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O barulho humano no mar é um perigo para os animais marinhos, mas estes mapas sonoros abriram portas a soluções

O ecossistema marino é impactado pelo ruído das navegações, sejam turísticas sejam industriais, assim como parques eólicos offshore. Para perceber que medidas podem ser implementadas para proteger os animais, um projeto europeu está a desenvolver técnicas de medição, mapas de risco e a conversar com o setor e decisores políticos para proteger o Mar do Norte

Na água, o som propaga-se quatro vezes e meia mais rápido do que no ar, por isso, o excesso de atividade humana no mar prejudica a comunicação dos animais marinhos que dependem da emissão e captação do som. Como o Mar do Norte é um dos mais movimentados do mundo, com inúmeras rotas comerciais que ligam a Europa ao resto do mundo, uma equipa de investigadores desenvolveu mapas de som desta área e está a estudar possíveis estratégias para reduzir o seu impacto.

“Não fiquei surpreendido por haver muito ruido causado pelas embarcações no Mar do Norte, mas fiquei surpreso com o nível de ruído, cerca de 20 decibéis a mais do ruído ambiente, o que é muito elevado”, explica Niels Kinneging, gestor dos projetos JOMOPANS e DEMASK e consultor na Rijkswaterstaat, uma entidade estatal dos Países Baixos responsável pelas infraestruturas e gestão de água.

Devido à fraca visibilidade dentro de água, os animais marinhos utilizam o som para encontrar presas, assustar outros animais, detetar predadores. “O som é crucial para os animais, que o usam para as suas funções vitais”, afirma. Como tal, a poluição sonora provocada por embarcações ou parques eólicos offshore prejudicam esta comunicação.

Para avaliar esta situação, foi desenvolvido entre 2018 e 2022 o projeto JOMOPANS que reuniu organizações dos Países Baixos, Suécia, Reino Unido, Noruega, Suécia, Alemanha e Bélgica e foi apoiado em cerca de quatro milhões de euros pelo programa Interreg Mar do Norte, apoiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. Recentemente, estão a desenvolver a iniciativa DEMASK, financiada em 3,2 milhões de euros pelo mesmo programa e que reúne organizações dos Países Baixos, Alemanha, Suécia e Bélgica.

No projeto JOMOPANS desenvolveram técnicas de baixo custo para avaliar o nível de ruído subaquático e com estes resultados conceberam mapas de ruído do Mar do Norte. Após o seu término, em 2022, a equipa começou a desenvolver a iniciativa DEMASK para simular cenários e avaliar os seus efeitos. “No final do projeto, escreveremos um parecer para os nossos decisores políticos e diremos o que pode ser feito, o que é favorável à indústria, se esta é capaz de o fazer ou se precisa de incentivos adicionais para o fazer”, diz.

Niels Kinneging admite que as conclusões poderão ser aplicadas noutros mares e costas. “O princípio geral é o mesmo”, por isso, “penso que todos estão muito interessados nos resultados deste projeto”.

Como surgiu o projeto JOMOPANS?

Em 2017, a Diretiva-Quadro “Estratégia Marinha” foi adotada pela União Europeia e isso significou que pelo menos os Estados-Membros europeus deveriam trabalhar para atingir um bom nível ambiental, ou seja, melhorar o estado ambiental das águas. E um dos elementos dessa estratégia era o ruído subaquático. Trata-se de um elemento relativamente novo na diretiva e para isso temos de desenvolver métodos para avaliar o ambiente em termos de ruído subaquático, estabelecer uma monitorização e apresentar medidas para melhorar o nível ambiental.

Que desafio pretendiam resolver?

Há muitos estudos sobre os diferentes tipos de efeitos do ruído subaquático em diversas espécies e a sua sensibilidade ao ruído. Mas, de uma perspetiva de gestão e de política pública, estes temas são bastante recentes e penso que os nossos projetos são também muito inovadores nesse sentido.

Qual era o objetivo do projeto JOMOPANS?

Decidimos criar uma estratégia de monitorização para quantificar o ruído nas águas do mar, neste caso no Mar do Norte. Testámos a técnica com modelos e medições e, em suma, foi esse o objetivo do projeto JOMOPANS.

