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“Todos seremos cuidadores um dia”: projeto permitiu o descanso de quem cuida e reduziu a exaustão física e psicológica

Um projeto em Vila Nova de Famalicão criou uma rede de apoio para os cuidadores informais, permitiu que usufruíssem de horas de descanso, tivessem uma equipa multidisciplinar à distância de uma chamada e capacitou-os nas tarefas do cuidado

Hector Vivas/Getty Images

Quase 16 mil pessoas em Portugal estão registadas na Segurança Social enquanto cuidadores informais, enquanto um inquérito da associação Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais contabiliza cerca de 1,4 milhões de pessoas. São conhecidos os desafios em compatibilizar esta assistência com o emprego e as dificuldades a nível físico e psicológico, com mais 80% dos inquiridos num estudo nacional a admitirem já se terem sentido em estado de burnout. Para mitigar as dificuldades, um projeto criou um programa de intervenção individualizado para cuidadores informais.

“Todos conhecemos uma pessoa que já foi cuidador ou que é cuidador, e todos iremos ser cuidadores um dia. Esta é a realidade a que dificilmente iremos escapar”, afirma Helena Correia, coordenadora do projeto Cuidar Maior. A iniciativa foi criada, em 2019, ainda antes da legislação reconhecer o estatuto de cuidador informal. Inicialmente, apoiava seis freguesias do município de Vila Nova de Famalicão, mas rapidamente se expandiu. Atualmente apoia todas as freguesias do município.

“Nós não somos um projeto em que é o cuidador que nos procura. É ao contrário, somos nós que procuramos o cuidador, porque nós sabemos que, à partida, o cuidador não consegue sair de casa”, explica. Como tal, desenvolveram uma metodologia personalizada na prevenção e intervenção precoce no combate ao burnout nos cuidadores informais.

O primeiro pilar nesta iniciativa é “uma equipa multidisciplinar no terreno, que faz a formação e a capacitação do cuidador, tanto em grupo como no próprio domicílio do cuidador”. Constituíram para isso um programa de intervenção psicoeducativa, que capacita para as tarefas diárias e normaliza as experiências. “Não temos aquela formação igual para todos, porque cada cuidador tem as suas necessidades próprias”, explica.

Aliado a este apoio, também orientam o cuidador na definição do seu projeto de vida. Os “cuidadores, quando chegam até nós, já têm uma história de vida antes da tarefa de cuidar”, por isso, caso haja vontade de se requalificarem, ajudam a desenvolver novas competência ou a “resgatar” antigas aptidões, porque são maioritariamente pessoas “novas, que ainda não têm idade para a reforma e ainda têm de trabalhar”.

Também para ajudar o cuidador, o projeto Cuidar Maior inclui uma vertente de consultadoria familiar para tornar a assistência o mais segura possível, o que inclui o apoio em várias tarefas, como a instalação de uma cama articulada, a disponibilização de um andarilho ou a reorganização da mobília para facilitar a deslocação. Helena Correia explica que a “consultoria familiar passa muito por ajustar o ambiente à tarefa do cuidar”.

Para facilitar a ligação rápida e esclarecer as dúvidas, estão ainda a criar uma aplicação, que será uma plataforma de comunicação entre a equipa do Cuidar Maior e o cuidador. “O cuidador irá na app, por exemplo, colocar uma dúvida que tenha relativamente à administração de alimentação por sonda. A enfermeira do projeto vai analisar o pedido e, eventualmente, deslocar-se-á ao domicílio do cuidador para fazer a formação necessária”, exemplifica.

Enquanto finalizam o desenvolvimento deste meio de comunicação, possuem a linha SOS Cuidador que, para além de facilitar rapidamente o esclarecimento de uma dúvida, é também o número de contacto para futuros cuidadores que sejam sinalizados e queiram ser acompanhados pelo projeto.

Um dos aspetos diferenciadores do projeto tratou-se do descanso ao cuidador, em que o Centro Social Paroquial de Requião disponibilizava espaço na sua estrutura residencial para receber o cuidador que quisesse descansar ou uma equipa deslocava-se ao domicílio enquanto a pessoa encarregue do cuidar podia ir a uma consulta médica, ao cabeleireiro ou simplesmente descansar. “Tivemos muitos pedidos para ficarmos com a pessoa a cuidado”, havia situações como “o cuidador tinha um casamento e queria muito ir, mas não tinha com quem deixar a pessoa, [então] nós fazíamos essa ponte e ficávamos com a pessoa a cuidado”, conta a responsável do projeto.

Um dos maiores impactos deste projeto foi falar-se, “pela primeira vez, no nosso concelho, de cuidadores informais e deu-se um bocadinho de atenção e visibilidade a quem está a cuidar 365 dias por ano, 24 horas por dia”. A iniciativa conseguiu ainda reduzir a ausência dos cuidadores no seu local de trabalho, além de ter sido capaz de prevenir a exaustão física e emocional que conduzem ao burnout.

Tivemos cuidadores que nos disseram que só o facto de lhes atenderem no telefone e tirar uma dúvida já era um descanso, porque não sabiam para onde ligar, nem sabiam a quem recorrer”, realça Helena Correia.

O Cuidar Maior continua a decorrer, mesmo “com algumas limitações”, como a perda da vertente que facultava o descanso do cuidador, graças às empresas que participaram no projeto e que decidiram continuar a financiá-lo. “Muitas juntas de freguesias disseram-nos ‘vocês não podem sair daqui, e financiam-nos porque sabem que nós fazemos a diferença”, conta a coordenadora do projeto. Atualmente, orientam cerca de 600 cuidadores.

A ajuda imprescindível dos fundos comunitários

O projeto Cuidar Maior foi coordenado pelo Centro Social Paroquial de Requião, que contou com o apoio de investidores sociais através das parceiras para o impacto do Portugal Inovação Social. Para desenvolver a sua ação, recebeu cerca de 101 mil euros através do programa Portugal 2020, dos quais cerca de 86 mil euros são provenientes do Fundo Social Europeu.

Antes de iniciarem este programa, receberam financiamento do BPI Sénior, o que permitiu “um projeto muito pequenino”. Com o apoio do Portugal Inovação Social, permitiu escalar o nível e dimensão da ação. “Permitiu a criação de uma equipa multidisciplinar em todas as áreas de intervenção”, além de “aumentar visibilidade do projeto, porque permitiu andar mais no terreno” e alcançar um maior número de cuidadores, explica Helena Correia.

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