveira e Costa, do BPI, avança com os desafios que considera necessários. “Estou mais preocupado com as necessidades que é preciso fazer em várias frentes. Os bancos têm um papel importante no tema da execução do PRR e do Portugal 20/30”, continuou, acrescentando que se tem de olhar para o tema da fiscalidade. “O pacote fiscal em Portugal é muito difícil para as empresas.” O líder do BPI defende que é preciso reter talento, sobretudo o talento jovem, e atrair investimento por parte das grandes empresas, e essa parte fiscal seria uma ajuda.
Ninguém parece querer o Novo Banco
Mas os únicos desafios não são os externos. A venda do Novo Banco também foi tema de conversa, mas ninguém se chegou à frente, pelo menos no plano das intenções. Os presidentes dos dois bancos de capital espanhol — o Santander e o BPI — dizem estar satisfeitos com as suas operações e defendem que as casas-mãe confiam nas suas opções. “O maior concorrente que temos neste momento somos nós próprios”, disse Pedro Castro e Almeida. A aposta é em “parcerias”, não em adquirir bancos tradicionais.
Já o presidente do BPI ironizou que o “tema da consolidação é quase uma pergunta fetiche”. “A nossa grande preocupação é o nível de competitividade”, continuou. “O banco tem tido bastante sucesso no crescimento orgânico, e é esse o caminho que estamos a fazer.”
O mesmo disse o líder do BCP. Afirma não estar preocupado com quem vai comprar o Novo Banco. “O BCP não tem uma estratégia de crescimento por via de aquisição, mas não deixará de olhar oportunidades”, repetiu, como tem dito. A preocupação é outra: “Antes de se falar na venda do Novo Banco, era bom resolver o fardo da fatura que o BCP tem de pagar com a contribuição extraordinária [que vai para o Fundo de Resolução]”, desabafando que o banco já pagou no âmbito desta contribuição €500 milhões. Uma tarefa que deixou ao Governo e à Assembleia da República.
Seja como for, António Ramalho já não estará como presidente executivo quando o Novo Banco for vendido. Sobre a saída, que se concretiza em agosto, pouco quis dizer: foi anunciada “com mais do que tempo para que fosse clara para toda a gente”.
Berardo não foi enganado, diz CGD
O encontro aconteceu na semana em que foi notícia que José Berardo interpôs uma ação de indemnização de €900 milhões à CGD, BCP, Novo Banco e BES ‘mau’. Os banqueiros não se quiseram estender, mas lá comentaram. “A CGD não engana os clientes, nem penso que a banca em geral engane os clientes. O litígio existe, teve este novo episódio, a justiça vai resolver”, comentou Paulo Macedo, rejeitando a acusação do comendador de que foram os bancos que não revelaram a real situação quando o financiaram.
“Não tenho absolutamente nada a acrescentar, os portugueses já tiveram oportunidade de ver e ler o suficiente sobre o processo”, foi a sintética resposta de Miguel Maya sobre o mesmo tema.
FRASES
“Há um agravamento das prestações, que é previsível, mas o ponto de partida é extremamente baixo. E há um efeito mitigador”
Paulo Macedo
Presidente-executivo da CGD
“Sinto-me muito confortável com o trabalho que foi feito pelo BCE, mas a questão é como se vai fazer a normalização monetária. Desconfio sempre das pessoas das certezas absolutas. O BCE está a fazer as coisas bem-feitas”
Miguel Maya
Presidente-executivo do BCP
“O rendimento disponível vai diminuir consideravelmente. Importa ver os pontos positivos: estamos com pleno emprego, temos níveis de poupança como nunca tivemos, temos o fator do turismo e depois o PRR”
Pedro Castro e Almeida
Presidente-executivo do Santander
“Tinha uma missão, sairei no dia em que fizer seis anos de banco. Era devido o princípio de que uma missão finalizada obriga a uma saída correta”
António Ramalho
Presidente-executivo do Novo Banco
“O tema da consolidação é quase uma pergunta fetiche, mas a nossa grande preocupação é ao nível de competitividade”
João Oliveira e Costa
Presidente-executivo do BPI
CEO Banking Forum
Pelo quinto ano consecutivo, o Expresso, em parceria com a Accenture, juntou os cinco maiores bancos nacionais para discutir os desafios da economia nacional. Sustentabilidade da banca, PRR, inflação e impacto na economia foram alguns dos temas.
Textos originalmente publicados no Expresso de 13 de maio de 2022