A reindustrialização da União Europeia (UE) é um dos grandes objetivos definidos pelos Estados-membros para a próxima década, procurando recuperar autonomia estratégica e diminuir a dependência de mercados externos. Na área das ciências da vida, em particular, o investimento em investigação e desenvolvimento (I&D) deve ser reforçado para garantir aos cidadãos uma comunidade mais resiliente. “A produtividade em I&D tem vindo a descer [na Europa], temos processos lentos de negociação e reembolso e o ambiente de investimento europeu é menos atrativo do que o dos EUA”, afiança Richard Barker. O presidente da Metadvice – que falava na conferência Inovação em Saúde: Não deixar ninguém para trás, organizada pelo Expresso com o apoio da Apifarma – lembrou a capacidade de cooperação, a rapidez das decisões e as parcerias público-privadas da UE ao longo da pandemia, pedindo que se mantenham no futuro e que sejam replicadas em outras doenças.
"É extremamente importante que quando falamos em inovação na saúde tenhamos em conta que não podemos esquecer o que alimenta o processo de inovação: a investigação fundamental", afirma Maria do Carmo Fonseca, presidente do Instituto de Medicina Molecular
Para o diretor da EURORDIS – Doenças Raras Europa, Yann Le Cam, é importante existir “diálogo científico numa rede europeia” e alargar a colaboração vivida no último ano a projetos na área da oncologia, das doenças raras e da resistência antimicrobiana. A eurodeputada Graça Carvalho, habituada a trabalhar nestes dossiers, concorda e sublinha que se não fosse a investigação fundamental, não existiria ainda uma vacina para a covid-19. “Estávamos a investir em soluções que não sabíamos que íamos precisar no futuro, mas foi importante termos este conhecimento”, diz. Maria do Carmo Fonseca, cientista e presidente do Instituto de Medicina Molecular (IMM), aponta que “a descoberta científica é resultado da investigação fundamental”, área que deve merecer “atenção ao investimento” pela UE. À semelhança de Graça Carvalho, considera importante reduzir a burocracia e aumentar a agilidade da Europa nas ciências da vida.
O projeto ‘Mais Saúde, Mais Europa’ vai continuar a acompanhar em permanência a atividade da Presidência Portuguesa do Conselho da UE através da publicação de dois artigos semanais – à segunda-feira, uma seleção dos eventos mais marcantes e, à sexta-feira, um resumo dos principais acontecimentos. A iniciativa do Expresso, com o apoio da Apifarma, vai ainda promover o debate em torno da oncologia, a 26 de maio, com o evento Cancro: Cada Dia Conta.
3%
é a percentagem do PIB comunitário que a União Europeia quer ver investido em investigação e desenvolvimento, de acordo com o objetivo definido na Estratégia Europa 2020. Em 2019, contudo, o apoio à inovação não superou 2,19%, deixando o continente atrás da Coreia do Sul (4,52%), do Japão (3,28%) e dos EUA (2,82%)
Conheça os destaques:
Ecossistema inovador
- Graça Carvalho recorre ao exemplo da BioNTech, parceira da Pfizer no desenvolvimento de uma das vacinas disponíveis contra a covid, para mostrar como é urgente ter “um ecossistema bem preparado para a inovação em saúde”. “Este exemplo mostra as fragilidades da Europa, porque a BioNTech teve de se associar à Pfizer para escalar”, lamenta.
- Além do aumento de investimento pedido, os especialistas querem processos de avaliação mais rápidos e eficientes, a par com a redução da carga burocrática em cada país e um impulso aos projetos comunitários para a partilha de dados. “A Presidência [Portuguesa da UE] vai trabalhar para alargar o intercâmbio de informação existente entre Estados-membros com vista a contribuir para a criação do Espaço Europeu de Dados de Saúde”, garante o secretário de Estado Adjunto da Saúde, Diogo Serras Lopes.
- Manuel Pizarro, eurodeputado, acredita que Portugal pode ter um papel importante na construção de uma nova cadeia de abastecimento no sector, aumentando a capacidade de I&D e produção nacional. “A economia portuguesa da saúde aumentou as exportações em 11% [em 2020] e, se virmos os últimos dez anos, a subida é de 150%”.
- O reforço do investimento em I&D é, concordam, essencial. O Horizonte Europa disponibiliza, até 2027, cerca de 95 mil milhões de euros não apenas às ciências da vida e o EU for Health tem uma dotação orçamental de 5,1 mil milhões de euros. “Não é muito”, diz Pizarro.
- No final de uma semana em que vários países europeus anunciaram a compra independente de vacinas contra a covid-19, a desintegração da entreajuda e da solidariedade deve ser evitada. “Vai a UE começar a construir uma economia da saúde europeia ou vai retroceder para o nacionalismo na saúde? Esta é a questão fundamental”, afirma Richard Barker.