De que forma o ruído subaquático afeta as espécies marinhas?

Todas as atividades humanas no mar aumentaram. Nas últimas décadas, assistimos a uma quantidade crescente e todas as atividades produzem som, o que pode perturbar os animais de diferentes formas. Portanto, sons muito altos, como por exemplo explosões ou bate estacas, podem ferir os animais e causar-lhes lesões na audição, o que a longo prazo diminui as suas possibilidades de sobrevivência. Mas também podem ser [efeitos] mais subtis, como tentarem evitar o som com o susto. Nadam para longe e, quando o fazem, não conseguem encontrar comida, o que diminui a sua nutrição. A forma mais subtil é dificultar a sua comunicação, ou seja, a comunicação mútua que é importante para encontrar parceiros. Se houver sons muito altos, ou muito barulho, a comunicação diminui e os animais têm de se aproximar uns dos outros, caso contrário não se conseguem encontrar. Essa é uma grande possibilidade. Por este motivo, isto é uma preocupação e é reconhecida como poluição porque perturba as funções vitais dos animais.

Como mediram o ruído subaquático?

Se tivermos pontos de medição por todo o mar, precisamos de muitos microfones na água, o que é muito caro, como é óbvio. Todas as atividades offshore são muito caras. Assim, criámos um método que nos permite limitar a quantidade de microfones na água ao adicionar um método numérico, com o qual avaliamos as fontes sonoras, o local onde estão e quanto ruído produzem. Depois podemos fazer mapas sonoros baseados nisso, que dizem consoante o local, o nível de ruído e noutros locais pode ser menos ou mais dependendo do número de atividades que existem.

Mapa de ruído do Mar do Norte produzido pelo projeto JOMOPANS
DR

Como se distingue o novo projeto DEMASK?

O projeto JOMOPANS era bastante técnico, envolvia muita física e muita ciência. O DEMASK trata muito menos disso, porque visa diretamente os decisores políticos e tentamos desenvolver medidas para serem aplicadas, [avaliar] qual o seu efeito e dar conselhos sobre a sua eficácia.

Por exemplo, se os navios viajarem a uma velocidade mais baixa, ou seja, se abrandarem um pouco, isso produzirá menos ruído. Isso é eficaz, mas estamos a tentar descobrir o quão eficaz será. Claro que os navios vão demorar mais tempo a chegar ao porto, o que tem um enorme impacto económico, e estamos a tentar discutir isso com o sector dos transportes marítimos, com os proprietários de navios, mas também com as autoridades portuárias: qual é o impacto disto em vós? Quanto podem suportar e até que ponto é viável? É claro que, no sector dos transportes marítimos, todos os cêntimos contam. Trata-se de um sector muito competitivo, por isso, tentamos transmitir-lhes o que é necessário fazerem para reduzir o ruído dos navios. Temos diferentes cenários: podemos abrandar, mas também podemos ter uma zona muito sensível com espécies em vias de extinção, por isso, temos de evitar que lá naveguem navios muito barulhentos. Essa é outra possibilidade. Além disso, ao contrário do JOMOPANS, passámos a incluir os desenvolvimentos eólicos offshore e o ruído que produzem.

Quais são os próximos passos neste projeto?

Uma parte é, naturalmente, a dos cenários. Temos um cenário de navegação lenta ou de exclusão de áreas e depois temos de quantificar o que isso significa. A navegação lenta significa que os navios estarão mais tempo no mar, o que tem consequências. Se dissermos que uma determinada área deve ser evitada, significa que os navios, que normalmente viajam por essa área, têm de ter uma rota diferente, que ficará mais movimentada. Teremos de avaliar todos esses efeitos, tentar calculá-los e fazer mapas com estes.

Além disso, adicionalmente ao JOMOPANS, tentaremos analisar o efeito do ruído nos animais e perceber o que isto significa para alguns. Há um problema ali e tentaremos fazer um mapa de risco, uma avaliação sobre o risco existente para, por exemplo, o arenque, o bacalhau ou para certas baleias. É isso que vamos tentar fazer, provavelmente, a partir de agora até meados do verão do próximo ano. Depois, teremos meio ano para redigir as recomendações e pareceres finais.