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Projeto trata as águas residuais através de plantas: há peixes que se reproduzem nestes tanques e que ajudam na limpeza

Sistema desenvolvido por uma empresa açoriana permite aumentar a eficiência energética das ETAR's, eliminar a utilização de químicos e realizar um processo de limpeza de qualquer tipo de água residual através de plantas e peixes

Quando se idealiza uma estação de tratamento de águas residuais (ETAR) é, frequentemente, que a palavra “monstro” surja associada, mas um sistema inovador desenvolvido na ilha Terceira quer mostrar que através da utilização de plantas é possível “transformar um monstro num jardim”.

A ideia foi pensada por Paulo Rocha, que na altura trabalhava numa ETAR convencional, há cerca de 20 anos. Através de financiamento do programa Açores 2020 em cerca de 139 mil euros, dos quais cerca de 111 mil provieram do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), conseguiu criar a Bio.3A, uma empresa de tratamento de águas residuais de forma sustentável.

A partir de plantas que realizam a bioflitragem, como o jacinto de água, é possível retirar dos afluentes os elementos nocivos para que seja seguro realizar a descarga desta água na natureza. “Em cinco anos, nós fizemos cerca de cinco mil análises”, as quais confirmaram que “as plantas têm uma função muito equilibradora, porque independentemente da água bruta, o afluente final era sempre muito igual”, recorda o fundador da empresa.

Como as plantas precisam de ser substituídas regularmente para garantir a qualidade da biofiltragem, estas são usadas como composto para a agricultura local. Este sistema de aproveitamento permite reduzir os custos energéticos, assim como vários processos realizados pelas plantas permitem melhorar ainda mais a eficiência energética. “Não conheço nenhuma ETAR que trate a água com a qualidade da nossa e a tão baixo custo”, garante Paulo Rocha.

O processo é ainda replicável em outras regiões com a vantagem de poder ser adaptado para reutilizar água. Para exemplificar, o fundador da Bio.3A indica que no Algarve seria uma ótima solução. “No Algarve, não chove e há muito turismo, por isso, eles têm de pensar que as ETAR's têm de ter sistemas como os da biofiltragem para pegar na água que sai dos sistemas da biofiltragem e aproveitá-la para fazer regas de espaços públicos, campos de golfe e até mesmo produção de comida. Este é o passo que nós temos de seguir se queremos ter economias verdes e sustentáveis”, afirma.

Como surge a ideia de criar a Bio.3A?

O projeto de biofiltragem fez muito sentido e isto porquê? Porque quando o projeto arranca, infelizmente começa a Guerra na Ucrânia e aí alguns dos nossos clientes perceberam que os químicos são importantes para o tratamento, mas tiveram um aumento de preços de mais de 50%. Eu dou um exemplo de um produto básico, a soda cáustica, que é muito usada para elevar o PH, comprava-se a 50 cêntimos e passou a comprar-se a um euro. Pode dizer-se “ah, é uma diferença de 50 cêntimos”, mas temos clientes que podem gastar mais de dois mil litros por dia e aí uma coisa que custava 500€, como um IBC (tanque de água) de 1.000 litros, passa a custar mil. Se gastar um ou dois por dia, já passa a ser uma diferença de mil euros diária, se multiplicarmos isso vezes 30 dias, estamos a falar de muito dinheiro.

Portanto, tudo isto ajudou a perceber que quando nós temos uma região autónoma com nove ilhas e que até temos algumas estações de tratamento de águas que permitem o uso das mesmas plantas e que vão fazer com que a própria estação, por exemplo, esta estação em específico, posso garantir que é a estação mais eficiente do país. É uma estação que não usa absolutamente químicos nenhuns e para já, em termos energéticos, nós fomos reduzindo gradualmente a energia da estação e os valores de descarga mantêm-se iguais.

Qual a importância da biofiltragem?

Nós estando em ilhas, mesmo que seja para adicionar químicos à água para a remoção desses nutrientes, tem sempre um custo da aquisição do químico e tem sempre o custo da aquisição do transporte. Depois, ao ensaiarmos as plantas, de alguma forma, podíamos garantir que as mesmas iam remover os nutrientes e que até poderiam desencadear depois uma cadeia de valor em termos de produção de biomassa para, no futuro, produzir até um composto.

Quais as vantagens do processo da Bio.3A relativamente a uma ETAR convencional?

Para reduzir custos numa ETAR, nós utilizamos plantas. O processo só 100% plantas, nós testámos em laboratório, a diferença desse projeto de biofiltragem é que fomos ambiciosos, porque muitas vezes em laboratório é difícil criar as condições [reais] porque em laboratório eu crio as condições que eu quero, eu introduzia o valor da entrada na planta e depois via a taxa de redução da mesma. Numa estação de tratamento de águas, e nós criámos uma estação piloto, é sempre um Kinder Surpresa todos os dias. Todos os dias, a água era completamente diferente, nós tínhamos entradas de água, às vezes, com 300 miligramas de amónia, às vezes tínhamos só 100, às vezes tínhamos entradas de sólidos, ou, nesse caso, de CQO (Carência Química de Oxigénio) de mil, às vezes podíamos ter três ou quatro mil. Aí é que foi giro e que, de alguma forma, acabou por também dar razão àquilo que eu imaginava e àquilo que eu já tinha testado, [ou seja], as plantas, na biofiltragem, têm um processo extremamente útil como equilibradoras, porque independentemente dos valores que entravam, elas equilibravam.

Por que motivo utiliza plantas invasoras?

A responsabilidade não é das plantas, a responsabilidade é sempre do humano. Ainda no outro dia, um colega meu partilhou uma notícia da invasão de plantas no rio e realmente é assustador ver quilómetros de rio cheio de plantas. A minha questão é, quando há uma notícia dessas, por que não vão analisar a água e vejam os níveis de nutrientes que tem na água A partir daí, vão às ETAR's que descarregam para o mesmo rio e perguntem-lhes por que não estão a cumprir os VLE’s (valores limite de emissão).

Isso foi o que nós testamos, depois de passar a água nas plantas todas e voltarmos a pegar nela já não vai ter quase nada ou zero [de nutrientes], e se colocarmos uma planta na água limpa, garanto que ela não vai crescer porque não tem como crescer.

Qual a utilidade das plantas utilizadas na biofiltragem?

As plantas eram extraídas, só que ao extrair as plantas, nós trazíamos também as lamas resultantes do processo biológico que, muitas vezes, acontece no reator. Nós, ao trazermos o verde e a lama, depois fazíamos composto com as plantas. Passado seis ou sete meses, nós começávamos a ter o substrato. Nas fotos do site, eu estou a agarrar um monte de substrato.

Portanto, uma das coisas que nós agora pretendemos fazer é testar o substrato, perceber de que forma é que eu posso colocar diversos tipos de plantas para criar um substrato adequado para a cultura do mirtilo, por exemplo.

Quais as vantagens de ter colocado peixes na vossa ETAR?

Os peixes inicialmente foram introduzidos por causa das larvas [dos mosquitos] e depois apercebemos outra vantagem. Os peixes fazem também uma circulação da água, [ou seja], às vezes, nós temos nutrientes que podem estar mais numa zona do tanque do que noutra, mas como os peixes circulam, acaba por haver sempre um movimento de homogeneização da amostra. Portanto, alguns deles até vão ajudando a limpar novamente as raízes. [Os peixes] vão lá, mexem e depois acabam por criar ali um outro sistema de tratamento de águas. Depois, a terceira vantagem de ter os peixes é que eles são reflexo da qualidade da nossa água, porque se eles estão vivos, se se reproduzem é porque a água é boa.

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