Miguel Prudêncio, um dos três grandes vencedores da 64ª edição dos Prémios Pfizer (ver caixa), afirmou na cerimónia de entrega das distinções, esta semana, em Lisboa, que a vitória do seu projeto na categoria de Investigação Clínica é o reconhecimento de um trabalho que vem sendo desenvolvido “há muitos anos”, fruto da capacidade de uma equipa de investigadores capaz de ultrapassar as “dificuldades” do processo. “É um estímulo para continuarmos”, diz.
Mas nem sempre é fácil trabalhar na área de investigação científica. A dificuldade de investimento, a excessiva carga burocrática e a instabilidade dos concursos são apontadas pelos investigadores e pelas instituições ligadas à ciência como as principais dificuldades no desenvolvimento de projetos de investigação científica. Em termos europeus, Portugal assumiu o compromisso de alocar, a prazo, 3% do PIB a iniciativas nesta área, mas os números mostram que esse é um cenário longe de ser atingido. Em 2019, apenas 1,4% da riqueza produzida foi canalizada para a inovação. “A Alemanha e a Suécia já ultrapassam esse valor, nós estamos abaixo dos 2% da média europeia”, lamenta Maria Manuel Mota, investigadora que venceu, em 2017, o Prémio Pfizer e que atualmente lidera o Instituto de Medicina Molecular (IMM).
A diretora executiva do IMM defende que a falta de estabilidade e consistência na abertura de concursos de financiamento é, mais do que o orçamento, o grande problema para os cientistas nacionais. “Somos um país civilizado, um país da União Europeia e devemos ser o único que conheço que não tem uma call anual para projetos”, diz. Refere-se às candidaturas promovidas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), a instituição que agrega a maioria do investimento em investigação, que acontecem sem regularidade que permita aos investigadores fazer planos a médio/longo prazo. “Tivemos um [concurso] este ano, mas não tínhamos desde 2017”, sublinha. A última abertura, com um orçamento a rondar os 70 milhões de euros, terminou com uma taxa de aprovação na ordem dos 5%, valor que Maria Manuel Mota considera “ridículo” e insuficiente.
Arlindo Oliveira, professor do Instituto Superior Técnico, concorda e afirma que “tem de haver estabilidade”, acrescentando que a burocracia é, também, um entrave ao desenvolvimento científico. “É mais fácil executar projetos europeus do que nacionais.” Este “desajuste” entre as ambições da comunidade científica e o financiamento disponível é, para Luís Graça, presidente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, prejudicial à competitividade de Portugal, provocando uma fuga de cérebros com formação académica “muito boa”.
A investigadora do IMM sugere um “investimento de, pelo menos, €100 milhões por ano” para colmatar as dificuldades. Se Paulo Teixeira, diretor geral da Pfizer Portugal, considera “redutora” a ideia de que a investigação científica deve depender apenas de fundos públicos, Maria Manuel Mota partilha a convicção e acredita que seria importante existir maior participação de instituições privadas.
Reconhecer a qualidade
Para o responsável nacional da farmacêutica norte-americana, que anunciou uma vacina contra a covid-19 com 90% de eficácia, é preciso criar as condições para que o talento português seja aproveitado. Arlindo Oliveira acredita que iniciativas como os Prémios Pfizer “são uma recompensa para os nossos cientistas que trabalham em condições difíceis” e uma montra do potencial que Portugal guarda. Os projetos vencedores da 64ª edição deixam Maria Manuel Mota “orgulhosa” não só pela importância das descobertas mas também por serem liderados por dois investigadores do IMM. “É muito importante para as equipas serem premiadas”, remata.
Melhores frases
“Gostaríamos de ser competitivos e isso não se verifica, perdemos muito mais pessoas do que aquelas que angariámos, porque o financiamento é pouco e a burocracia é muita”
Arlindo Oliveira, Professor do Instituto Superior Técnico
“É preciso ultrapassar as burocracias para que consigamos capitalizar todo o potencial que existe para a investigação científica”
Paulo Teixeira, Diretor-geral da Pfizer Portugal
“Vejo com preocupação esta tendência de redução do investimento em ciência e educação da UE”
Luís Graça, Presidente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa
Os vencedores
PRÉMIO INVESTIGAÇÃO CLÍNICA
Potencial nova vacina para reduzir infeção hepática da malária em 95%
Responsável por mais de 400 mil mortes em 2018, a malária tem sido um desafio para a ciência. Miguel Prudêncio, do Instituto de Medicina Molecular, lidera uma equipa responsável pelo ensaio clínico de Fase 1/2ª da PbVac. Trata-se de uma potencial nova vacina, testada em 24 voluntários saudáveis, que mostrou ser capaz de reduzir a infeção hepática em 95%. O investigador esclarece que o estudo “fornece a validação clínica de uma nova abordagem de vacinação contra a malária e abre possibilidades para a sua otimização no sentido da criação de uma vacina eficaz contra esta doença”.
PRÉMIO INVESTIGAÇÃO BÁSICA
Trabalho que procura entender por que razão pessoas que funcionam por turnos ou mudam frequentemente de fuso horário têm maior tendência para excesso de peso
Henrique Veiga-Fernandes, da Fundação Champalimaud, é o responsável pelo trabalho que procurou entender por que razão pessoas que trabalham por turnos ou mudam frequentemente de fuso horário têm maior tendência para o excesso de peso ou inflamações intestinais. As observações permitiram concluir que as ILC3, com impacto na saúde intestinal, são regidas pelo seu próprio relógio biológico que é influenciado pelos ciclos noite-dia. “Esse ritmo biológico está associado a doenças tão diversas como o cancro, a obesidade ou doenças inflamatórias crónicas. Essa compreensão revela-se essencial no desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas”, explica.
Estudo para perceber como o sistema imunitário pode influenciar o processo de aprendizagem e memória
O estudo liderado por Julie Ribot, do Instituto de Medicina Molecular, tentou perceber de que forma o sistema imunitário pode influenciar o processo de aprendizagem e memória, quais as células envolvidas, onde e de que forma atuam. As descobertas sugerem que os processos de memória de curto e longo prazo são regulados por diferentes componentes do sistema imunitário. Ribot, que se estreia como investigadora principal, adianta que o trabalho continua “com o objetivo de compreender as implicações das nossas descobertas no contexto das doenças neurodegenerativas”.
Textos originalmente publicados no Expresso de 13 de novembro de 2020