Nota introdutória
Na passada quinta-feira, nos Jogos Olímpicos, a pugilista italiana Angela Carini combateu com a argelina Imane Khelif. Após 46 segundos, o combate terminou. Carini rompeu em lágrimas dizendo que “não era justo”. Em pouco tempo, por toda a internet, espalhou-se o rumor de que Khelif era uma mulher trans. Os emissores destes boatos não se cingiram ao público genérico, mas também incluíram partilhas e comentários de personalidades com grandes plataformas, como Donald Trump, Elon Musk e J.K. Rowling. No nosso país, Rita Matias, deputada do Chega, também propagou esta informação falsa. O envolvimento destas pessoas não admira ninguém, só corrobora o preconceito que já sabíamos que existia. No entanto, estas partilhas atacaram diretamente alguém, pondo o seu profissionalismo e identidade de género em causa. Até porque, comprovadamente, Imane Khelif é uma mulher cisgénero, que nasceu com vulva e órgãos reprodutores femininos e identifica-se como mulher (como se pode confirmar no artigo do Polígrafo e no artigo da Tribuna Expresso).
Como se lê no último artigo referido, “O confronto gerou, talvez previsivelmente, um debate tóxico, aceso e muitas vezes ofensivo sobre a atleta argelina, sobre mulheres e pessoas transgénero, potenciado pela velocidade habitual com que se dissemina desinformação nas redes sociais.”
Todas as pessoas que espalharam a informação falsa de que Khelif seria uma mulher trans, usando como argumento a defesa das mulheres cisgénero, a quem chamam de mulheres biológicas, estavam, na verdade, a ir contra uma mulher biológica. No mínimo irónico.
Os devidos testes foram realizados a todas as atletas antes do combate, para garantir uma competição justa. Anteriormente, teria havido conflitos com a Associação Internacional do Boxe (IBA), sobre os quais pode ler na íntegra no artigo da Tribuna. Mesmo assim, garantidamente, durante todos os campeonatos do mundo, de diferentes associações de boxe e até nos próprios Jogos Olímpicos de Tóquio “não foram encontradas quaisquer evidências de níveis de testosterona elevada ou a presença de cromossomas XY”. Mesmo antes do combate entre Carini e Khelif, o Comité Olímpico Internacional declarou que “todas as atletas que participam no torneio olímpico de boxe de Paris cumprem os regulamentos de entrada e elegibilidade da competição, bem como todos os regulamentos médicos aplicáveis”.
Ora, se Imane Khelif é mulher cisgénero, identificando-se como mulher e tendo órgãos reprodutores femininos, como é que a propagação de informação falsa declarando que era uma mulher trans viajou tão rápido e se disseminou por todos os canais de informação? Porque quando se conta um conto e se acrescenta um ponto transfóbico e misógino, a informação viaja muito mais rápido, pois há sempre alguém que a vai usar a favor dos seus ideais intolerantes.