Com o apito final no relvado virtual, João Afonso Vasconcelos levou as mãos à cara e emocionou-se. Acabava de se sagrar campeão do mundo, após derrotar o brasileiro Gabriel Freitas (‘Young’) por 6-2. Tornou-se no primeiro português a conquistar o título, e levou para casa o prémio monetário de 270 mil euros.
João, mais conhecido como ‘Jafonso’ nestas andanças, ‘Young’ e outros 14 jogadores competiram num palco em vez de um relvado. Trata-se da Esports World Cup, o mundial de futebol virtual, organizado na Arábia Saudita, no videojogo EA FC (anteriormente conhecido como FIFA). Alguns conciliam esta atividade com um emprego, mas outros conseguem fazê-lo a tempo inteiro. É o caso de ‘Jafonso’, que entrou no torneio a representar a Luna Galaxy, a organização fundada pelo jogador de futebol Diogo Jota (que atua no Liverpool).
João é jogador de futebol virtual competitivo desde 2021, altura em que começou no Boavista FC. Desde 2022, representa a Luna Galaxy (anteriormente Diogo Jota Esports). Esta temporada, alinhou também pelos New England Revolution, na correspondente virtual da Major League Soccer (MLS). Como tantos jovens adolescentes, começou por jogar sozinho, a partir do seu quarto na ilha da Madeira.
A participação em torneios amigáveis levou-o a interessar-se pela vertente competitiva, e o interesse aumentou à medida que o talento e as recompensas monetárias também cresciam. Hoje, apesar de poder fazer do futebol virtual uma ocupação a tempo inteiro, continua a estudar e está a entrar no último ano da licenciatura em Economia no ISCTE. Explica que, “se quisesse, podia viver exclusivamente disto, no curto-médio prazo, mas é importante termos sempre um plano B”.
Para muitos, os Esports - a forma competitiva dos videojogos - ainda são um mundo bizarro. Numa crónica no Expresso, Ricardo Araújo Pereira afirma que “uma atividade que pode ser praticada no sofá da sala de estar não é um desporto”. Ecoa o sentimento de outras figuras relevantes. Laurentino Dias, antigo secretário de Estado do Desporto, diz que os desportos eletrónicos não são mais do que "o negócio dos jogos e plataformas eletrónicas”.
Confrontado com estas declarações, ‘Jafonso’ não se mostra particularmente preocupado. “Para mim, o ponto principal não é os Esports serem considerado desporto ou não”, diz. “É as pessoas aceitarem que existem Esports e saberem o que são os Esports”. João não exige, por isso, uma equiparação direta ao desporto tradicional, mas pede “mais estrutura, mais reconhecimento, mais investimento. Se as pessoas dizem que é desporto ou não... acho que isso não é uma conversa para agora”.
“Para mim, o ponto principal não é os Esports serem considerado desporto ou não”
Quanto às estruturas, estas também evoluíram com o tempo. Atualmente, não é só de jogadores que se fazem os Esports. João, por exemplo, conta sempre com Armando Vale, o treinador, que o ajuda nos diversos momentos do jogo. Tal como no futebol tradicional, é preciso ter o apoio e a orientação de um ‘mister’.
Bruno Gonçalves, que além de personal trainer num ginásio também é treinador de futebol virtual na equipa 22 Esports, explica em que consistem as suas tarefas. Bruno diz que tem de preparar o atleta (refere-se sempre aos jogadores de futebol virtual como ‘atletas’) para estar “sempre ao mais alto nível competitivo, também a nível emocional. É mantê-lo sempre num trilho de equilíbrio, não só no jogo como na sua vida”.
Conhecido no mundo dos Esports como ‘InsertPT’, Bruno vive em Vila Nova de Gaia e estudou para ser professor de Educação Física. Foi treinador de futebol de onze e atualmente concilia o trabalho de acompanhamento pessoal num ginásio com as funções nos Esports. Com a sua ligação ao desporto tradicional, compreende a atitude reticente face aos Esports, mas defende que “os níveis de batimentos cardíacos e os níveis de gasto calórico durante uma competição [de Esports] são completamente absurdos”. Além disto, diz, há ainda a dedicação que cada atleta reserva à modalidade.
Sobre isto, ‘Jafonsogv’ também falou com o Expresso. Diz que, na preparação para o FC Pro Championship, uma competição que antecedeu o mundial, “chegava às 5/6 horas de treino por dia”. De manhã, treinava para “analisar o que estava a fazer a nível tático”. À tarde, “era uma parte técnica, de aperfeiçoamento de mecânicas”.
No futebol virtual, as táticas assemelham-se ao futebol real. Cada atleta controla os 11 jogadores, e tem de definir o plantel e tática, mas ajustando-se sempre às mecânicas do videojogo em si. Afinal, na génese desta competição estão as linhas de código a que os atletas, com cada nova versão, têm de se adaptar.
Futuro: os Jogos Olímpicos de 2028?
No horizonte dos Esports, estão os Jogos Olímpicos de 2028. Com o reconhecimento da modalidade por parte do Comité Olímpico Internacional, ‘Jafonso’ não esconde o desejo de representar Portugal. “Acho que daqui a quatro anos ainda vou estar no auge da minha carreira. Era algo de que gostaria muito”.
No desporto, quatro anos é muito tempo, e nos Esports ainda mais. No caso do futebol virtual, cada nova edição de um videojogo representa o arranque de uma nova época, a adaptação a novas mecânicas e, claro está, uma alteração no panorama competitivo. A FIFA deixou de tutelar as competições de futebol virtual, após a cisão com a EA Sports (que produzia o videojogo ‘FIFA’). Isto faz com que não haja um circuito de campeonatos altamente definido, reduzindo também os prémios monetários disponíveis.
Bruno Gonçalves afirma que o Salário Mínimo Nacional é uma expectativa realista para quem procura entrar no futebol virtual, mas refere que aqueles que fazem desta modalidade a sua única ocupação continuam a ser a exceção à regra. Além disso, a falta de estatutos e de regulamentação da prática dificulta as situações contratuais de muitos jogadores, e que a maioria ainda deverá ganhar abaixo dos 800€.
Bruno, por sua vez, também está de olhos postos no futuro. Fundou a AXXE Academy, uma ‘escolinha de futebol virtual’, como as centenas que existem espalhadas pelo país dedicadas ao desporto rei. A diferença é que nesta academia o foco está no relvado virtual. A troco de uma mensalidade, os jovens têm acompanhamento técnico no jogo, por parte de um treinador, assim como acompanhamento de um nutricionista e de um psicólogo, se assim o desejarem. São divididos em turmas de 10 alunos cada, de acordo com o nível de cada jovem.
O objetivo, diz ‘InsertPT’, é olhar para a base de jogadores que jogam futebol virtual “sem qualquer tipo de critério”. É nessa falta de critério, diz, que o jogo passa de “algo saudável para algo que é um vício”. “Se é para um jovem dedicar algumas horas a jogar, então que jogue com responsabilidade e com alguém que o possa orientar”, porém afirma que não quer formar jogadores apenas para a vertente competitiva, mas sim educar alguns jovens a nível emocional e construir bons hábitos nos alunos.
Por enquanto, ‘Jafonso’, campeão do mundo, descansa. A época terminou. No dia 27 de setembro, a EA Sports lançará o EA FC 25, a nova edição do videojogo, e os treinos começam novamente para ele e outros tantos - quem vê de fora pode torcer o nariz, mas os olhos continuam postos no ecrã.