Conhecer a realidade e monitorizá-la em tempo real é, consideram os especialistas, essencial para melhorar a prevenção da doença, combatê-la de forma eficiente e eficaz. Apesar de existirem dados disponíveis na realização de ensaios clínicos, Marta Soares alerta que insuficiente e que é preciso alargar essa recolha à atividade assistencial do dia a dia. “A obtenção de dados de vida real é muito importante para validação destes resultados [dos ensaios clínicos] no mundo real por forma a podermos fazer ajustes sempre que a evidência assim o demonstre”, explica a diretora clínica do IPO do Porto. A instituição onde trabalha tem, aliás, vindo a fazer essa aposta ao longo dos últimos anos com a implementação de diferentes sistemas que ajudam à gestão dos serviços. “O IPO tem na sua estrutura organizacional vários serviços que produzem e difundem informação: Serviço de Epidemiologia, Serviço de Planeamento e Apoio à Gestão, Governação Clínica e Outcomes Research Lab”.
Para Cláudia Furtado, responsável pela Avaliação de Tecnologias de Saúde no Infarmed, “a questão é muito importante”, já que permite “gerar os dados, transformá-los em evidência e suportar as decisões de financiamento e de apoio à prescrição e à gestão do sistema de saúde”. Consciente do potencial que este conhecimento permanente da realidade reserva, a Comissão Europeia pretende criar o Espaço Europeu de Dados de Saúde com três camadas de utilização – no apoio à prestação de cuidados médicos, como fonte de informação para a investigação e suporte à tomada de decisão política. Também o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prevê o reforço do investimento público na transformação digital dos serviços do Estado, que se estende à área da saúde.
“Já existe algum grau de interoperabilidade entre hospitais, mas há ainda um longo caminho a percorrer”, afirma Marta Soares, diretora clínica do IPO do Porto
José Mendes Ribeiro, economista e responsável pela Reforma Hospitalar de 2011, exemplifica os benefícios no modelo de financiamento do Sistema Nacional de Saúde. “Quando vamos a uma consulta no centro de saúde, isso ficaria tudo registado para que depois fossem pagas aos hospitais as despesas”, diz, acrescentando que permitiria financiar “com rigor os atos prestados”. “O nosso grande problema na saúde e em muitas outras áreas é a falta de dados e a falta de mecanismos de controlo”. Porém, existem ainda muitos desafios à concretização de um sistema comum de recolha e análise de dados – a digitalização dos hospitais e outros serviços de saúde, a uniformização na estruturação dos dados e sua interoperabilidade.
Este será, de resto, um dos temas principais em discussão na conferência Portugal eHealth Summit, nos próximos dias 1 e 2 de junho, que junta especialistas em torno da discussão sobre inovação e transformação digital em saúde. A iniciativa acontece sob o mandato da Presidência Portuguesa do Conselho da UE, cuja atividade o ‘Mais Saúde, Mais Europa’ continua a acompanhar em permanência até julho, numa parceria do Expresso com apoio da Apifarma.
€578 milhões
é o valor previsto no Plano de Recuperação e Resiliência para o investimento na transformação digital na administração pública, integrado no bolo total destinado a este efeito na economia nacional, no montante de 2460 milhões de euros
Conheça a agenda da semana:
Terça, dia 1
- O primeiro dia de junho chega com a organização do Portugal eHealth Summit, que se prolonga até quarta-feira, para perceber como os dados podem ser colocados ao serviço da melhoria da qualidade dos cuidados de saúde. Marta Soares relembra que “as principais dificuldades são as decorrentes dos sistemas de informação e de registo que são muito dispares entre as várias organizações”, tornando difícil a “integração da informação entre eles”. É aquilo a que se chama interoperabilidade dos dados, que permite que os dados de um doente possam ser acedidos e consultados em qualquer hospital ou centro de saúde do país.
- Ainda assim, além desta rede de dados nacional, a UE quer que estes possam ser utilizados a nível transfronteiriço, para que qualquer cidadão europeu possa ser atendido em todo o espaço comunitário. “Mesmo em viagem, tendo algum problema o doente poderá ir a um hospital de outro país da UE e os médicos têm acesso aos registos completos”, detalha José Mendes Ribeiro.
- Pelo evento vão passar oradores portugueses e internacionais, nomeadamente André Aragão Azevedo (secretário de Estado para a Transição Digital), António Faria Vaz (Infarmed), António Costa e Silva (responsável pelo desenho do PRR), Alexandre Lourenço (APAH), Birgit Morlion (Comissão Europeia), Bruno Trigo (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde) ou Marta Soares (IPO Porto). A participação é gratuita e aberta ao público, que pode inscrever-se através deste link [https://ehealthsummit.pt/].
Quinta, dia 3
- Neste dia têm início três eventos ligados à saúde, à investigação e à gestão de dados no espaço europeu – a reunião do Grupo Investigação com o Comité sobre Espaço Europeu de Investigação, a 19ª Reunião da Rede de Saúde em Linha e o Seminário de Alto Nível “Dados de e para a sociedade”. Este último, organizado pelo Instituto Nacional de Estatística e pelo Eurostat, procurará abordar a importância do acesso e utilização dos dados para fins estatísticos. “Sem conseguirmos a nível de país dificilmente conseguiremos a nível europeu”, aponta Marta Soares, referindo-se à urgência da aposta nesta área em Portugal.
- A questão do acesso a novos medicamentos e terapêuticas, mas também da sustentabilidade dos sistemas de saúde, será abordada pelo grupo Rede de Saúde em Linha. Recorde-se que este é um dos pilares da presidência, a justiça social, que tem como objetivo harmonizar a prestação de cuidados em toda a Europa.